sábado, 15 de maio de 2010

Estudar Karl Marx

A maior parte das pessoas fala de Marx sem nunca ter lido as suas obras. Em 1956, Maximilien Rubel publicou a sua valiosa Bibliographie des Oeuvres de Karl Marx: a obra compreende 885 títulos de Marx e 151 de Engels. O Instituto Marx-Engels de Moscovo publicou em 1927, sob a direcção de David Riazanov, o primeiro volume das projectadas obras completas de Marx e de Engels. As lutas políticas internas da URSS levaram à demissão de Riazanov e, com o seu estranho desaparecimento em 1931, o projecto de edição das obras completas de Marx e de Engels em quarenta e dois volumes - Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA) - foi abandonado pelo regime estalinista. O projecto de edição das obras completas de Marx e de Engels (MEGA II) foi retomado posteriormente, mas voltou a abortar depois do desmoronamento da RDA e da URSS. A edição mais utilizada dos textos originais alemães é a Marx-Engels Werke (38 + 2), publicada em Berlim por Dietz Verlag (1961-1968). Infelizmente, em Portugal e no Brasil, não temos acesso a traduções portuguesas credíveis das obras de Marx e de Engels, nem sequer das mais conhecidas. As elites do poder portuguesas - sediadas em Lisboa - são profundamente ignorantes e perversas: a sua "esperteza" revela-se unicamente na arte de bem roubar e de mentir ao povo, adiando o desenvolvimento nacional equilibrado. O conhecimento da teoria revolucionária de Marx é a única arma que o povo tem para derrubar o sistema que o mantém cativo na esfera da necessidade: o povo português precisa unir-se na luta contra o poder total estabelecido; caso contrário, está condenado a ser o criado mal-remunerado da Europa. Portugal é estrutural e historicamente um país de analfabetos: o 25 de Abril não alterou essa situação, limitando-se a criar uma escola que distribui diplomas aos analfabetos: actualmente os portugueses são analfabetos diplomados, tal como os membros das suas classes dirigentes. (Leia aqui sobre o Classroom Chaos.)
A Queda do Muro de Berlim e o consequente triunfo do neoliberalismo à escala global acarretaram a perda de popularidade do marxismo: os textos e as edições de Marx e de Engels tornaram-se raros. O poder estabelecido na Europa fez tudo para afastar o marxismo do seu caminho, mas a actual crise financeira e económica revela o fracasso total do neoliberalismo, da globalização e do capitalismo financeiro. Marx regressa à nossa companhia e com ele a necessidade de repensar não só a sua filosofia, mas também a sua economia e a sua política. Precisamos voltar a ler Marx, sabendo de antemão que a sua obra ficou inacabada: Marx conservou durante toda a sua vida uma atitude crítica perante o mundo e perante a sua obra, que o levava a refazer e a retrabalhar os seus conceitos, em vez de concluir os seus livros. Os textos inéditos e inacabados são tão importantes para compreender o pensamento de Marx como os textos acabados: o marxismo é profundamente avesso ao sistema. Como já vimos noutro post, a codificação soviética da dialéctica em sistema filosófico, que tende a transformá-la numa concepção científica do mundo - tal como foi esboçada por Engels -, esbarra com a própria essência da dialéctica: a dialéctica resiste à sua própria codificação. O carácter histórico da teoria marxista não permite generalizações a-históricas, opondo-lhes uma resistência feroz que ajuda a compreender o fracasso do marxismo soviético para elaborar um manual adequado de dialéctica e de lógica. A força teórica e política do marxismo reside precisamente no seu carácter inacabado e aberto: cada geração deve repensá-lo e refazê-lo em função das novas circunstâncias do mundo e dos novos imperativos políticos.
Este post apresenta uma lista de livros clássicos, com o objectivo de orientar e ajudar a preparar os futuros leitores de Marx num mundo em crise. A União Europeia prepara-se para executar uma política regressiva que ameaça radicalmente o estilo de vida dos europeus e o seu modelo social: exige sacrifícios sem explicitar uma perspectiva de futuro. Porém, a aposta nas privatizações mostra que a Europa não aprendeu nada com a crise financeira e económica, como se estivesse à espera de reestabelecer o anterior paradigma ou de operar um recuo civilizacional. Perante esta ameaça de regressar à situação de miséria das classes oprimidas na Era da Industrialização, os cidadãos europeus devem unir-se em torno da teoria que libertou os seus antepassados da exploração e da opressão. A lista que a seguir apresento é selectiva, estando circunscrita a autores do chamado marxismo ocidental: a sua interpretação de Marx não nega o papel decisivo da consciência na tarefa de transformação do mundo. Iring Fetscher e Hermann Bollnow censuram Engels por ter construído o seu conceito de revolução a partir do modelo da revolução industrial, isto é, da transformação de toda a ordem social impulsionada pelo desenvolvimento da indústria e pela invenção da máquina. Desta concepção engelsiana da revolução resulta que ela deixa de ser concebida como uma acção histórica radical, passando a ser vista como expansão quantitativa de carácter mecânico. Privada do sujeito, a dialéctica transforma-se numa mecânica evolutiva de objectos naturais, entre os quais se situa a consciência, e a história é submetida às leis naturais. Lichtheim critica o anti-kantismo de Engels, opondo-lhe as Teses sobre Feuerbach: Marx - rompendo com o materialismo - defende que a chave da transformação desejada do mundo se encontra na capacidade criadora do homem para reorganizar o mundo e para se auto-educar no decurso do desenvolvimento progressivo do seu próprio ser. Max Adler (1925) operou essa síntese entre marxismo e kantismo na sua obra Kant und der Marxismus. Eis a lista:
Adorno, Theodor W. (1966). Negative Dialektik (Dialéctica Negativa). Frankfurt: Suhrkamp.
Adorno, Theodor W. et al. (1950). The Authoritarian Personality. New York: Harper & Row.
Althusser, Louis (1977). Pour Marx. Paris: François Maspero. (Há tradução portuguesa.)
Apel, Karl-Otto (1973). Transformation der Philosophie (2 vols.). Frankfurt: Suhrkamp. (Há tradução portuguesa.)
Aron, Raymond (1970). Marxismes Imaginaires. Paris: Gallimard.
Axelos, Kostas (1963). Marx, Penseur de la Technique. Paris: Minuit.
Balibar, Étienne (1993). La Philosophie de Marx. Paris: La Découverte.
Baran, Paul (1957). The Political Economy of Growth. New York: Monthly Review Press. (Há tradução portuguesa.)
Baran, Paul & Sweezy, Paul M. (1966). Monopoly Capital. New York: Monthly Review Press. (Há tradução portuguesa.)
Bigo, Pierre (1953). Marxisme et Humanisme. Paris: PUF.
Bloch, Ernst (1947, 1949). Subjekt-Objekt: Erläuterungen zu Hegel (Sujeito-Objecto: Comentário sobre Hegel). Frankfurt: Suhrkamp.
Bloch, Ernst (1961). Naturrecht und Menschliche Würde (Direito Natural e Dignidade Humana). Frankfurt: Suhrkamp.
Bottomore, Tom, org. (1981, 1991). A Dictionary of Marxist Thought. Oxford: Blackwell. (Há tradução portuguesa.)
Bottomore, Tom & Rubel, Maximilien (1961). Selected Writings in Sociology and Social Philosophy. London: Watts & Company. (Há tradução portuguesa.)
Buck-Morss, S. (1977). The Origin of Negative Dialetics: Theodor W. Adorno, Walter Benjamin and the Frankfurt Institute. New York: Free Press.
Burnham, James (1941). The Managerial Revolution. New York: John Day. (Burnham analisa a ascensão social das novas classes dirigentes, precisamente os nossos gestores públicos e privados - e os nossos políticos corruptos e incompetentes - que se auto-atribuem remunerações e prémios ultra-milionários. Esta classe de ladrões profissionais destruiu o tecido produtivo da sociedade portuguesa. Doravante, mais vale ser gestor do que empresário: o roubo e as engenharias financeiras estão a destruir o mundo.)
Callinicos, Alex (1989). Against Postmodernism: A Marxist Critique. London: Basil Blackwell.
Castoriadis, Cornelius (1975). L'Institution Imaginaire de la Société. Paris: Seuil.
Cornu, Auguste (1955, 1958, 1961, 1970). Karl Marx e Friedrich Engels (4 vols.). Paris: PUF.
Derrida, Jacques (1993). Spectres de Marx. Paris: Galilée.
Dobb, Maurice (1963). Studies in the Development of Capitalism. London: Routledge and Kegan Paul. (Há tradução portuguesa.)
Fromm, Erich (1961). Marx's Concept of Man. New York: Ungar. (Há tradução portuguesa.)
Fromm, Erich et al. (1965). Socialist Humanism. New York: Doubleday & Company. (Há tradução portuguesa.)
Habermas, Jürgen (1963). Theorie und Praxis. Neuwied: Hermann Luchterband Verlag.
Heller, Agnés (1978). La Théorie des Besoins chez Marx. Paris: UGE.
Henri de Lubac, S. J. (sd). O Drama do Humanismo Ateu. Porto: Porto Editora. (Perspectiva católica.)
Horkheimer, Max (1970). Kritische Theorie (2 vols.). Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag. (Há tradução portuguesa parcial.)
Hyppolite, Jean (1960). Études sur Marx et Hegel. Paris: Marcel Rivière.
Kojève, Alexandre (1947). Introduction à la Lecture de Hegel. Paris: Gallimard. (Há tradução portuguesa.)
Kolakowski, Leszek (1987). Histoire du Marxisme (3 vols.). Paris: Fayard.
Kosic, Karel (1977). Dialéctica do Concreto. Lisboa: Dinalivro.
Jameson, Fredric (1990). Late Marxism: Adorno, or, The Persistence of the Dialectic. London, New York: Verso.
Lefebvre, Henri (1965). Metaphilosophie. Paris: Minuit.
Lichtheim, George (1961, 1965). Marxism: An Historical and Critical Study. New York: Frederick A. Praeger.
Löwith, Karl (1941). Von Hegel zu Nietzsche. Zurich: Europa Verlag.
Lukács, Georg (1923). Geschichte und Klassenbewusstein. Zurich: Europa Verlag. (Há tradução portuguesa.)
Lukács, Georg (1948). Der Junge Hegel. Zurich: Europa Verlag.
Mandel, Ernest (1975). Late Capitalism. London: New Left Books. (Há tradução portuguesa.)
Mandel, Ernest (1976). Tratado de Economia Marxista. Lisboa: Delfos.
Marcuse, Herbert (1941). Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory. New York: Oxford University Press. (Há tradução portuguesa.)
Marcuse, Herbert (1958). Soviet Marxism: A Critical Analysis. New York: Columbia University Press.
Merleau-Ponty, Maurice (1955). Les Aventures de la Dialectique. Paris: Gallimard.
Mills, C. Wright (1963). The Marxists. New York: Dell. (Há tradução portuguesa.)
Popper, Karl (1945). The Open Society and Its Enemies (2 vols.). London: G. Routledge. (Há tradução portuguesa.)
Popper, Karl (1957). The Poverty of Historicism. London: G. Routlegde. (Há tradução portuguesa.)
Riazanov, David (1967). Marx et Engels. Paris: Anthropos.
Rubel, Maximilien (1974). Marx, Critique du Marxisme. Paris: Payot.
Sartre, Jean-Paul (1960). Critique de la Raison Dialectique. Paris: Gallimard. (Há tradução portuguesa.)
Schumpeter, Joseph A. (1942, 1987). Capitalism, Socialism and Democracy. London: Allen & Unwin. (Há tradução portuguesa.)
Sweezy, Paul M. (1956). The Theory of Capitalist Development. New York: Monthly Review Press. (Há tradução portuguesa.)
Wahl, Jean (1929). Le Malheur de la Conscience dans la Philosophie de Hegel. Paris: PUF.
Wellmer, Albrecht (1969). Kritische Gesellschaftstheorie und Positivismus. Frankfurt: Suhrkamp.
Wellmer, Albrecht (1985). Zur Dialektik von Moderne und Postmoderne: Vernunftkritik nach Adorno. Frankfurt: Suhrkamp.
Williams, Raymond (1989). The Politics of Modernism: Against the New Conformists. London: Verso.
Wittfogel, Karl A. (1957). Oriental Despotism: A Comparative Study of Total Power. New Haven: Yale University Press. (A leitura desta obra permite descobrir o aparecimento de traços feudais ou mesmo asiáticos - o modo de produção asiático de Marx - no seio das sociedades capitalistas tardias, e associá-los ao poder total das novas classes dirigentes: o mundo ocidental está a regredir e, a qualquer momento, ameaça mergulhar as populações na miséria e na pobreza.)
J Francisco Saraiva de Sousa

8 comentários:

Daniel Alabarce disse...

Mais uma vez eu dou meus parabéns a este blog.

Eu tenho pesquisado, desde minha entrada na filosofia, sobre este autor.

Um autor que, a meu ver, faz um movimento crítico inovador.

Critica o sistema Hegeliano e todo o Idealismo, traz a filosofia de volta ao Real, mais distante daquele Espírito Absoluto Sufocante!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Daniel Alabarce

Sim, Marx é um pensador profundo e sério. Precisamos cultivar a sua leitura e contagiar os outros, porque vivemos tempos difíceis: podemos mergulhar na miséria e no conflito sangrento.

Marx é a nossa luz: vamos lutar contra os opressores que já não são os capitalistas mas os políticos e os gestores públicos e privados corruptos. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Enfim, a verdade é que desde que Portugal é governado por pessoas sem cultura tem ficado cada vez mais atrasado mental e cognitivo. As classes dirigentes destruiram a escola porque querem um povo ignorante.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A lista de livros que apresento neste post foi pensada para ajudar estudantes brasileiros de Filosofia, os quais me enviaram muitos e-mails pedindo ajuda. A maior parte das traduções portuguesas existentes são de editoras brasileiras. Penso que as traduções deviam ser corrigidas e substancialmente melhoradas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E fico contente por saber que os brasileiros querem aprender, porque aqui em Portugal os estudantes são zombies sem conhecimentos e sem alma: puros idiotas. :(

Reinaldo disse...

Olá Francisco, aqui no Brasil, não estamos assim tão inspirados a filosofia não, mas sempre surge um caso ou outro que se declina sobre o inusitado mundo filosófico. O desafio é imenso, por isso decidi me tornar professor do ensino médio, e causar esse grande sabor pelo filosofar ao alunos do estado. Mas até então no meu estágio, só me espanto com tanta profundidade e facilidade que você tem ao tratar tantos temas com tamanho conhecimento e precisão, estarei sempre olhando seus textos para meu aprendizado. Abraços e parabéns. Serei um divulgador do seu material aqui no Brasil.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem-vindo! Obrigado: já adicionei seu blogue na minha lista de actualizações. Penso que portuenses e brasileiros devem cooperar na busca da verdade. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya, São Paulo tem muitas editoras e tenho uma boa amostra de livros publicados aí. :)