terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Prós e Contras: Caso FreePort

Portugal é de cima a baixo e transversalmente corrupto, degradante e medíocre, e todos nós, portugueses, sabemos isso por experiência ou talvez mesmo por consentimento e silêncio cúmplice e tácito. Prós e Contras debateu hoje (2 de Fevereiro de 2009) o caso FreePort. O título inicialmente previsto, "O que podem pensar os portugueses do caso freeport?", foi, como já é hábito, substituído por este título mais neutro: "Caso Freeport". De facto, este último é mais correcto, porque, ao contrário do que diz a ideologia espontânea do jornalismo português, os portugueses não acreditam na sua classe política ou em qualquer outra elite associada aos mais diversos poderes, tais como a dos magistrados, dos juízes, da polícia judiciária e dos jornalistas denunciados pelos seus rostos embrutecedores. A audiência deste caso mediático é muito pouco representativa da população portuguesa, o que significa que o jornalismo português está profundamente desacreditado. Os primeiros intervenientes directamente envolvidos no caso da construção do centro comercial de Alcochete, Dias Inocêncio e Rui Gonçalves, acentuaram a importância deste empreendimento para o desenvolvimento do Concelho de Alcochete, portanto, o interesse público da obra, alegando o desconhecimento de pagamentos ilícitos e a ausência do secretário de Estado no único encontro que se realizou no Ministério do Ambiente, do qual esteve ausente o Presidente da Empresa do freeport. Contudo, uma carta anónima, cujo autor já conhecemos, despoletou este processo, no qual o Ministro do Ambiente, actual Primeiro-Ministro, é suposto estar envolvido na prática de corrupção por ter recebido pagamentos para acelerar a construção da obra numa zona natural protegida, mediante um parecer favorável do estudo de impacto ambiental, com o qual um dos seus técnicos, Henrique Pereira dos Santos, não estava de acordo. Mas, como acentuou Miguel Júdice, em Portugal, as instituições consultadas em vez de realizarem os seus estudos específicos, tendem a opinar sobre outros assuntos que não são da sua competência restrita: "toda a gente opina", sem saber do que fala, mais outro traço nacional que dificulta a tomada de decisões céleres, racionais, transparentes e competentes.
Fátima Campos Ferreira procurou moldar o debate em função de três dimensões do caso freeport: a jurídica, a política e a mediática. De todos os convidados presentes no palco, José Dias Inocêncio (ex-Presidente da CM de Alcochete), Rui Gonçalves (ex-secretário de Estado do Ambiente), José Miguel Júdice (advogado), Saldanha Sanches (fiscalista) e Raposo Subtil (advogado), Miguel Júdice foi o único que desenvolveu uma concepção coerente sobre o caso, levando em consideração as três dimensões. Por isso, e dado o caso ser relativamente conhecido por envolver o actual Primeiro-Ministro, José Sócrates, e alguns membros da sua família, um tio e um primo ingratos e levianos, que abonaram pouco a seu favor, vou começar por resumir a sua perspectiva. Miguel Júdice apontou dois erros básicos neste processo: A investigação criminal portuguesa foi uma "má investigação". Começou por enviar um pedido de colaboração para a polícia de Londres e, passados dois anos, recebe uma carta inglesa, onde José Sócrates aparece como "suspeito" de corrupção, sem ter feito previamente investigação criminal de qualidade; caso contrário, a polícia judiciária teria detectado que a data da reunião convocada pelo Presidente da CM de Alcochete estava errada, porque, nesse dia, o secretário de Estado estava no Japão e, por isso, não poderia estar presente nesse encontro. Um "episódio caricato" construído em torno de uma "realidade factual impossível"! A investigação criminal lusa foi caracterizada como "banda desenhada do TinTin", isto é, acusada de seguir a "lógica da confissão", em vez de "cruzar as informações" e fazer alguns telefonemas. Esta má investigação criminal "destrói o Estado de Direito". O segundo erro reside na violação do segredo de justiça. E, mais tarde, Miguel Júdice condena a entrevista dada pela Procuradora, Cândida Almeida, à TV: "um dia infeliz do Ministério Público", embora Júdice acredite na autonomia e na independência do Ministério Público, desmentidas por Saldanha Sanches. Ao comparar esta entrevista com a entrevista de Dias Loureiro, Júdice quis talvez mostrar que os entrevistados acabaram por se enterrar a si mesmos, levantando uma suspeita generalizada em torno da credibilidade moral e psicológica do seu perfil e da seriedade da sua acção. Como mostra o fracasso da investigação criminal em diversos casos mediáticos consecutivos, "não se pode confiar e colaborar com a polícia portuguesa": o segredo de justiça é constantemente violado e, nos casos que envolvem a colaboração de outras polícias estrangeiras, a imagem de Portugal difundida pelo mundo é muito má e pouco prestigiante. Em suma, o caso freeport foi construído sobre "pseudo-factos", no sentido de serem realidades impossíveis ou forjadas por definição prévia, mais precisamente por má-fé, o que pode justificar a suspeita do Primeiro-Ministro de estar a ser alvo de uma "campanha negra" orquestrada por "forças ocultas", tais como jornalistas sem escrúpulos, magistrados e agentes judiciários vingativos e avessos às reformas judiciais implementadas pelo governo, de resto um cenário imaginado e exposto por Rui Gonçalves. Com efeito, conforme referiu Miguel Júdice, nenhum destes estratos burocráticos do Estado goza de credibilidade entre os portugueses, aos quais Manuel Meirinho acrescentou a classe política e os seus aparelhos partidários, com base em estudos de percepção, provavelmente realizados no seu departamento. Em suma, para Miguel Júdice, o caso freeport revela, na sua dimensão jurídica, a situação má do sistema judicial português, já testemunhado pelo fracasso sucessivo de outros casos mediáticos (1); na sua dimensão política, a ingovernabilidade de Portugal, a falta de vontade para seguir uma carreira política, sempre sujeita ao escrutínio pouco sério da comunicação social degradante e degradada, e, dado a democracia e a liberdade não estarem garantidas, a ameaça da instauração, no final de um longo caminho de corrupção agravada e incontornável, de alguma forma de totalitarismo (2); e, no plano mediático, a mediocridade irresponsável do jornalismo luso, bem patente no caso de um mesmo jornal publicar notícias contraditórias, porque, nesse jornal, segundo o seu director, cada jornalista tem o seu próprio informante na polícia judiciária (3). No fundo, isto significa que cada um selecciona a sua própria perspectiva da informação em função da dimensão mais ou mesmo reduzida do seu cérebro e dos seus interesses mesquinhos e umbilicais. O jornalismo português é excessivamente medíocre e, de certo modo, é responsável pela degradação da vida social portuguesa.
Inicialmente, pensei que Saldanha Sanches, o paladino da denúncia da corrupção endémica das autarquias e da sua captura do Ministério Público, e Raposo Subtil endossassem a visão de Miguel Júdice, mas estava enganado, como confirmei no decorrer do debate. Apesar de Saldanha Sanches ser incompreensível nas suas intervenções televisivas, avançou com a ideia de uma "nova captura" que identifica como conceito sociológico (sic). Se o compreendi bem, ele afirmou que existe uma campanha do governo para "manietar a polícia judiciária". Ora, este confronto entre o governo e a polícia judiciária é, na sua opinião, um "conflito trágico", com o qual o país fica a perder. Raposo Subtil parece acreditar na Carta Rogatória e, como a justiça é paga, negou o efeito político do caso freeport. E dado o Procurador Geral da República e a Procuradora terem afirmado que José Sócrates não era suspeito, "não há processo". Porém, Raposo Subtil considerou a entrevista de Cândida Almeida como um "ataque ao Direito e à Democracia". A participação dos outros convidados da plateia merece pouca consideração: Carlos Alberto Amorim limitou-se a fazer a apologia de Pedro Santana Lopes, como se houvesse qualquer semelhança entre esta figura desgastada e a de José Sócrates. O PSD está a tornar-se cada vez mais um partido desacreditado: os seus governos não deixaram "lastro de dúvida", mas uma certeza, a sua incapacidade governativa. A conjectura de Paulo Morais de que as leis são elaboradas propositadamente numa linguagem obscura foi abraçada por Saldanha Sanches e alguém presente recordou uma intervenção recente do Presidente da República, onde este afirmou que as leis emanadas do Parlamento eram escritas numa linguagem má. Com esta crítica, Cavaco Silva acusa indirectamente a ausência de competência dos deputados, isto é, denuncia a sua "burrice", no que expressa legitimamente a opinião geral dos portugueses. Mas quem as promulga, como frisou Júdice, não pode lavar as mãos, sendo também co-responsável pela fraca qualidade das leis portuguesas. Que saída?, perguntou Fátima Campos Ferreira. Saldanha Sanches respondeu que não conhecia uma outra saída, a não ser uma má saída para todas as partes envolvidas. Contudo, nesta hora de grave e profunda crise económica, e dado não haver alternativa política credível, é desejável que o caso seja resolvido com rapidez e devidamente esclarecido, pelo menos algumas "provas" apresentadas, para que o Ano Eleitoral decorra normalmente, liberto de suspeitas talvez infundadas, e para que o novo governo tenha coragem suficiente para erradicar a corrupção em Portugal, mediante uma reforma substantiva do Estado, do sistema judicial e do sistema educativo e de ensino, incluindo o ensino universitário, de modo a prevenir a decadência total da República Portuguesa, cujas actuais gerações estão irremediavelmente perdidas. Precisamos de bom senso para fazer face às diversas crises que ameaçam o futuro de Portugal. Só o reforço da educação pode ajudar Portugal a criar uma nova geração capaz de libertar o futuro, com a ajuda dos portugueses que têm realmente mérito. A guilhotina foi inventada para liquidar os corruptos e todos aqueles que boicotam o futuro risonho e próspero de Portugal: a transparência é a maior aliada da cultura de mérito sufocada pelas classes instaladas e perfeitamente inúteis e contrárias ao interesse nacional. Em caso do futuro continuar a ser bloqueado pelos corruptos, o Estado tem direito de recorrer à repressão e até mesmo de decretar umas férias jornalísticas. Combater a actual crise económica é avançar com um novo plano e mudar radicalmente de direcção: cabe aos governantes imaginarem um futuro novo que evite o regime estabelecido, causador de desigualdades sociais, da devastação da natureza, da regressão cognitiva, da pobreza e da formação de comunidades emocionais refractárias à racionalidade e ao bom senso. Esta é a hora de mudança social qualitativa!
J Francisco Saraiva de Sousa

4 comentários:

André LF disse...

OLá, Francisco! Vc disse bem: "Esta é a hora de mudança social qualitativa"! Entretanto, resta saber como será feita esta mudança e quais seriam as suas bases.
Percebo que os políticos, sobretudo os canalhas brasileiros, são incapazes de propor uma solução inteligente à crise que estamos a enfrentar. Falta-lhes lucidez, inteligência e boa vontade,
Veja como o meu país é curioso: o presidente Lula, um exemplo perfeito da demagogia e da inabilidade administrativa, recebeu uma aprovação de 84% dos entrevistados na pesquisa. As razões são muito simples: vigora aqui uma política do panem et circenses. O povo ganha entretenimento barato (carnaval que dura 12 meses) e enche a barriga de pão. Além disso, Lula se aproveitou da artificial prosperidade trazida pelo hediondo capitalismo financeiro e dela soube se beneficiar, convencendo a massa ignara de que foi um herói pátrio.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá André

Sim, é verdade: o capitalismo financeiro gerou corrupção em todo o mundo. As classes dirigentes tornaram-se classes ricas mediante engenharias financeiras escuras. Daí o descrédito da classe política! Porém, a comunicação social está a degradar a vida social do Ocidente. Não se trata de um quarto poder, mas de lacaios postos ao serviço de poderes escuros e imorais. A partir do momento em que o jornalismo se profissionalizou, ele degradou-se: refeudalização da esfera pública. De certo modo, aqui na Europa assistimos à emergência de um modo de produção asiático, com uma ou outra característica feudal. Degradação total! Regressão total! É a hora da esquerda esclarecida!

Anónimo disse...

«[...] Os portugueses não acreditam na sua classe política ou em qualquer outra elite associada aos mais diversos poderes, tais como a dos magistrados, dos juízes, da polícia judiciária e dos jornalistas denunciados pelos seus rostos embrutecedores». Como habitualmente, não li o seu post na íntegra, mas fiquei sensibilizado por esta frase. Sim, de facto, estou ferozmente surdo e constrangido com as autoridades que governam o nosso país. Este caso, o «Caso Freeport», traz muita água no bico: o que está em causa afinal é o exercício do poder na pessoa do primeiro-ministro. Mas isso o senhor já deve saber com certeza; não vou extrapolar por mero capricho. A questão que se coloca é: será o nosso país governável; ou melhor, teremos condições necessárias para governar?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Esse problema da governabilidade é um problema geral e não apenas específico de Portugal. De certo modo, ele já tinha sido identificado por Platão: a democracia gera a sua própria ruína. Devemos ter em conta que a democracia não é algo seguro, no sentido de estar eternamente garantida. O nosso esforço deve ser uma luta constante pela democracia e esta luta implica uma atitude crítica perante forças que se reclamam da democracia. Em nome da liberdade, certas liberdades arruinam a própria liberdade. Os chamados "direitos humanos" podem estar na origem da decadência ocidental, como se verifica pela divisão da Europa em relação à questão do Islão.