domingo, 7 de setembro de 2008

Walter Benjamin: Progresso e Pobreza de Experiência

«Uma miséria totalmente nova abateu-se sobre o homem com esse desenvolvimento monstruoso da técnica. (...) A nossa pobreza de experiência mais não é do que uma parte da grande pobreza que ganhou novamente um rosto, tão nítido e exacto como o do mendigo medieval. Qual o valor de todo o nosso património cultural (e da riqueza sufocante de ideias) quando a experiência já não o vincula a nós? (A nossa) pobreza de experiências não é uma pobreza particular, mas uma pobreza de toda a humanidade. Trata-se de uma espécie de nova barbárie.» (Walter Benjamin, Experiência e Pobreza, 1933)
A ideia de que a modernidade produz uma degradação, declínio, pobreza ou perda da experiência aparece muito cedo nos ensaios de Benjamin, tendo sido abordada de maneira oscilante em função da conjuntura política, mas sempre no âmbito de uma reflexão fundamental e radical da modernidade que toma forma consumada nos ensaios sobre Baudelaire, nas Teses sobre a Filosofia da História e n' O Livro das Passagens. Neste último livro, o processo de depauperação ou empobrecimento (Verkümmerung) da experiência está ligado estruturalmente ao advento da manufactura e da produção capitalista de mercadorias e assume a sua configuração mais terrível com a emergência das indústrias modernas. A análise deste processo de empobrecimento da "experiência inóspita e cegante da época da grande indústria" apoia-se na obra de Karl Marx, O Capital. De facto, Marx mostrou que, no trabalho manual, "a ligação entre as várias etapas da produção é contínua" e que "o operário fabril na linha de montagem experiencia essa ligação como autónoma e coisificada. A peça que lhe cabe surge no raio da acção do operário independentemente da sua vontade. E desaparece do seu controle da mesma forma arbitrária. «Toda a produção capitalista», escreve Marx, «tem em comum o facto de não ser o operário a usar as condições de trabalho, mas as condições de trabalho a usá-lo a ele, mas só com a maquinaria esta inversão adquire uma realidade tecnicamente concreta». No trabalho com a máquina, os operários aprendem a coordenar «o seu próprio movimento com o movimento constante e uniforme de um autómato»" (WB).
A máquina domestica o trabalhador, através do adestramento, obrigando-o a adaptar os seus movimentos corporais aos movimentos constantes e uniformes dos aparelhos ou dispositivos técnicos. Deste modo, o trabalhador perde dignidade, degrada-se como pessoa e o seu trabalho torna-se "refractário a qualquer forma de experiência" e à aprendizagem prática. A perda da experiência implica a transformação dos seres humanos em autómatos ou bonecos mecânicos, aliás muito semelhantes aos ratos submetidos a tarefas de rotina nas caixas de Skinner ou aos cães de Pavlov: os gestos repetitivos, mecânicos e vazios dos trabalhadores, sobretudo dos trabalhadores especializados, reaparecem, como mostra Benjamin, nos gestos automáticos, mecânicos, uniformes, vazios e repetitivos dos transeuntes na multidão solitária das grandes metrópoles descritos por Edgar Poe e E.T.A. Hoffmann. Quer sejam trabalhadores manuais ou "intelectuais", os citadinos comportam-se como seres adaptados à automatização, que só conseguem exprimir-se de forma automática. Perderam a Erfahrung e vivem apenas a Erlebnis e, especialmente, a Chockerlebnis, a vivência do choque, que desencadeia neles um "comportamento reactivo" de bonecos-autómatos que "liquidaram totalmente a sua memória", "a mais épica de todas as faculdades". O autómato é o homem que perdeu toda a experiência e toda a memória ou, como diz Benjamin num ensaio anterior (O Narrador), o homem destituído de "sabedoria" e, por isso, incapaz de "saber narrar a história", de "escutar" e de "dar conselhos". A imprensa, em especial o jornal, é, como observa Benjamin, um dos indícios que revela que os indivíduos se tornaram incapazes de assimilar à sua experiência os "factos exteriores", porque, "se a imprensa se tivesse proposto como objectivo que o leitor incorporasse as suas informações como parte da sua própria experiência, não alcançaria os seus fins. Mas a sua intenção é exactamente a oposta, e por isso ela alcança os seus fins": "isolar os acontecimentos em relação àquele domínio em que poderiam interferir com a experiência do leitor". Segundo Benjamin, a crescente redução da experiência manifesta-se na substituição do "antigo relato" pela "informação" e da informação pela "sensação". Os mass media tradicionais contribuem decisivamente para a degradação da experiência.
A redução da experiência é, em última análise, a destruição da tradição e a tradição significa um "traditum", isto é, qualquer coisa que é transmitida ou trazida para o presente do passado e que qualquer indivíduo transmite na hora da morte. Por isso, Benjamin distingue claramente entre a experiência (Erfahrung) e a experiência vivida (Erlebnis), tal como está plasmada na Lebensphilosophie, de Dilthey a Bergson, passando por Klages e Jung, que procurou apropriar-se da "verdadeira experiência", sem "partir da existência dos indivíduos em sociedade". O resultado dessa tentativa levada a cabo pela filosofia da vida revela-se na noção de durée de Bergson: "A durée, da qual foi apagada a morte, tem a infinitude de má qualidade de um ornamento. Exclui a possibilidade de integrar nela a tradição. É a quinta-essência de uma vivência que se pavoneia com o vestido emprestado pela experiência". Para Benjamin, a experiência constitui um traço cultural enraizado na tradição, enquanto a vivência ou experiência vivida reenvia para a vida particular do indivíduo, na sua inefável preciosidade e na sua solidão. No ensaio sobre Baudelaire, Benjamin afirma que "a experiência é matéria da tradição, na vida colectiva como na vida privada. Constitui-se menos a partir de dados isolados rigorosamente fixados na memória, e mais a partir de dados acumulados, muitas vezes não conscientes, que afluem à memória". Aquilo que os filósofos da vida deixaram escapar foi apreendido por Baudelaire: a evocação da experiência perdida e da "vida anterior". Em Baudelaire, "as correspondências são os dados da rememoração. Não são dados históricos, mas da pré-história. Aquilo que torna grandes e significativos os dias de festa é o encontro com uma vida anterior". O passado murmura nas correspondências de Baudelaire e a sua "experiência canónica tem o seu próprio lugar numa vida anterior", caracterizada pela harmonia, reciprocidade e cumplicidade entre o homem e a natureza. Baudelaire "transformou os dias da rememoração num calendário anual do espírito": os dias de festa rememoram a "Idade de Ouro" que, segundo Benjamin, é a sociedade sem classes, onde o homem vivia num estado de harmonia edénica com a natureza.
Para Benjamin, o vínculo que une a Erfahrung, a teologia e a concepção marxista da História é a rememoração (Eingedenken), a "quinta-essência da concepção teológica da História", a qual se relaciona com duas províncias da experiência perdida: a luta das gerações vencidas na História, vítimas do progresso, e, mais recuado no passado da Humanidade, o "Paraíso Perdido" ou a História Arcaica (Urgeschichte), do qual os homens foram expulsos pela tempestade do progresso. No ensaio sobre Bachofen, Benjamin (1935) explicita o sentido histórico da Urgeschichte: não se trata do Paraíso habitado por Adão e Eva, anterior ao pecado que levou à expulsão, mas da experiência da "sociedade sem classes da pré-história", depositada e armazenada no "inconsciente colectivo", que, em ligação recíproca com o novo, incrementam a irrupção da utopia. Nessa sociedade sem classes, predominava uma "harmonia entre o homem e a natureza" que foi quebrada pelo progresso e que deve ser restabelecida na construção da sociedade emancipada do futuro. Fourier e Bachofen são assim as figuras de proa da nova e da arcaica harmonia. Fourier viu no jogo o modelo de um trabalho não-explorador/explorado, possibilitado pelo carácter altamente desenvolvido das actuais forças produtivas, no qual a acção seria irmã do sonho, e Bachofen apresentou a imagem ancestral da reconciliação, onde a natureza era vista nas sociedades matriarcais como mãe doadora. Na sua obra Rua de Sentido Único, no texto intitulado "Para o Planetário", Benjamin critica severamente o "marxismo vulgar", acusando-o de ter acompanhado os imperialistas no "grande assédio feito ao cosmos", consumado à escala planetária no âmbito do "espírito da técnica": "A dominação da natureza, dizem os imperialistas, é a finalidade de toda a técnica. Mas quem confiaria num mestre da palmatória que declarasse como finalidade da educação a dominação das crianças pelos adultos? Não será a educação, antes do mais, a indispensável ordenação das relações entre as gerações, e portanto, se quisermos falar de dominação, a dominação dessas relações geracionais, e não das crianças? Assim também a técnica não é a dominação da natureza: é a dominação da relação entre a natureza e a humanidade". Benjamin e Ernst Bloch, aliás na peugada de Engels e do Jovem-Marx, são dois dos primeiros filósofos marxistas a denunciar a devastação da natureza levada a cabo pelo capitalismo e pela sua mitologia do crescimento económico contínuo, num tempo em que todos, incluindo Kostas Axelos, faziam a apologia do progresso tecnológico, que supostamente conduziria a humanidade à emancipação e à abundância, sem questionar o seu impacto destrutivo sobre a saúde da natureza e do próprio homem.
Apesar da crítica de Adorno que denuncia no seu ensaio sobre Baudelaire a "sobrevalorização do arcaico", Benjamin não abandona a oposição entre o inferno do presente capitalista e o Paraíso pré-histórico e, com o recurso a Blanqui, vê o mundo moderno como um "inferno" completamente dominado pelo feitiço da mercadoria e, portanto, como um mundo da "repetição" e do "sempre-igual" (Immergleichen) disfarçado com a imagem da "novidade" e do "mito angustiante e infernal do eterno retorno". Neste universo da repetição, a humanidade só pode desempenhar o papel de "condenada", porque o novo repetitivo da produção mercantil não lhe fornece "uma solução libertadora" e uma proposta de "renovar a sociedade". A modernidade é, como diz no fragmento Parque Central, uma catástrofe e a poesia de Baudelaire é a única lírica a resistir ao progresso devastador, evocando a experiência perdida da "Idade de Ouro", isto é, a imagem dialéctica da idade edénica do passado e da comunidade sem classes (Bachofen). Só esta imagem de um paraíso perdido pode projectar a utopia no futuro. Porém, tal como Baudelaire, Benjamin tem consciência de que a rememoração não é suficiente para transformar o mundo. É preciso "interromper o curso do mundo", como desejava Baudelaire. Para Benjamin, compete à "revolução do proletariado" ou das classes vencidas da História operar a interrupção messiânica do curso do mundo. Alimentada e estimulada pelas forças da rememoração, esta revolução será capaz de restaurar a experiência perdida, abolir o inferno e a fantasmagoria da mercadoria e da moda, quebrar e rasgar o círculo maléfico do sempre-igual e libertar a humanidade da angústia mítica e os indivíduos da condição de autómatos. Isto significa que, na perspectiva de Benjamin, a revolução não é uma continuação do progresso ou mesmo um aprofundamento da revolução francesa, como pensava Marx nalguns dos seus textos, mas a sua interrupção redentora e a actualização da Erfahrung pré-histórica e/ou pré-capitalista. Na sua obra O Livro das Passagens, Benjamin afirma que "a concepção autêntica do tempo histórico repousa completamente sobre a imagem da redenção (Erlösung)". Isto significa que a revolução é simultaneamente utopia do futuro e redenção messiânica. Embora voltada para o passado, a busca pela experiência perdida orienta-se para o futuro messiânico. Deste modo, estabelecendo uma ponte com Ernst Bloch, podemos dizer que, afinal, o "futuro redimido" é uma "restauração de um paraíso perdido", aquilo a que a mística judaica chama "Tikkoun", e, tal como Karl Kraus, encaramos a revolução como um salto qualitativo em direcção ao passado: "Ursprung ist das Zeil" ("a origem é o objectivo"). Sei que neste momento Ernst Bloch estremece no seu túmulo, lembrando-me que "a génese real não está no começo, mas no fim". Sim, a génese real está no fim, mas a origem está no começo. A rememoração pode ser o feitiço da dialéctica de Hegel, como diz Bloch. Porém, a noção de actualidade de Benjamin é politicamente fundamental: ela lembra aos políticos que nunca deveriam sacrificar nenhuma geração em função de "metas futuras" estabelecidas à luz do progresso. Nessa promessa vã, vejo o feitiço do futuro a justificar a miséria irremediável de milhares de pessoas que só têm uma vida para viver e esta única vida pode ser danificada por decisões políticas obscuras.
J Francisco Saraiva de Sousa

38 comentários:

Anónimo disse...

Bom post, caro J Saraiva. Se me permite... devia escrever postagens mais curtas. Esta está efectivamente melhorada. Continue com o bom trabalho. Porém, creio que não é necessário distinguir a «Experiência» da «Experiência vivida», pois podemos encontrar essa duplicidade em todos os quadrantes da Natureza; daí que por vezes os seus textos sejam longos, uma vez que permite traçar a esquadro as «propriedades» dessas coisas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Goggly

Sim, os últimos posts têm sido um pouco mais longos do que o desejado, mas o caminho do conhecimento é longo e espinhoso. o exercício da leitura demorada é fundamental para vencer a inércia mental predominante.

Poderia dividir os posts em partes, como já fiz noutras vezes, mas estes têm sido escritos online directamente. Porém, noutros temas procurarei ser mais sintético, correndo o risco de "produzir slogans". :)

A distinção entre a experiência e a vivência vivida justifica-se, porque é necessário demarcar a tese de Benjamin do de outros autores conservadores, e fundamentalmente porque o declínio da experiência diz respeito à tradição e não às vivências. É a memória que está em causa, não a de Bergson, despida de espessura histórica, como sucede no modo de produção capitalista, mas a memória capaz de salvar o passado do esquecimento.

Abraço

Anónimo disse...

Não o censuro que publique postagens longas, pois, tal como o amigo, acredito que a leitura seja um óptimo exercício mental.
Quando à sua dialéctica sobre a «Experiência», da qual Benjamin é mentor, eu creio que é uma «consolidação» tradicionalista, daí que a memória tenha a sua-quota parte nesta dissertação. Creio, porém, que não estou a explicar profundamente o conceito, mas essa imponderabilidade já é meio termo para discutirmos à luz da razão a ideia de «memória». Mas quem mais senão o meu amigo para melhor determinar essas questões? Felicitações.

Fräulein Else disse...

Boa noite Francisco!

Acompanhá-lo-ei na sua série sobre Benjamin, porque é um pensador de extrema sensibilidade e intuição.

Essa noção da "rememoração" ou anamnesis é constante na história da Filosofia. Aliás, o próprio nascimento da Filosofia acontece pela nostalgia que Platão nutria pelos verdadeiros sábios. A experiência atomizada da (pós)-modernidade corta com a experiência colectiva passada e, nesta medida, faz sentido falar de dois tipos de experiência. Uma experiência da repetição e uma experiência da recordação.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Sim, a minha dialéctica da experiência exige um confronto entre Bloch e Benjamin, com a mediação de Hegel. A rememoração pode ser o feitiço da dialéctica de Hegel, como diz Bloch. Porém, a noção de actualidade de Benjamin é politicamente fundamental: ela lembra os políticos que nunca deveriam sacrificar nenhuma geração em função de "metas futuras" estabelecidas à luz do progresso. Nesse aspecto, vejo o feitiço do futuro a justificar a miséria irremediável de milhares de pessoas que só têm uma vida para viver e esta pode ser danificada por decisões políticas obscuras.

Filosoficamente, procuro um elo forte entre memória e imaginação, que está presente nos mestres.

Sim, sou dialéctico e, por isso, posso dialogar com qualquer tipo de pensamento sem trair a revolução redentora. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Else

Sim, Benjamin faz uma leitura interessante de Platão a esse respeito. Talvez um dia tente pô-la em escrito! A vida é terrível por causa das moléculas sem vida mental própria! Ficam invejosas e chatas, enfim Portugal é assim...

Anónimo disse...

Porém, cara Fraülein Else, a sua ideia de «rememoração» carece de um princípio básico que desde já vou mencionar, mas não sem antes contar a história de um soldado prussiano, que encontrou nos mistérios incontornáveis da morte a mais pavorosa noção de realidade que nem mesmo os sábios não souberam esclarecer, por mais ou menos tentativas para compreender ao certo essa manisfestação que um dia assombrou a terra: tratava-se de uma chuva de sapos. Subitamente o céu ficou obscurecido por umas nuvens ameaçadoras e o ambiente ficou literalmente bafiento; e quando não foi o espanto do bravo soldado prussiano - e dos sábios que se encontravam abrigados por um carvalho milenar -, do céu começaram a jorrar sapos mesmo por cima da sua cabeça; levou uma bordoada tão implacável que na sua memória ficara indelevelmente marcado o fatalismo de um dia ter morrido numa situação tão extraordinária. Sim, de facto morreu. E agora, Fraülein Else, como acha que se sentiria se um dia a sua sobeja memória ficasse marcada por um momento tão trágico como aquele como o soldado teve a oportunidade de experimentar? Talvez os seus cabelos se encrespassem numa tenebrosa cabeleira e todo o seu corpo se revolvesse em espasmos descontrolados, e toda a sua sabedoria fosse por água abaixo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Goggly

Percebi o sentido da "chuva de sapos", mas o
Anjo da História vê catástrofe e aponta a necessidade de salvar os mortos, vítimas dessa catástrofe. Mas fico por aqui: cabe a Fraulein Else dar-lhe a sua perspectiva. :)

Fräulein Else disse...

Sim, há eventos que causam traumatismos na memória: Benjamin assinala precisamente a experiência da guerra como determinante para a afasia que veio a seguir. Mas dos destroços, é possível renascerem novas configurações.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Amigos

Alguém conhece algum autor português que tenha tratado da cidade do Porto no século XIX ou mesmo na primeira década do século XX, ou ainda de outro tempo qualquer?

De todas as cidades portuguesas, o Porto, os seus armazens e galerias, é a única que traz a marca da burguesia e da produção mercantil, e seria interessante projectar essa memória no mundo!

Termino o post amanhã!

Manuel Rocha disse...

Muito interessante, Francisco. E remata deixando pontas por onde construir uma boa controvérsia.Lá irei logo que encontre um tempinho, pois como sabe embirro solenemente com as teses da "harmonia primordial"e da benignidade "natural" da natureza.
:))

Abraço.

Manuel Rocha disse...

Quanto à questão sobre o Porto e supondo que na resposta não exclui o que sobre ela se tem dito na literatura, penso que a Agustina BL tem feito da cidade e da vida na sua órbita excelentes retratos. Não ?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Manuel

As dificuldades referidas resultam do facto de eu estar a evitar o "discurso do fim da narrativa" e atribui-lo a Benjamin, como fazem certos interpretes do seu pensamento. Penso que as últimas obras de Benjamin desmentem claramente essa leitura.

Sim, conheço a sua birra em relação ao conceito de harmonia aplicado às relações entre o homem e a natureza. No Paraíso, essas relações eram efectivamente harmoniosas. E nas sociedades arcaicas eram pacíficas, no sentido de não haver desvastação total da natureza, de resto vista como "mãe". É a exploração capitalista da natureza que está em causa, bem como a crítica do progresso, nada mais.

Sim, ainda não confrontei Benjamin e Bloch: muitos traços em comum, mas uma enorme divergência quanto à rememoração. Bloch vê a rememoração como sinónimo de dialéctica concluída e diz com razão que a dialéctica do mundo não está concluída: destaca a esperança em vez da rememoração.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Amigos

Como já é habitual, quando dou por concluído o post, renovo a data de edição. Embora tivesse planeado um desenvolvimento mais longo sobre a leitura que Benjamin faz de Baudelaire, fui forçado a omitir muitos aspectos para não prolongar muito o post, conforme o desejo expresso pelo Goggly. O que foi dito é suficiente para esclarecer essa leitura.

Manuel

Sim, a Agustina é uma mulher do Porto que sabe imortalizar a Invicta, mas a sua obra é muito longa e densa para ser tratada num post.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou com o pescoço dorido de tanto olhar para o céu rasgado pela velocidade dos aviões. O Porto é lindo visto do céu! Vejam este site:

http://www.redbullairrace.com/

Denise disse...

Excelentes postagens sobre WB, F., mas sem tempo para comentáros alongados, neste dia em que celebro 8 anos da fabulosa experiência da maternidade :)

Quanto à sua questão relativamente ao Porto, estive em conferência com o meu amigo TUlinho e apresento-lhe as nossas sugestões:
Para além da grande Agustina já referida pelo Manuel, temos ainda
- Garrett («Arco de Sant'Anna»)»
- Eugénio de Andrade (incluindo um antologia intitulada «Daqui houve nome Portugal»)
- Sophia
- Júlio Dinis («Uma Família Inglesa»)
- Jorge Manuel Marmelo («O Profundo Silêncio das Manhãs deDomingo» e outros)
- Mário Cláudio («A Quinta das Virtudes»)
- Álvaro Guerra («Razões de Coração»)
- Pedro Eiras («Anais de Pena Ventosa») - Porto medieval imaginado
- Raúl Brandão(«Os Pescadores»)
- Camilo
- Guerra Junqueiro
- Pedro Homem de Melo
- Ramalho Ortigão
- Soares dos Passo
- Seiro Pereira Gomes


Há tb um livro intitulado «Porto-Ficção» da Ed. Asa, uma colectânea de contos contemporâneos sobre Invicta.

... E aproveite para passar por aqui:
http://www.slideshare.net/hbarros/porto-visto-por-escritores-472460/

Procurarei voltar com mais calma, mas a minha via é um carrocel semi-divertido de imprevistos...

Denise disse...

* vida...

sed... vita via est

:)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Denise

Bom aniversário para os seus rapazes!

Obrigado, a si e ao Tulisses, pelas indicações bibliográficas. Vou ver se arranjo tempo para reler e meditar na imagem da cidade do Porto.

Vou tomar café e relaxar um pouco. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui Denise

Vi o tal site que recomendou e fiquei triste, porque as frases escolhidas deixam escapar a magia da Cidade Invicta. ou os nossos escritores não são grandes observadores ou a selecção é pobre e preconceituosa. Eu procuro a Cidade de Sonho que é o Porto, não a falta de espírito crítico. Essas coisas das invejas entre Porto e Lisboa podem ter o seu fundamento, porque os portugueses são por natureza invejosos e maldosos, como já mostrei noutro post, mas é tema que não me seduz.

Agustina ressalta a muralha. Sim, o Porto já foi uma cidade amuralhada, mas hoje já não é a muralha. Penso que essa imagem vem do período medieval e deve dominar mesmo depois da ascensão da burguesia até meados do século XIX, com o bispo a deter muito poder. Vou pensar com calma!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Contudo, a Agustina fez uma opção política errada e tomou partido por causas erradas: a sua obra traz essa marca fatal, conservadorismo ém excesso e falta de diálogo com a tradição crítica e o marxismo. Esse conservadorismo mancha-lhe a obra e cria em seu torno uma suspeita que não a torna convidativa. Quando ela fala de muralha, eu penso numa coisa, ela deve pensar na muralha social que as elites portuenses criam em seu torno, condenando a cidade à estupidez. Esse Porto é terrível: uma camara mortuária que tritura tudo o que é autenticamente egrégio e que mata tudo em vida. Esse núcleo criou os seus lacaios, aquelas figuras bizarras televisivas, que falam de modo impróprio e que se prostituem por todos os cantos do país.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Esse Porto é podre e corrupto!

Fräulein Else disse...

«Esse conservadorismo mancha-lhe a obra e cria em seu torno uma suspeita que não a torna convidativa»

O Francisco deve sofrer instantes de insanidade mental.
A Agustina é uma das nossas melhores escritoras e n deve ser contaminada com as suas leituras ideológicas.

Segundo, as frases espelham nitidamente, cada uma, a cidade do Porto. E se acha que elas são insuficientes para descrever a «cidade de sonho» - que só o F. vê - , pegue na pena e dê azo à sua imaginação fértil.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui Else

Não disse que a Agustina era má escritora! Pelo contrário, lamento o seu conservadorismo que não beneficia a recepção da sua obra. A ideologia está sempre presente nas obras de arte, sobretudo nas literárias. Não existem obras puras!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ou a Fraulein Else pensa que as obras-de-arte descem do céu de pára-quedas? Toda a obra humana significativa é socialmente mediada e cabe à crítica revelar essas mediações. Nada nasce puro ou livre de contaminações ideológicas! A fraulein parece estar muito conformada com o sistema estabelecido! :(

Fräulein Else disse...

Mas n é por n serem conservadoras ou radicais que são boas ou más obras, bons ou maus escritores. Até o "seu" Marcuse o diz: a literatura n é revolucionária por ser escrita para a revolução, mas exclusivamente pela sua dimensão estética, formal. A arte corta com o status quo, por criar um outro mundo paralelo.

Não sou conformista, mas tb n sou obcecada por interpretar a Arte sob a lógica da luta de classes.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, em Portugal, bem como na UE, as classes sociais foram surdinamente substituídas por CASTAS. Isto significa que o actual sistema social capitalista tem muitas características do modo de produção asiático de Marx ou das sociedades da China e Índia Antigas de Weber!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, Denise, Guerra Junqueiro é o grande poeta português que soube cantar o triste fado nacional: a corrupção. Filosoficamente, a sua poesia vive nas imediações do pensamento. Curioso, o próprio GJ comentava em prosa a sua poesia: pensava.

Sobre GJ já escrevi muito, dei conferências e publiquei. Porém, em relação ao tema do Porto é escasso: não captou a alma da Invicta. Só com uma hermenêutica violenta chegava lá. Eu sonhava com um poeta das galerias e dos armazens, das igrejas e das lojas, das ruas e dos seus traseuntes... Deseja um poeta que tivesse captado a metamorfose da cidade do Porto entre o século XIX e o século XX.

Sim, Júlio Dinis é a grande referência, mas deixa escapar o espírito industrial da Invicta. Desejava o poeta das pontes D. Luís e D. Maria, do Palácio de Cristal de ferro, do edifício da camara municipal, da estação de S. Bento, dos eléctricos, etc. Esse seria o meu poeta a abrir a minha filosofia ao Porto.

Como diz a Else, tenho de ser eu a fazê-lo, se não arranjar um poeta inspirador. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Transeuntes, devia ter escrito e é um disparate estar a referi-lo...

Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, TPascoaes, etc... Contudo, acrescento outra referência: Visconde de Vila-Moura.

O Vila-Moura escreve: "E, contudo, é a Cidade, o Homem, que, de momento, procuro..." Mas tratou de Paris e não do Porto.

Temos autores interessantes que aguardam o seu resgate. Porém, o resgate filosófico de Portugal e sua Cultura tem um preço elevado: um grande investimento e exclusividade. Sem isso, não há resgate filosófico de qualidade. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas, como dizia GJunqueiro, o português é burrinho e trapaceiro, incapaz de pensar e de sonhar. A Cultura Portuguesa precisa ser sonhada e restaurada e este não é trabalho para a retórica do tacho nacional ou obras de comemoração bafienta!

As obras que me rodeiam dos autores referidos são velharias e tb elas cheiram a passado bafiento. Detesto o cheiro! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Uma ideia básica deste post que não foi explicitada é a seguinte: o positivismo e a sua ciência reduzem a experiência, ou melhor, atomizam a experiência e limitam-na à aceitação daquilo que é dado, como se não houve nada para além do dado. Ora, um tal pensamento é pura ideologia: glorifica a situação factual presente, negando-lhe outras possibilidades.

Denise disse...

Ui, Francisco! Como pode ter ficado assim tão triste com a minha sugestão? Provavelmente, outras melhores existirão, mas as frases escolhidas constituem-se como homenagem à cidade inderrotável.
Uma selecção não pode permitir que conclua que os "os nossos escritores não são grandes observadores "...
Não escamoteemos a existência de um conflito de ordem cultural entre a Invicta e a Capital, mas repare que os escritores que abordam esse pormenor (Ramalho Ortigão, Vasco Graça Moura) rendem-se à supremacia do Porto ;-)
Outro caso é o de Eça de Queirós que era republicano e intolerante para com o pedantismos da buregusia e da pseudo-intelectualite; na sua observação está, implicita e definitivamente, a simpatizar com a Capital do Norte...

Denise disse...

Quanto à observação que aqui deixa tombar sobre a grande Agustina, não me sinto confortável em acompanhá-lo nesse raciocínio. Embora não esteja imune de uma aura ideológica, a obra de Arte ultrapassa-a. Como muito bem sublinha Fraulein Else, nela reside, sobretudo, o valor estético.
E ainda bem que nem toda a Literatura segue a ideologia marxista. Repare: ficaríamos sem outras perspecivas e percepções da realidade que nós mesmos construímos e, assim,o mundo (os mundos) em que vivemos ficaria muito mais pobre.

Denise disse...

O passado não é bafiento...
Eu gosto do cheiro dos livros velhos e das antiguidades.
Para além disso não sou marxista e não é por isso que me torno menos convidativa... :-P

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Denise

Mas quem negou a chamado "valor estético"? Marcuse referido por fraulein Else é marxista! E Adorno, outro marxista, é o autor da maior estética contemporânea! A crítica não é destrutiva; a falta de crítica é que condena Portugal ao marasmo. Além disso, não procuro saber se preferem o Porto ou a capital: essa é uma matéria vulgar e cansativa. Prefiro revelar o encanto da Invicta no seu corpo autónomo. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso e acima de tudo, não aprecio a ideia das "vacas sagradas". Afirmar que Agustina é uma grande escritora ou ficar calado é a mesma coisa, porque condena a obra de Agustina ou de outro autor ao esquecimento. Ora, neste blogue, luto constantemente contra o esquecimento! É uma espécie de morte em vida e nenhum autor gosta de ser tratado como "morto"...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

As ideias só ganham vida na polémica e na discussão... Isto é dialéctica; o resto são ruínas do esquecimento. E gosto de LER Agustina, cujo valor reconheço. Por favor, não me atribuam ideias que me são profundamente estranhas!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise

Devo lembrar-lhe que agradeci as suas sugestões bibliográficas. Por isso, não compreendo como pode ter dito que critiquei essas mesmas sugestões. Talvez tenha manifestado o meu desagrado como as frases dos escritores foram usadas para alimentar um conflito ou um preconceito desnecessário e inútil. Conheço os autores e sei que eles disseram algo mais substancial. Mas esta crítica não tem nada a ver com as suas sugestões, as quais afradeço e agradeci logo na altura.

Obrigado, amiga Denise!

Elton Mendes disse...

Muito bom, Francisco. Grato por isso!