sábado, 20 de setembro de 2008

Oswald Spengler: A Profecia da Decadência do Ocidente

«Uma cultura nasce no momento em que uma grande alma despertar do seu estado primitivo e se surpreender do eterno infantilismo humano; quando uma forma surgir no seio do informe; quando algo limitado, transitório, se originar no ilimitado, contínuo. Floresce então no solo de uma paisagem perfeitamente restrita, ao qual se apega, qual planta. Uma cultura morre, quando essa alma tiver realizado a soma das suas possibilidades, sob a forma de povos, línguas, dogmas, artes, Estados, ciências, e, em seguida, retorna a espiritualidade primordial. (...) Alcançando o destino, realizada a ideia, a totalidade das múltiplas possibilidades intrínsecas, com a sua projecção para fora, fossiliza-se repentinamente a cultura. Definha-se. O seu sangue coagula. O seu vigor diminui. Ela transforma-se em civilização." (Oswald Spengler)
Fechado no seu espírito reduzido, dominado por um pobre positivismo factual, Alexandre Herculano condenou a filosofia da história, expressão forjada por Voltaire (1765), alegando que se trata de uma generalização do erróneo ou do incerto a partir de factos diversos ou mesmos contrários: "A poesia onde não cabe, a poesia na ciência é absurda". Com esta recusa da filosofia da história, Herculano correu o risco de chegar ao fim da sua vida sem ter compreendido absolutamente nada do nosso "destino terrestre": omne agens agit propter finem (os actos humanos têm um fim, podendo o fim ser visto ou como efeito realizado, finis in re, ou como finalidade e intenção, finis in intentione). Karl Löwith viu o progresso como resultado de uma secularização da esperança bíblica na futura transfiguração do cosmos e da humanidade, aquando da consumação dos séculos: "A filosofia da história inicia-se com a fé hebraica e cristã numa realização e termina com a secularização do seu esquema escatológico". A ideia de progresso "é tão cristã por derivação como é anticristã por implicação e manifestamente alheia ao pensamento dos antigos". Porém, como mostrou Robert Nisbet, a ideia de progresso é mais do que um idolum saeculi, no sentido de substituir a fé na Providência pelo progresso encarado como a "mão invisível" (Adam Smith) ou a "astúcia da razão" (Hegel) que orienta o desenvolvimento da humanidade, porque foi usada para dirigir e impulsionar toda a civilização ocidental desde as suas origens mais remotas, em especial no mundo antigo, até aos nossos dias. "A ideia de progresso humano é, como diz Bury, uma teoria que contém uma síntese do passado e uma profecia do futuro", fundada numa interpretação da história que visualiza o homem a caminhar lentamente, pedetentim progredientes, numa direcção definida e desejável, de resto uma concepção inseparável da noção de que o tempo flui de modo linear, como uma flecha em direcção sempre ascendente, desde um passado primitivo ou bárbaro remoto até à realização de uma sociedade perfeita e feliz no futuro. Se saber é pecar ou, pelo menos, lançar as sementes do pecado, como já ensinava a narração javista da Criação ou o mito da Caixa de Pandora, então a história do ocidente pode ser vista como o desejo irreprimível consumado de conhecer o conteúdo da caixa que, por ordem divina, não deveria ter sido aberta. O resultado da violação da proibição divina foi, como mostrou Robert Nisbet, a libertação de diversos males que têm afligido a humanidade, a nossa teodiceia, mas também a fomentação da criatividade nos mais diversos domínios da cultura e da sociedade humanas e a estimulação da esperança e da confiança da humanidade e dos indivíduos na possibilidade de mudar e melhorar o mundo.
Hoje em dia o progresso é uma ideia desacreditada, devido em grande parte à crítica demolidora que lhe foi dirigida por Tocqueville, Burckhardt, Schopenhauer, Nietzsche, Kierkegaard, Max Weber, Georges Sorel, Henry & Brooks Adams, John Bury, W.R. Inge, Austin Freeman, Oswald Spengler, Frederick Teggart, e Aldous Huxley. A negação total da ideia de progresso, segundo a qual o progresso integral da humanidade nas suas relações com a evolução global do cosmos resulta de uma necessidade intrínseca do próprio processo histórico que caminha em direcção a um fim imanente da história, implica necessariamente a rejeição das suas cinco premissas primordiais: 1) a fé no valor do passado, 2) a convicção de que a civilização ocidental é nobre e superior às outras, 3) a aceitação do crescimento económico e dos avanços tecnológicos, 4) a fé na razão e no conhecimento científico e filosófico que nasce da confiança na racionalidade, e 5) a fé na importância intrínseca ou no valor inefável da vida no cosmos. Isto significa que, num mundo que deixou de confiar no progresso e de ter esperança, as pessoas tendem a renegar o passado e a tradição (1), a deslocar ou relativizar o Ocidente (2), a atacar ou recusar o crescimento económico (3), a recusar ou a degradar o conhecimento e a sabedoria (4), e a entregar-se ao sudário do tédio e do aborrecimento. Perante a renegação da tradição, a perda de terreno do Ocidente em relação a culturas que nos são profundamente estranhas, o deslocamento do centro civilizacional, a degradação do saber e o sudário do tédio, qualquer homem ocidental que ainda não desistiu da sua cultura é forçado a rever positivamente o conceito filosófico de progresso, de modo a contribuir para a transformação do mundo que, neste contexto de eclipse civilizacional e de catástrofe, exige a tarefa de revitalização do orgulho ocidental. Pelo menos, é assim que encaro a minha tarefa: zelar pela continuidade da civilização ocidental, sempre pronto a pegar nas armas e recorrer à violência restauradora. Por isso, para cumprir esta tarefa, torna-se necessário rememorar todos os mestres e erguer as suas vozes contra a corrupção e a degenerescência instaladas nas esferas do poder ocidental. O objectivo é impedir o cumprimento da profecia de Spengler, a decadência do Ocidente "nos séculos (ou décadas) iniciais" do nosso milénio, retomando o seu apelo aos "Anos de Decisão" que estranhamente são os anos que vivemos: anos de crise histórica derradeira.
Em 1918, Oswald Spengler publicou a sua obra A Decadência do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes), onde elabora uma teoria cíclica das culturas e das civilizações, através de uma crítica radical da ideia de progresso. Embora uma parte significativa dos intelectuais ocidentais estivesse na altura voltada para a suposta visão progressista de Kant, Hegel e Marx, a sagrada trilogia astral da Filosofia, a obra de Spengler teve um grande impacto nos meios intelectuais ou mesmo políticos. Contra todos aqueles que se entregavam ao curso imanente do processo histórico, como se este por si só conduzisse ao reino da felicidade futura, Spengler procura mostrar "o sentido de todas as decadências na História, da conclusão íntima e externa, do acabamento que inevitavelmente aguarda qualquer cultura viva". A sua filosofia da história revela o sentido, não o sentido da realização de um futuro risonho, mas o sentido da decadência e da finitude radical das culturas, que, tal como os organismos vivos, nascem, crescem e morrem. Onde os outros descobriam sinais de progresso, Spengler revela sinais de decadência: a consumação do destino das culturas vivas. Os prognósticos da decadência histórica da civilização ocidental feitos por Spengler são hoje demasiado evidentes, tais como a degradação cultural e cognitiva, a emergência das massas, a ruptura das instituições políticas, a degradação dos partidos políticos, a conversão da política em jornalismo e publicidade, a aparição de despotismos militares, a identificação entre a democracia e a plutocracia, a ditadura do dinheiro e a corrupção, enfim um período de declínio em que "o intelecto pensa (e) o dinheiro dirige", mas, antes de os analisar, convém explicitar as linhas gerais da filosofia da história de Spengler, que, fundada numa sólida filosofia da vida, sangue, raça e terra pátria, pretende realizar a "tarefa de predizer a História", algo a que Karl Popper na sua extrema ignorância, eivada do ódio típico de um professor primário invejoso, chamou historicismo, quando na verdade o conceito de "ciência" que opera nesta filosofia é o de Goethe: "Não procuramos nada atrás dos fenómenos! Eles mesmos são a teoria".
Spengler leva a cabo, "pela primeira vez", a "tarefa de predizer a História", isto é, de "visionar o destino de uma cultura, por sinal da única no nosso planeta a ter alcançado a sua plenitude, a saber, a cultura da Europa ocidental e das Américas", com o objectivo de "predefinir o curso que a sua evolução tomará nas fases futuras". No entanto, esta tarefa converte-se numa nova filosofia: a "filosofia do futuro", que procura, num "solo metafisicamente exausto", apreender "as possibilidades que ainda restam ao espírito ocidental-europeu nas suas próximas fases". Encarada como filosofia do futuro, a tarefa filosófica de Spengler "assume então a forma da ideia de uma morfologia da História Universal, do Cosmos como História, em oposição à morfologia da Natureza, a qual foi até hoje, com raras excepções, o tema exclusivo da Filosofia": "Todas as maneiras de concebermos o mundo podem, em última análise, ser qualificadas de morfologia. A morfologia do mecânico e do extenso (espaço), a ciência que descobre e ordena as leis naturais e os nexos causais, chama-se sistemática. A morfologia do orgânico, da história e da vida (tempo), de tudo quanto estiver dotado de direcção e de destino, chama-se fisiognomonia." O objectivo da fisiognomonia histórica é compreender "todas as figuras e todos os movimentos do mundo, coordenando-os, não num panorama das coisas conhecidas, mas num quadro da vida, não do que se produziu, mas do próprio processo de produzir-se". Neste momento, após ter negado o sentido histórico aos gregos e aos indianos, abusivamente em relação aos primeiros que iniciam a civilização ocidental, Spengler introduz uma diferença entre o sistema ptolemaico da História e o sistema copernicano da História, com o objectivo de pôr termo à visão eurocentrista, onde as outras culturas giram em torno de nós, homens dotados de sentido histórico, e da nossa cultura faustiana perspectivada como o centro de todas as ocorrências universais, colocando a Antiguidade Clássica e a cultura ocidental ao lado da Índia, da Babilónia, da China, do Egipto, das culturas Árabe e Mexicana, "sem ocuparem em absoluto nenhuma posição privilegiada". A negação da "Humanidade" como origem, sujeito e fim da História, reduzida a um "conceito zoológico" ou a mera "palavra vazia", conduz Spengler ao relativismo histórico, o momento irracional da sua filosofia da história, denunciado por Lukács, criando um apuro desnecessário na sua concepção da história que sempre que fala revela a superioridade da cultura ocidental. Isto significa que a concepção da história de Spengler parasita a ideia de progresso que pretende exorcizar: abdica da ideia de Humanidade, mas, para fazer "desaparecer esse (conceito) fantasma" do círculo de problemas relacionados às formas históricas, precisa conservar a ideia de História Universal. Portanto, "em lugar da monótona imagem de uma História Universal rectilínea", Spengler depara-se com "o espectáculo de múltiplas culturas poderosas, a brotarem com cósmico vigor do seio de uma região maternal, à qual todas elas permanecem rigorosamente ligadas durante todo o curso da sua existência".
Para Spengler, cada cultura imprime à sua matéria, o espírito humano, a sua forma peculiar, e as suas próprias possibilidades de expressão manifestam-se, amadurecem, definham e nunca mais ressuscitam. As culturas são seres vivos de ordem superior e criam-se numa sublime ausência de propósitos: "As culturas são organismos". Natureza e História constituem dois tipos extremos de concepção do cosmos: "A lei e a forma são os dois elementos básicos de toda a construção do Universo. A História é a forma natural, primitiva, do mundo, ao passo que a Natureza, no sentido de um mecanismo universal aperfeiçoado, é uma forma posterior, artificial, que somente o homem das culturas amadurecidas pôde realizar". A História Universal situa-se para além do terreno da causa e do efeito, da lei e da medida, e, como devir irreversível no cumprimento do seu destino, mais não é do que "a imagem de uma eterna formação e transformação, de um maravilhoso desenvolvimento e ocaso de formas orgânicas". O método naturalista usado por Goethe é o único método histórico: a sua "natureza viva" corresponde àquilo que Spengler chama História Universal. A concepção copernicana da História opõe, ao mundo como mecanismo elaborado pela ciência mecanicista e matemática, o conceito de mundo como organismo. Na primeira imagem a-histórica do mundo, a de Newton, predominam as ideias correlatas de natureza morta e de lei, enquanto na segunda imagem do mundo, sobressaem as ideias de natureza viva e de forma. O naturalismo de Goethe procurava apresentar a configuração em devir, a forma plasmada na matéria orgânica que, vivendo, evolui. Spengler retoma esta imagem da natureza viva e aplica-a ao mundo das formas históricas: o seu objectivo é explanar a linguagem das formas da história humana, a sua estrutura periódica e a sua lógica orgânica, a partir da base da multiplicidade de pormenores perceptíveis. Assim, termos tais como juventude, crescimento, florescência ou declínio, usados até então para exprimir estimações subjectivas e interesses particulares, passam a ser utilizados como "designações objectivas de estados orgânicos". Colocando as diversas culturas ao lado umas das outras, Spengler procura "o que há de típico nos (seus) instáveis destinos (ou) o que existe de necessário na incoercível abundância de acontecimentos casuais". Fazendo definhar as formas das culturas, Spengler descobre a "protoforma" ou arquiforma da cultura que constitui o protofenómeno de toda a História Universal: o quadro natural que obtém da História Universal como manifestação do devir em toda a sua pureza, mediante este "método de sentir e não de analisar", só é válido para os homens ocidentais. (CONTINUA com o título "Oswald Spengler: Sinais de Decadência")
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Amigos

Como já tinha dito no post anterior, vou retomar outra via que possibilita (penso) reconciliar os mestres numa síntese que exige a violência restauradora. O progresso torna-se sinónimo do triunfo radical desde que os homens deixam de ter esperança e de lutar pelo salto qualitativo radical: a restituição do mundo é a salvação do Ocidente.

Se for necessário, irei recorrer a uma teoria do mal radical que, de resto, não é incompatível com a utopia concreta de Bloch. Abdicar da acção restauradora é deixar o mundo entregue ao mal. Em suma, é possível uma teoria positiva do progresso e da racionalidade.

Khan Oliveira disse...

Mais uma punhetação semi-religiosa de quem acha que um bando de tribo de LADRÕES bárbaros pode ser chamado de "civilização".
Tiveram apenas 2 séculos de fama, que só foi possível roubando o mundo todo(não apenas material mas intelectualmente também), mas que foram suficientes para criar fantasias supremacistas.
O que estamos vendo não é o declínio do "ocidente(um termo que esta sendo usado de forma errônea)", mas apenas a volta de seu estado natural. Ou talvez nem isso, já que o estado natural do que muitos chamam de "ocidente", na verdade não é nada mais do que um terreno baldio de tribos nômades e primitivas, que desde o inicio só ganharam voz a base de furtos e apropriação de civilizações em decadência.