sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Vitimização e Orientação Sexual

"Hate crimes" ou "bias crimes" são designações atribuídas aos crimes perpetrados contra determinados indivíduos por causa da sua orientação sexual. Os homens homossexuais e bissexuais e as mulheres lésbicas experienciam diariamente na pele, na carne e no espírito, os efeitos cruéis da intolerância heterosexista em relação às suas sexualidades. O termo heterosexismo será aqui usado como termo análogo ao sexismo e ao racismo, para descrever um sistema ideológico que classifica a homossexualidade como sendo inferior à heterossexualidade, legitimando e justificando as atitudes antigay, os estigmas sociais e os preconceitos sexuais. O heterosexismo é criminologia institucionalizada: a homossexualidade é estigmatizada em todos os sectores institucionais da sociedade heterosexista e esta hostilidade institucional dá consistência e legitimidade às hostilidades individuais. Em Portugal, a minoria erótica homossexual é alvo de discriminação e de vitimização: nas escolas portuguesas, muitos jovens homossexuais de ambos os sexos são alvo de actos violentos e de diversos tipos de abuso, incluindo abuso verbal, abuso físico, abuso psicológico e abuso sexual, perpetrados por outros colegas, com a cumplicidade de professores homofóbicos e a inércia do Ministério da Educação. As atitudes negativas dos indivíduos heterossexuais em relação aos homens e às mulheres homossexuais são consistentes com esta hostilidade institucional. As pessoas homossexuais e os casais do mesmo sexo são estigmatizadas e marginalizadas. O resultado desta estigmatização é a estratificação dos direitos, o isolamento psicológico e social dos indivíduos homossexuais e a criação do status de cidadãos de segunda-classe, estigmatizados e tiranizados pela maioria heterosexista. Os indivíduos estigmatizados exibem uma variedade de efeitos psicológicos negativos, tais como ansiedade, depressão, tentativas de suicídio, alienação, isolamento, medo, raiva e stress crónico. De facto, a minoria homossexual está sujeita a "minority stress": uma tensão psicológica crónica resultante de experiências e de expectativas de preconceito sexual, decisões sobre a revelação pública da identidade sexual e a interiorização de homofobia ou homonegação (Meyer, 2003). O stress crónico nesta forma é um factor que contribui para alterações da saúde física e mental: após terem sido alvo de abuso e de crimes sexuais, os membros da comunidade LGB exibem sintomas de depressão, raiva, ansiedade e stress pós-traumático, e, quando comparados com as vítimas de crimes não-sexuais ou com não-vítimas, manifestam maior medo do crime, grande vulnerabilidade auto-percebida, crença muito enfraquecida na benevolência das pessoas e escasso sentido de domínio. Todas estas experiências de preconceito sexual e de discriminação impostas pelo heterosexismo contribuem para o desenvolvimento de stress a longo prazo e de problemas graves de saúde. O heterosexismo como conjunto de preconceitos sexuais está intimamente correlacionado com diversas variáveis psicológicas e sociais, tais como autoritarismo, identificação com uma denominação religiosa fundamentalista e filiação a partidos conservadores de Direita e respectivas ideologias políticas, bem como certos traços de raça e etnicidade e desconhecimento de amigos homossexuais.
A maioria destes crimes ligados à orientação sexual são perpetrados, em lugares públicos, sobretudo nas ruas, por um ou mais estranhos, geralmente homens heterossexuais, adolescentes e jovens adultos. A vitimização também ocorre noutros lugares, tais como em locais auto-identificados como gay, espaços comerciais, lugares próximos de casa ou na vizinhança da residência, e lugares de trabalho e de estudo, e os perpetradores podem ser vizinhos, colegas de trabalho ou de escola e pessoas conhecidas, incluindo familiares ou mesmo parceiros sexuais casuais ou permanentes. As vítimas são homens homossexuais e bissexuais e mulheres lésbicas, que, por princípio, não relatam à polícia os crimes de que são alvo, devido ao medo de serem objecto de vitimização secundária: a discriminação pelas autoridades policiais ou as consequências negativas resultantes da revelação pública da sua própria orientação sexual. As pessoas que pertencem a minorias sexuais são alvos de assédio e de violência nas escolas, nos lugares de trabalho, nas suas casas ou nas áreas de vizinhança. Os agressores são pessoas desconhecidas, agindo de modo solitário ou em grupo, mas também podem incluir pessoas conhecidas, tais como colegas de trabalho e de escola, parentes, parceiros conjugais e vizinhos, e, muitas vezes, estas pessoas são outros homossexuais. A função destas agressões motivadas por atitudes negativas em relação à homossexualidade parece ser uma forma de terrorismo antigay: o envio a todos os homens e mulheres homossexuais e bissexuais da mensagem ubíqua de que não estão a salvo de ataques selvagens se tentarem dar visibilidade à sua sexualidade.
Diversos estudos recentes examinaram a vitimização traumática de homens e mulheres homossexuais e bissexuais, em comparação com as respectivas contra-partes heterossexuais, e todos eles detectaram que existem diferenças na vitimização psicológica, física e sexual, tanto na infância como na vida adulta, em função do sexo e sobretudo da orientação sexual: as minorias sexuais relataram níveis elevados de abuso psicológico, físico, e sexual, sofrido na infância e na idade adulta, o que significa que os comportamentos do mesmo sexo e a identidade LGB estão associadas com elevado risco para a vitimização. Alguns padrões foram já estabelecidos: 1) Os homens gay são mais vitimizados em lugares públicos, enquanto as lésbicas são mais vitimizadas nas suas casas e áreas da vizinhança. 2) Os homossexuais pertencentes a certas etnias de cor experienciam maior violência antigay do que os homossexuais brancos. 3) Embora alguns relatem à polícia os crimes de que são alvo, a maioria dos homens gay e das lésbicas prefere não apresentar queixa. Porém, as lésbicas apresentam mais facilmente queixa à polícia dos crimes sexuais do que dos incidentes de violência doméstica. 4) A violência doméstica ocorre com o mesmo grau de frequência nos casais heterossexuais e nos casais homossexuais e os tipos de abuso são muito similares: abuso físico e negligência, abuso psicológico, abuso sexual, controle económico e danificação da propriedade. E, tal como sucede com os crimes ligados à orientação sexual, as vítimas de violência doméstica não relatam o abuso às autoridades policiais, por diversas razões: (a) não acreditam que a polícia os possa ajudar, (b) temem a retaliação, (c) não querem ver os abusadores incomodados, e (d) pensam que se trata de um assunto privado. Muitos incidentes de violência doméstica envolvem sérias ofensas corporais e as vítimas, sobretudo os homens homossexuais, sofrem lesões e danos físicos graves que requerem cuidados médicos ou mesmo hospitalização. A própria comunidade gay tem sido incapaz de reconhecer o abuso nas relações do mesmo sexo e algumas vítimas de abuso do mesmo sexo foram revitimizadas física e verbalmente pelas autoridades policiais.
Todos estes padrões são relativos aos hate crimes e à violência doméstica que ocorrem já na vida adulta. Além deles, há ainda os abusos sofridos durante a infância. Diversos estudos científicos mostraram que os homens que foram abusados sexualmente e negligenciados durante a infância podem exibir, na vida adulta, diversas sequelas psicológicas e comportamentos sexuais de risco, tais como ansiedade, depressão, risco aumentado de comportamento suicida, baixa auto-estima, comportamento agressivo, ideação paranóide, stress pós-traumático, promiscuidade sexual, dificuldades interpessoais, abuso de substâncias, alcoolismo, prática de coito anal desprotegido e envolvimento em comportamentos associados à transmissão do HIV. Os homens homossexuais e bissexuais, mais os últimos do que os primeiros, relatam taxas mais elevadas de abuso sexual infantil do que os homens heterossexuais, e estas taxas são comparáveis àquelas relatadas pelas mulheres de todas as orientações sexuais. Embora exista uma relação entre abuso sexual infantil e homossexualidade, é preciso levar em conta a existência de diversos factores associados à condição homossexual que influenciam o risco relativo de ser alvo de vitimização sexual durante a infância. Quando um rapaz descobre a sua atracção pelo mesmo sexo, ele não encontra facilmente pares com os quais possa explorar a sua atracção erótica, e, por isso, dirige-se a homens mais velhos como a única via para explorar a sua sexualidade, expondo-se assim ao abuso sexual. Além disso, a aparência (aspecto) e os comportamentos atípicos em termos de género tornam os rapazes e as raparigas LGB mais visíveis e vulneráveis à agressão perpetrada por adultos, até porque nem sempre podem contar com o apoio dos seus pais. Com efeito, muitos estudos mostraram que os homens homossexuais e bissexuais relatam taxas mais elevadas do que os homens heterossexuais de abuso emocional e maus-tratos físicos infligidos pelas suas mães ou substitutas maternais e de maus-tratos físicos graves, incluindo hematomas, ferimentos, queimaduras, fracturas, lesões intracranianas, luxações e hemorragias, infligidos pelos seus pais durante a infância. E resultados semelhantes foram observados nas lésbicas quando comparadas com as mulheres heterossexuais. As crianças maltratadas e negligenciadas podem ser alvo de abuso sexual, geralmente perpetrado por adultos dentro da sua família imediata ou extensa, o qual não é revelado por causa dos sentimentos de culpa, vergonha, ignorância, medo de retaliação, receio de provocar a dissolução da família, relutância dos adultos ou tolerância da vítima. Pais negligentes, abusadores e homofóbicos não ajudam os seus filhos homossexuais a ter um desenvolvimento saudável; pelo contrário, a falta de apoio parental, agravada pela falta de apoio social, contribui decisivamente para que os jovens LGB, sobretudo os de sexo masculino, cresçam de um modo pouco saudável: homofobia interiorizada, solidão e isolamento, álcool e uso de substâncias e suicidalidade são alguns dos indicadores de saúde mental debilitada. A qualidade da saúde mental exibida pelos indivíduos LGB está associada a auto-estima elevada e a menos solidão e homofobia interiorizada. As pessoas LGB são amordaçadas desde a infância até à morte: a cultura heterosexista silencia-as e obriga-as a silenciar o seu self e a sua identidade, como se fossem seres clandestinos embarcados num navio fantasma e fantasmagórico tripulado religiosamente por criaturas homofóbicas.
Duas grandes teorias foram elaboradas para explicar a hostilidade heterossexual em relação à homossexualidade: a teoria da homofobia e a teoria do preconceito sexual, as quais reflectem, na sua sequência histórica, uma mudança de paradigmas, do paradigma psicológico ao paradigma social centrado na noção de minoria sexual, e, consequentemente, uma mudança das estratégias políticas, que visam mudar o status das pessoas homossexuais e bissexuais na sociedade, portanto, a emergência de novas abordagens dos direitos civis dos indivíduos homossexuais e dos casais do mesmo sexo (Ver este post do Maldonado) e, na sua forma mais extrema, da libertação gay vista como alteração radical da sociedade e da sua visão estreita da sexualidade e do género. (A discussão destas teorias e as suas implicações políticas serão analisadas no próximo post: Homofobia ou Preconceito Sexual?)
J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Malta do Porto

Devemos começar a apoiar a candidatura de Elisa Ferreira à Câmara Municipal do Porto. Rui Rio está lá há muito tempo e não construiu uma única obra, além de ser adversário da cidade do Porto e de não estar preocupado com o seu destino. O PS foi o único partido que deu vida à Invicta: a gestão PSD pará e parou a cidade. Outro facto contra Rui Rio deve-se à sua luta contra o FCPorto: os campeões nunca foram recebidos na câmara, o prestígio da cidade foi esquecido, a sua gestão foi de merceeiro, enfim uma paragem total de tudo o que estava a ser feito pelo PS, embora este tenha culpa na escolha do candidato derrotado anterior.

O Porto só pode ser forte com o PS e apoiar Elisa Ferreira é lembrar-lhe que deve defender um Porto Orgulhoso e Vitorioso, sem subserviência em relação a Lisboa. Um terceiro mandato de Rui Rio lança-nos na crise mortal profunda: a sua paixão não é o Porto mas uma possível candidatura à liderança do PSD. Como não o consegue, recandidata-se, mas que vá para Viana do Castelo ou para a China!

Vota PS no Porto!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, e não sejam burrecos a ponto de acreditar nalgumas figuras decadentes da Invicta: a sua língua suja e o seu comportamento degradante, bem como a sua falta de inteligência, envergonham e atrasam a cidade do Porto. É preciso matar as moscas e abolir a sua merde! Tenham orgulho no Porto! É meio caminho para a vitória final!

Fräulein Else disse...

Ahahahah! O F. a fazer campanha por um Porto Vitorioso..., mas vitorioso do quê? É uma cruzada do q se trata? Aí no Norte costuma haver muitos mais PSD's...

Bom, mas vim cá, para lhe dizer que ontem vi o filme "Milk" e se ainda n o viu, deve fazê-lo. Vem mesmo a propósito desteseu post, o Sean Penn está genial e ganhará o óscar certamente. É um filme lindo e poderoso, até chorei no final! Gay rights!

E tb me fez pensar que seria impensável em Portugal um político em 2009 assumir-se gay... o que não deixa de ser sintomático.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Vou ver o filme.

Ajude-me: "maus-tratos" traduz ben physical maltreatment: crianças maltratadas?

Fräulein Else disse...

child maltreatment: crianças maltratadas... fisicamente, emocionalmente... o q for.

Sim vá ver o filme! Vai adorar!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Penso que o post está concluido, talvez lhe falte algum esclarecimento que poderei acrescentar mais tarde. No fundo, ele foi projectado como uma introdução sintética aos próximos posts. Não é, pois, um estudo de revisão e muito menos uma meta-análise: apenas uma síntese.

5 ou 6ª feira vou ver o "Milk".

Tenho os artigos espalhados e a cair: vou pôr ordem na biblioteca!