sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Bissexualidade Masculina Desmentida

Embora a existência de comportamentos bissexuais masculinos não possa ser desmentida, falta saber se estes comportamentos são motivados por forte excitação e atracção sexuais por ambos os sexos.
Krafft-Ebing (1886) já tinha sugerido que a maioria dos seus casos clínicos de homens com actividade bissexual tinha sexo com mulheres por causa das pressões sociais, porque, na realidade, esses homens tinham atracção sexual exclusivamente ou quase exclusivamente por outros homens. Eram, portanto, pseudo-heterossexuais, no nossa terminologia. Hirschfeld (1914/2001) conjecturou que a maioria dos homens que se auto-designavam como bissexuais eram ou homossexuais (pseudo-heterossexuais) ou heterossexuais (pseudo-homossexuais) e que os homens com atracções bissexuais substanciais eram muito raros.
Um dos pioneiros da medição da excitação genital masculina, Freund (1974), afirmou que, depois de avaliar a excitação genital em centenas de homens, nunca encontrou evidência convincente da existência de padrões de excitação bissexual. Daqui que a existência de dupla atracção (Weinberg, Williams & Pryor, 1994) e de excitação bissexual seja muito controversa e pouco compreendida (Fox, 2000; MacDonald, 2000; Zinik, 2000).
As nossas observações de campo mostraram que a maioria dos homens que exibem comportamentos bissexuais são predominantemente homossexuais. Por isso, foram classificados como pseudo-heterossexuais, porque muitíssimos são casados heterossexualmente e têm filhos, e incluídos no subtipo de homossexuais-encobertos, porque têm regularmente relações homossexuais, mas nem sempre desempenhando o papel activo, como supõe Cardoso (2005). Existem homens bissexuais completamente passivos que, no momento certo, «deixam os efeminados à beira de um ataque de nervos», mas no geral tendem a ser mais activos e, no meio electrónico, bissexual significa "homem casado heterossexualmente".
Embora menos significativa, a existência de pseudo-homossexuais não pode ser excluída, conforme detectada pelos estudos dos comportamentos sexuais nas prisões (Alarid, 2000). Num meio exclusivamente masculino e fechado como as prisões e instituições similares, o aspecto e as preferências sexuais desempenham um papel fundamental na determinação de «quem faz o quê a quem». Como seria de esperar, os homens heterossexuais preferem parceiros com aspecto feminino e bonitos (Rideau & Sinclair, 1982; Wooden & Parker, 1982) e, por isso, não é surpreendente que assediem e forcem os homossexuais e bissexuais ou os mais novos a fazerem sexo com eles, em troca de protecção.
Os homens efeminados não são considerados desejáveis pelos homens auto-identificados como gay (Wooden & Parker, 1982). Price (1984), Rideau & Sinclair (1982) e Wooden & Parker (1982) explicaram esta tendência dos homens heterossexuais envolvidos em actividades homossexuais de preferirem parceiros sexuais «femininos» através da sua necessidade de afirmarem e sustentarem a sua própria masculinidade. No entanto, não sugeriram que os homens gay têm também necessidade de afirmarem a sua própria feminilidade, no caso de serem efeminados, ou masculinidade, no caso de serem masculinizados. Estes estudos revelam muitas inconsistências devido ao facto de não diferenciarem as sexualidades de género masculino e de não terem em conta que, na comunidade gay, os homossexuais procuram parceiros cujas preferências sexuais sejam compatíveis com as suas. O papel sexual preferido condiciona fortemente todas as outras preferências do sujeito.
Estes homens heterossexuais que, nas prisões, fazem sexo com outros homens enquadram-se na categoria dos pseudo-homossexuais, e os seus comportamentos homossexuais são muitas vezes designados como «actividades de recurso na ausência de mulheres». No entanto, os que falam de "homossexualidade situacional" esquecem que, até mesmo numa prisão, essas actividades podem ocorrer com forte envolvimento afectivo e que esses homens, bem como os jovens prostitutos masculinos, são capazes de reagir eroticamente a estímulos masculinos, com fortes erecções e abundante troca de carícias e beijos. Como demonstrou Alarid (2000), os homens bissexuais que preferem predominantemente mulheres e são sexualmente activos sentem-se menos seguros e mais pressionados pelos outros para fazerem sexo.
Estas observações exigem que se dê mais atenção aos "comportamentos homosociais" e que se estude o seu papel ao longo da evolução humana, porquanto parecem apontar para um novo conceito de sexualidade de género masculino. Ao longo do tempo, verificámos que muitos prostitutos masculinos supostamente heterossexuais que fazem sexo com homens em troca de dinheiro começaram a fazer sexo grátis com homens que consideravam atractivos e, mesmo que se casassem mais tarde ou já fossem casados, não deixam de ter sexo com outros homens.
Três estudos confirmam a nossa suspeita de que não existe um padrão especificamente bissexual. Chivers, Rieger, Latty & Bailey (2004) descobriram que a excitação sexual é uma categoria especificamente masculina: os homens heterossexuais são mais excitáveis por estímulos sexuais femininos do que por estímulos sexuais masculinos, enquanto os homens homossexuais exibem o padrão oposto. As mulheres heterossexuais e homossexuais experimentam uma elevada excitação genital por estímulos sexuais femininos e masculinos e os transexuais exibem um padrão similar ao masculino. Estes resultados sugerem que os padrões de excitação sexual desempenham papéis fundamentalmente diferentes na sexualidade masculina e feminina.
Lippa (2006) confirmou estes resultados, mostrando que a maioria das mulheres revela elevado «sex drive» associado com o aumento de atracção sexual por ambos os géneros. De modo diverso, a maioria dos homens mostra elevado «sex drive» associado somente a um ou a outro sexo, em função da orientação sexual do indivíduo. Daqui parece resultar a ideia de que as correlações entre «sex drive» e a organização da orientação sexual são diferentes nos homens e nas mulheres. A sexualidade feminina é muitíssimo mais fluída e maleável do que a sexualidade masculina (Baumeister, 2000; Diamond, 2000).
O estudo de Rieger, Chivers & Bailey (2005) descobriu que os homens bissexuais não exibem elevada excitação sexual por estímulos sexuais masculinos e femininos: uns exibem um padrão homossexual, outros, um padrão heterossexual de excitação genital. Mas, como a sua excitação sexual subjectiva está em conformidade com um padrão bissexual, Rieger, Chivers & Bailey (2005) concluem que a bissexualidade masculina parece representar mais um "estilo de interpretação" ou de "auto-relato" de excitação sexual do que um padrão distinto ou diferente de excitação genital sexual. (Estes dados foram posteriormente confirmados num outro estudo de ressonância magnética funcional.)
Estes estudos apontam para o carácter bimodal e rígido da orientação sexual masculina e destacam aquilo a que chamamos o "mecanismo configurador de estímulos eroticamente excitantes", subjacente à determinação da orientação sexual. A tentativa de Weinberg, Williams & Pryor (1994) de elaborar o conceito de "bissexualidade como dupla atracção", capaz de transcender o «esquema tradicional do sexo», carece de fundamento biológico. A classificação dos bissexuais como terceira categoria sexual e supostamente activos na preferência pelo papel sexual dificulta mais do que clarifica o estudo científico da orientação sexual. (Este estudo-resumo já tinha sido editado no meu blogue "CyberPhilosophy" com o título A BISSEXUALIDADE EM QUESTÃO).
Anexo: Uma questão que me colocam frequentemente é a de saber se os homens que se identificam como heterossexuais e que, no entanto, fazem sexo com outros homens, são ou não são bissexuais. É difícil responder a esta questão... A "resposta gay mais corrente" é a seguinte: «Sabes que depois de se beijar um homem, descobre-se que não há melhor, apesar do papa dizer que é pecado». Isto foi-me dito literalmente por um enfermeiro que, apesar de namorar com uma rapariga, fazia regularmente sexo com outros homens e identificava-se intimamente como gay. No entanto, tenho constatado a existência genuína de homens heterossexuais que fazem ocasionalmente sexo com outros homens. Identificam-se como heterossexuais e alguns são ou preferem ser passivos numa relação homossexual. É difícil explicar este comportamento numa perspectiva biológica, mas talvez esteja relacionado com alguns traços narcisistas exibidos por esses indivíduos. (Porém reconduzo para este post que publiquei no meu blogue "NeuroFilosofia", Estruturas Cognitivas e Moderna Ideologia Gay.)
J Francisco Saraiva de Sousa

9 comentários:

E. A. disse...

Concordo perfeitamente. A sexualidade masculina é dual e a sexualidade feminina múltipla; como Deleuze diz, noutro tipo de análise.
As mulheres, são acima de tudo, seres que amam, e como tal, podem projectar o seu amor em objectos vários, sem categorias, nem classes.

Outra nota que relevo: aquele "quem é que faz o quê a quem" era o que interessava para os Antigos; n havia categorias de homo/hetero/bi.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto: essas designações são relativamente recentes! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Feliz aniversário! :))))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aguardo um comentário de BlueGift! :)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

BlueGift

Os homens autointitulados bissexuais reagiram com erecção ora a estímulos eróticos femininos ora a estímulos masculinos, não reagiram com a mesma erecção a ambos os estímulos. Isso acontece mais com as mulheres, seja hetero ou bissexuais. A falometria não engana. A escala de Kinsey é um artifício, embora possa ser usada, mas mesmo quando usada fala-se em hetero, homo ou bissexuais.
Outro modelo que confirma estes resultados é o dos transexuais.
A sexualidade de género feminina é mais maleável que a de género masculino. O contrário é falso... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Falometria e pupilometria, além da ressonância magnética funcional. Kinsey mostra diferenças de género na excitação sexual.
As construções sociais não inventaram as diferenças sexuais; procuram regulá-las e contorná-las de algum modo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O "ora... ora" é "ou... ou": quer dizer que os homens autodesignados bissexuais reagiram com erecção ou a estímulos femininos (heterossexuais na preferência) ou a estímulos masculinos (homossexuais na preferência). Se fossem verdadeiramente bissexuais, deviam ter mostrado um padrão específico, portanto, bissexual.
As mulheres reagem mais a estímulos de ambos os sexos.
E neste post refiro outras características sexuais que diferenciam os homens das mulheres e os homens entre si em função da orientação sexual. Os estudos referidos são recentes, como se verifica pelas "datas". :)

E. A. disse...

Hmmmm... por acaso, n concordo com a Bluegift. Acho que este estudo confirma aquilo que sempre se soube intuitivamente: que a mulher é mais complexa sexualmente que o homem, pois a sua expressão afectivo-sexual não é subsumível ao pensamento categórico masculino. É "amar, amar perdidamente"! :)

O relatório de Kinsey é interessante, mas n explica muita coisa. Porque se eu for 60% homo e 40% hetero, por exemplo, faz de mim o quê? Uma pseudo-bi, uma pseudo-homo ou uma pseudo-hetero? E esta designação tem validade por quanto tempo? Uma fracção de segundo! É um artifício (pouco científico), como diz o F. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O próprio Kinsey não aplicou a escala dele! Não há % disto ou daquilo! Amar perdidamente... :)