terça-feira, 13 de novembro de 2007

Imaginação Pornográfica e Diferenças de Género

Kinsey et al. (1970) definem a pornografia como «a literatura ou desenho que tem a excitação erótica do leitor ou observador como objectivo deliberado e principal ou único» (p.699). Como esta definição é demasiado restritiva quanto ao meio, é melhor defini-la como representação do comportamento erótico em livros, imagens, filmes, etc., com a intenção de causar excitação sexual, ou simplesmente, como faz Stoller (1998), como «aquele produto manufacturado com a intenção de produzir excitação erótica» (p.27).
No imaginário gay, a pornografia aplica-se a todos os textos, imagens, filmes e usos da Internet que servem só ou essencialmente para provocar estímulos sexuais e dar aso a fantasias sexuais. A pornografia tende a ser vista como «sexo profissional», sobretudo quando se trata da realização de um filme pornográfico ou da tomada de fotografias para publicação, visto que envolve transacções comerciais, mas na vida quotidiana dos homossexuais não é esse aspecto que interessa: o mais importante são as suas funções e usos.
O campo lexical da pornografia compreende 19 lexemas e representa 2,85% do total dos lexemas que compõem a dimensão das Sexualidades Alternativas. Apreende-se facilmente que a pornografia diz respeito, pelo menos no imaginário gay português, a materiais sexualmente excitantes, tais como textos, imagens (fotografias) e filmes. Estes materiais são usados como «apologia da verga e da foda», «estimulação sexual» e «aprendizagem». O aspecto mais importante é o da estimulação sexual. Com efeito, o recurso a materiais pornográficos alimenta as fantasias sexuais, que possibilitam e tornam mais gratificantes a masturbação ou mesmo as relações sexuais entre casais ou pares ocasionais, mas, quando já não se passa sem eles, os seus utilizadores tornam-se viciados, ou melhor, «pornoadictos», deixando mesmo de ter uma vida sexual satisfatória. Eles recorrem ao material pornográfico não já para alimentar a sua vida sexual, mas simplesmente para o manipular e consumir rapidamente.
É certo que cada um dos «materiais» poderia dar origem a campos cognitivos interessantes, mas, dado o estilo de vida quotidiano dos homossexuais, uma tal diferenciação não se justifica. Cabe verificar que os homens homossexuais tendem a usar e abusar de materiais pornográficos, tais como revistas, livros, colecções particulares de fotografias eróticas, filmes e, sobretudo mais recentemente, frequência de sites pornográficos da Internet. E, aquando da realização de uma reunião social ou festa ou da concretização de um encontro sexual em suas casas, é frequente assistirem a filmes pornográficos, com o objectivo de aumentar a excitação sexual.
Os dados de Kinsey et al. (1970) mostraram que 48% das mulheres e 36% dos homens apresentam resposta erótica aos filmes sensuais, 60% das mulheres e 59% dos homens apresentam resposta erótica à leitura de literatura erótica, 14% das mulheres e 47% dos homens sentiram-se eroticamente estimulados ouvindo histórias eróticas e 32% das mulheres e 77% dos homens sentiram-se eroticamente estimulados com representações (fotografias, desenhos e filmes) do acto sexual. As mulheres parecem reagir eroticamente mais às histórias eróticas relatadas do que os homens (Gunther Schmidt et al., 1973). Porém, os homens parecem reagir eroticamente mais aos filmes eróticos do que as mulheres (Erick Janssen et al., 2003), porque, como mostraram J.D. Baldwin & J.I. Baldwin (1997), os homens são mais interessados no sexo do que as mulheres.
Estas diferenças de género no que respeita ao papel da pornografia na excitação sexual revelam que a indústria pornográfica é uma indústria feita por homens para homens e, neste aspecto, os homens heterossexuais não diferenciam-se dos homens homossexuais e as mulheres heterossexuais, das lésbicas. De facto, as revistas lésbicas exibem pouco ou nenhum material sexual.
Se levarmos em conta exclusivamente os filmes pornográficos gay, verificamos facilmente que, desde os anos 60 até hoje, o seu conteúdo revela a acentuação de características hipermasculinas, manifestas desde logo nos títulos. Os traços efeminados ou andróginos foram eliminados com o decorrer do tempo e até mesmo os actores são extremamente musculados e bem dotados, mesmo os que desempenham papéis sexuais passivos. Este último aspecto choca alguns efeminados, porquanto dificulta a sua identificação com esses actores, embora as características hipermasculinas dos activos os excitem sexualmente. Apesar das diferenças de gosto, os homens homossexuais, independentemente das preferências sexuais, enquadram-se perfeitamente no padrão masculino que partilham com os homens heterossexuais (Janssen et al., 2003, Karama et al., 2002) e as lésbicas também não se diferenciam muito das mulheres heterossexuais. Contudo, os homossexuais efeminados tendem a identificar-se mais com os actores que exibem os seus comportamentos sexuais e colocar-se no seu papel, de modo a desfrutar imaginariamente os actores activos, tal como fazem as mulheres heterossexuais (Janssen et al., 2003).
Das sexualidades alternativas a mais referida é a prostituição masculina (1º), claramente um estilo de vida de determinados tipos de machos homossexuais, a que se segue o sadomasoquismo (2º), o exibicionismo, voyeurismo e fetichismo sexual (3º), a homossexualidade feminina (4º), a pederastia e pedofilia (5º), o travestismo, transgénero e transexualismo (6º), o sexo em grupo (7º), o oportunismo (8º), a urologia e escatologia (9º), a heterossexualidade (10º), a pornografia gay (11º), a bissexualidade (12º), a zoofilia (13º) e, finalmente, o sexo com velhos (14º). (Resumo muito esquemático de uma secção da minha tese de doutoramento em ciências biomédicas.)
J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

E. A. disse...

Boa noite,

Seguia o seu menu de textos, e diante de título sugestivo parei e li. E daqui se segue a minha observação/indignação:

"os homens são mais interessados no sexo do que as mulheres"

Aqui entende sexo como coito, pressuponho. Mas a expressão da sexualidade é muito mais que isso! Daí que as mulheres sejam imensamente sexuais, mas não se ocupam e preocupam apenas com a sua genitália, como os homens.

Os homens são muito mais básicos e animalescos, daí que gostem tanto de ver pessoas a fornicar (filmes pornográficos), porque o sentido da visão é excitado, dá-se uma estimulação directa; ao passo que as mulheres são mais auditivas e imaginativas (por isso gostam de ouvir histórias) - são mais refinadas e não por isso menos sexuais.

O Francisco não gostou da outra vez da palavra misoginia, mas penso nela de cada vez que faz asserções desse género. Ou então, conhece mal as mulheres. Além disso, não se pode esquecer que a revolução sexual (para as mulheres) tem muito pouco tempo. É meu desejo que sejam cada vez mais saudáveis sexualmente e que talvez daqui a 50 anos semelhantes testes e análises contradigam tal erroneidade.

p.s.: sexo com velhos é gerofilia. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Compreendo a sua indignação, mas estes são resultados empíricos comprovados por diversas amostras estudadas e de estudos interculturais.
Mas é provável que as coisas possam mudar. Por exemplo, em relação aos graffitis de Wcs, os meus estudos mostram diferenças de género, mas estudos brasileiros e americanos mostram que as mulheres também usam as paredes para escrever pequenas mensagens.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, o sex drive dos homens é maior do que o das mulheres. Baumeister mostrou-o, fazendo uma meta-análise de centenas de estudos. a teoria que elabora é deveras interessante. Talvez um dia destes a exponha aqui. Mas o que diz não desmente os estudos referidos, no que diz respeito aos materiais pornográficos. Não há misogenia, porque os resultados foram obtidos com amostras de mulheres de ambas as orientações confrontadas com as amostras de homens de ambas as orientações.
Já não vejo bem as letras, tal é o sono.
abraço