terça-feira, 27 de novembro de 2007

Prós e Contras: O Trabalho

O meu post anterior era uma provocação dirigida ao programa «Prós e Contras» dedicado ao trabalho (26 de Novembro de 2007) que ainda está a decorrer. Tinha a ideia de desconstruir as concepções que foram e continuam a ser expostas, de resto muito pouco discutidas. Mas mudei de objectivo, preferindo ser mais positivo ou, como se diz, mais «optimista». Por isso, vou alinhavar alguns pontos da discussão, dando-lhes um rosto, sem deixar transparecer as minhas análises psicológicas e políticas das pessoas envolvidas. Contudo, sem o pretender intencionalmente, já tomei uma posição crítica, tal é o meu hábito de usar a «negação determinada», isto é, o «procedimento» crítico inventado por Hegel e levado ao extremo da perfeição por Adorno.
O engenheiro que falou da "qualificação e inovação" lançou algumas provocações, começando por dizer que se tinha perdido duas horas do programa a debater aquilo que todos sabem: o "diagnóstico". Logo a seguir, afirma que o problema não diz respeito ao "capital" e ao "trabalho", mas envolve a sua própria classe profissional: os técnicos e os engenheiros, embora depois tenha sido obrigado a reconhecer que a "economia do conhecimento" não dá empregos e não resolve todos os problemas do trabalho, da segurança e do crescimento económico. Se excluirmos a emoção tipicamente portuguesa, até podemos estar de acordo no que se refere à qualificação e requalificação dos trabalhadores e dos empresários, como lembrou Vítor Ramalho, mas será que o engenheiro dos computadores é a pessoas mais indicada para elaborar políticas? A mentalidade de engenheiro é extremamente instrumental e um dos problemas que deveria ter sido debatido é precisamente a racionalidade instrumental e o seu impacto negativo sobre a sociedade, o homem, a vida e a natureza. Os conhecimentos técnicos são necessários para modernizar muitas empresas, tradicionais e as novas empresas tecnológicas, mas não lhes compete (aos técnicos) elaborar as orientações políticas e, muito menos, culturais e civilizacionais da nação e da Europa.
Com esta indicação, vamos ao encontro da "profundidade" exigida por Vítor Ramalho: a economia não é um fim, mas um meio da política, isto é, a economia deve estar subordinada à política. As decisões são políticas e são elas que devem ser objecto da discussão pública. Aliás, devemos ir mais longe e dizer que é necessário libertar a política dos constrangimentos ideológicos dos conhecimentos técnicos e adaptativos de todo o género, incluindo as ciências económicas, administrativas, empresariais, etc. Estes conhecimentos são instrumentos usados pela ideologia dominante, precisamente a que está ligada ao poder económico e financeiro, para apresentar a situação como incontornável: a "crise permanente" (Carvalho da Silva) que amedronta as pessoas, sujeitando-as à "fatalidade" de estarem sempre confrontadas com a mera subsistência e sobrevivência e, por conseguinte, anulando-as como "animais humanos", com interesses que possam transcender a garantia sempre precária do seu mero metabolismo. É certo que a gestão corrente de um Estado moderno exige estes conhecimentos técnico-burocráticos, mas não compete aos seus portadores ditarem orientações de fundo, fazendo-as passar como se fossem políticas. Este aspecto da actual governação dos Estados europeus está a destruir a própria política.
Por isso, a aposta na formação e requalificação, isto é, o plano tecnológico, levada a cabo pelo governo socialista de José Sócrates, não pode ser reduzido à sua dimensão estritamente tecnológica, economicista e profissional. Sem uma visão política autónoma, assente na tradição ocidental e na sua cultura superior, o plano tecnológico é cego e pode negar a vida a gerações de pessoas que, segundo o seu "fatalismo" subjacente, tiveram o azar de nascer muito antes da globalização, de resto reduzida à sua dimensão económica e financeira, enfaticamente caracterizada por António Saraiva como a "voracidade dos tempos globais". É função da política esclarecida, sobretudo da política socialista, fazer justiça e dignificar a vida, protegendo-a destes "assaltos metabólicos e gordos de mau colesterol" que não olham a meios para alcançar fins pouco honestos e éticos, portanto, pouco racionais, colocando o mundo em perigo.
No plano do conhecimento, há uma hierarquia que deve ser conservada, porque foi ela que configurou e deu continuidade à aventura ocidental: A filosofia é a matriz da nossa civilização e cabe-lhe a ela orientar os seus destinos. Até a política deve ser sua «escrava». Quem não entende esta evidência histórica, não merece respirar o ar que respira. E, nesse caso, quando o inimigo teima em levar a sua avante, não podemos descartar a hipótese de uma "ditadura pedagógica" (Platão, Marcuse). A justiça é um bem comum, pertence a todos e não a uns poucos, e ela está em perigo quando a democracia é usada para camuflar uma oligarquia cleptocrática, cujo eixo circula através dos economistas, dos advogados e dos engenheiros: a nova classe dirigente. (De resto, todos os "factores" são importantes e todos eles devem ser levados em conta. de modo a salvaguardar a liberdade, a justiça e a fraternidade.)
J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

E. A. disse...

É sempre interessante lê-lo, sobretudo quando expressa a sua cidadania. Mas, gostaria de perceber duas coisas: quando fala do "inimigo" em tom belicista, representado pelo engenheiro e o economista, quem é o "nós"? Porque, de facto, não vejo alta cultura em Portugal. As Universidades, onde ela deveria viver, são antros onde a filosofia (entendida, primordialmente, como actividade de questionamento e reflexão dos valores estabelecidos) perece aflitivamente - salvo raríssimos intentos. Em segundo lugar, diante disto, a "ditadura pedagógica" é uma metáfora? E se sim, representa o quê?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Infelizmente, todos sabemos que a filosofia está mal entregue ou em más mãos em Portugal. Apesar disso, a Filosofia existe e sabemos onde ela está e qual o seu papel na configuração da nossa cultura e nas suas relações com a política. É essa Filosofia que estou decidido a introduzir em Portugal. A Internet é um meio que uso para chamar a atenção para a necessidade de introduzir a Filosofia no pensamento português. Espero que as pessoas acordem e resolvam colaborar nesta tarefa.
O "nós" refere-se a "nós filósofos, cientistas ou agentes culturais e artísticos" ou aos "socialistas e sociais-democratas" ou "cidadãos portugueses" ou simplesmente "humanos". Depende do contexto em que é usado.
O engenheiro ou economicista são profissões que aqui uso para referir tipos, aqueles que nos governam, sem uma visão de futuro e sem parar para reflectir sobre os nossos destinos.
A ditadura pedagógica é mais um "desejo": se as coisas não mudarem qualitativamente, a ditadura é sempre algo que está no horizonte, como sucedeu no Chile. Contudo, a "ditadura" pedagógica não é incompatível com a democracia; pelo contrário, visa salvaguardá-la.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A teoria crítica que protagonizo em Portugal e em Língua Portuguesa carece de agentes sociais capazes de levar a cabo a sua missão histórica. Daí o "nós"..., na esperança de «seduzir» as pessoas, levando-as a assumir a sua responsabilidade na governação dos nossos destinos.
Cumprimentos