Os Incas foram grandes construtores de cidades: a sua arte monumental inscreve-se na tradição arquitectónica das terras altas andinas que se iniciou em Kotos, em meados do II milénio, para se desenvolver na época Chavin e chegar ao apogeu na época Tiahuanaco. A tradição das terras altas caracteriza-se pelo uso da pedra como material de construção, uso este que a distingue da tradição do litoral que utilizava exclusivamente o adobe como material de construção. Cuzco foi construída como uma verdadeira metrópole, que cada imperador, pelo menos desde Pachacuti, procurou embelezar cada vez mais, aproveitando os recursos de mão de obra e de matérias primas que as suas conquistas lhes proporcionavam. Nas províncias submetidas ao domínio imperial, agrupavam uma parte da população em centros urbanos criados por eles. Os soberanos incas estavam de tal modo interessados no urbanismo que obrigavam os arquitectos a traçar em argila o plano das cidades ou dos edifícios que se propunham construir. A disposição regular das ruas que se cortavam em ângulo recto e desembocavam em praças testemunha essa preocupação urbanística: os incas possuíam um conceito racional da cidade modelo que era aplicado exclusivamente na construção dos centros religiosos, administrativos e militares. Os levantamentos topográficos das cidades incas, cujas ruínas subsistem até aos nossos dias, permitem vislumbrar o seu plano geral: grandes praças, ruas estreitas entrelaçadas como em tabuleiros de xadrez e blocos rectangulares encerrados, pelo menos na costa, dentro de muralhas. Muitas povoações mais não eram do que um conjunto de kancha, isto é, de grupos de três ou quatro casas dispostas no interior de um recinto rectangular. Nas imediações das cidades que obedeciam a um plano determinado, havia outras que cresciam um pouco ao acaso ao longo dos caminhos ou das estradas que conduziam ao centro ocupado pelos templos e palácios senhoriais. Muitas cidades indígenas eram um conjunto de edifícios públicos habitados por membros do clero e por funcionários públicos. O pessoal subalterno atribuído a estes dignatários ficava alojado em cabanas, das quais não resta nenhum vestígio arqueológico. Por isso, as ruínas de certos edifícios erguem-se no meio de lugares que parecem nunca ter sido habitados. Os recursos necessários para garantir o estilo de vida dos dignatários que viviam nestes centros religiosos ou administrativos provinham de povoações próximas. A capital Cuzco, com uma população de cerca de trezentos mil habitantes, era um mero conglomerado de vilas e burgos dispersos em redor dos templos e das residências reais e senhoriais. Depois da conquista espanhola, as vilas foram convertidas em paróquias independentes que, com o decorrer do tempo, se transformaram em bairros da cidade moderna, conservando as suas antigas denominações. A imponência das ruínas das cidades incas, bem como a sua beleza intacta observada por Pizarro e Pedro Sánchez de Hoz antes da sua destruição, dissimula a simplicidade das concepções arquitectónicas dos incas: os palácios, os templos e as residências senhoriais reproduzem numa escala mais grandiosa a humilde cabana do camponês quechua que subsiste nos vales andinos até aos nossos dias. Quatro muros de pedra ou de adobe (tijolo de terra seca ao sol), um tecto em ponta coberto de palha, uma porta e alguns nichos interiores: eis as características que os edifícios mais complexos partilham com as cabanas dos camponeses. A monotonia do plano e a severidade das fachadas eram compensadas pelos seus acabamentos quase perfeitos. Os melhores exemplos da obra dos incas encontram-se em Cuzco: os vestígios existentes são alicerces ou fundações sobre os quais foram construídos os edifícios coloniais. Os templos e os palácios eram construídos sobre um único nível, a partir de uma base rectangular. As pedreiras vizinhas forneciam a rocha, em especial a andesita, que era talhada por meio de instrumentos de cobre ou de bronze e depois cuidadosamente polida com areia húmida. Umas vezes a construção destes muros era feita de blocos poligonais irregulares que se ajustavam tão perfeitamente uns aos outros como as células de um tecido orgânico, de modo que não se podia introduzir uma agulha na sua junção. Outras vezes eram formados de blocos rectangulares dispostos em assentamentos ou fileiras regulares, cuja face externa, ligeiramente abaulada, apresentava o aspecto de uma almofada. Estes dois tipos de construções são contemporâneos e encontram-se combinados em numerosas estruturas arquitectónicas, particularmente nos templos e palácios. Um terceiro tipo de acabamento consiste em talhar pedras de maneira regular e encaixá-las tão cuidadosamente que oferecem à vista uma superfície lisa. A diversidade dos acabamentos explica-se pela finalidade dos muros: os grandes blocos irregulares eram utilizados para os muros dos terraços e dos recintos dos currais, enquanto o acabamento rectangular em andesita era utilizado para o corpo dos edifícios, servindo para enquadrar uma porta numa parede com desenho celular. O principal traço da arquitectura inca é a forma trapezóide dada às aberturas - portas, janelas e nichos, cuja viga, mais estreita que a base, repousa sobre braços oblíquos e convergentes. A maior parte dos edifícios incas era de uma única planta, mas em Machu-Picchu eram frequentes as casas de dois pisos. De modo excepcional, o templo de Viracocha tinha três pisos. Cuzco, que foi invadida em 1533 pelos espanhóis comandados por Pizarro, era rematada pela gigantesca fortaleza de Sacsahuaman. As fortalezas de Sacsahuaman e de Ollantaytambo (alto vale do Urubamba) são exemplos da arquitectura militar dos incas. O pukara - a praça forte - de Ollantaytambo era cercado por duas muralhas sucessivas que, como a tríplice rampa de Sacsahuaman, são formadas de blocos megalíticos em construção ciclópica. Os edifícios prendem-se ao flanco de uma colina natural dominada por uma torre enorme e, junto desta colina, estendia-se uma grande aglomeração da qual restam os alicerces. As casas dessa aglomeração e sobretudo as casas de Machu-Picchu demonstram o estilo inca de construção civil: a planta quadrangular, em função da qual se ordenavam, distinguia-as das habitações familiares de base circular que prevaleciam nos Andes, sobretudo no centro e no norte das terras altas. As suas paredes eram construídas com tijolos secos ou pedras brutas unidas com terra e sustentavam um telhado cujas águas formavam um ângulo acentuadamente agudo. A porta em trapézio, que frequentemente constituía a única entrada da casa, era vedada por uma cortina de pele, palha ou bambu. A arquitectura monumental dos incas difundiu-se nas províncias do Império, mas o mesmo não sucedeu com a sua arquitectura civil. As principais aglomerações urbanas que os incas edificaram no centro dos territórios conquistados foram, entre outras, Tumipampa, Cajamarca, Huánuco, Jauja, Huaytará e Vilcashuaman, muitas das quais funcionavam como centros administrativos, militares e cerimoniais, raramente ocupados por populações numerosas e estáveis. Estes centros, com excepção de Tambo Colorado no baixo vale de Pisco, não sobreviveram às guerras que acompanharam a invasão espanhola: os espanhóis saquearam e destruíram quase toda a obra dos incas. (De todos os colonizadores europeus os espanhóis foram os mais brutais, violentos, saqueadores e destruidores, talvez porque tenham sido confrontados com civilizações mais sofisticadas que a sua própria cultura. Os ingleses foram inteligentes e os portugueses - coitados dos portugueses! - nem sequer foram bons etnógrafos.) Sobre a civilização inca recomendo a leitura destas obras: Métraux, Alfred (1961). Les Incas. Paris: Éditions de Seuil.
Favre, Henri (1972). Les Incas. Paris: PUF.
Murra, John V. (1978). La Organización Económica del Estado Inca. México: Siglo XXI.
Rowe, John H. (1946). «Inca Culture». In Handbook of South American Ethnology. Washington, D.C.: Smithsonian Institution, Bureau of American Ethnology.
Spence, Lewis (1920, 1995). México y Perú. Madrid: M.E. Editores.
Krickeberg, Walter (1928, 1994). Mitos y Leyendas de los Aztecas, Incas, Mayas y Muiscas. México: Fondo de Cultura Económica.
Godelier, Maurice (1973). Horizontes da Antropologia. Lisboa: Edições 70.
J Francisco Saraiva de Sousa
4 comentários:
No Douro e no Porto, temos paisagens vivas que fazem lembrar Macchu-Picchu: O Douro tb é fantasia geográfica. :)
Interessante artigo sobre a arquitectura inca.
No entanto, e sem querer pôr em causa as fontes citadas, presumir que Tiahuanaco é obra inca é pura fantasia. A cidade que se encontra no Altiplano boliviano dificilmente poderá ter tido algo a ver com o Império Inca, uma vez que já estava abandonada muito antes do início do mesmo. Seria mais ou menos o mesmo que dizer que Teotihuacan é obra dos Aztecas. Tiahuanaco é uma cidade muito particular, e é hoje comummente aceite que é desconhecida a sua origem, bem como a sua idade. A famosa Porta do Sol, ex-libris da cidade, apresenta um ambíguo calendário solar que parece indicar uma antiguidade fora do período histórico convencional. A representação repetitiva de mamutes e estranhos felinos de dentes salientes, sugerindo a existência de tigres de dente de sabre aquando da sua construção, e recordando que ambas as espécies entraram em extinção na América do Sul mais cedo que na Europa e América do Norte, sugerem uma espantosa data de fundação que remonta a 9000 a.C. A existência de uma pirâmide na cidade exclui os Incas da sua construção, pois não era um dos traços distintivos da arquitectura Inca.
A capital inca, Cuzco, é de facto uma obra dos Incas, mas a dúvida permanece em relação aos três outros locais mencionados, Ollantaytambo, Sacsayhuaman e Machu-Pichu. Mau grado a utilização dada pelos Incas a estes locais, está ainda por explicar porque razão estas construções tinham uma escala completamente diversa à que os Incas utilizavam frequentemente. Particularmente Sacsayhuaman tem mais discrepâncias com a arquitectura Inca que pontos de contacto.
Sim, há muita coisa que ainda não compreendemos. É por isso que estas culturas são fascinantes.
Porém, não disse que Tiahuacano era uma cidade inca. No Perú sucedeu a mesma coisa que no México: a civilização Chavin foi mais ou menos contemporânea dos olmecas e desempenhou o mesmo papel de primeira civilização. Os incas e os maias foram os herdeiros dessas civilizações mais antigas.
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