terça-feira, 22 de junho de 2010

Prós e Contras: Visões do Futuro

Prós e Contras debateu hoje (21 de Junho) o futuro da Europa e de Portugal. Mário Soares, António Vitorino, Ângelo Correia e Boaventura Sousa Santos protagonizaram visões diferentes neste debate moderado por Fátima Campos Ferreira, mas partilharam o mesmo desígnio: esclarecer os portugueses e travar a grande batalha do futuro de Portugal no seio de uma Europa refundada. Fátima Campos Ferreira colocou duas questões: O que vai acontecer à Europa?, O que vai acontecer a Portugal?. Estas duas questões estão intimamente ligadas entre si, porque nenhum dos participantes concebe o futuro de Portugal fora do quadro da União Europeia. Como disse António Vitorino, o ponto de equilíbrio só pode ser alcançado ao nível europeu: quer dizer que não há soluções nacionais para a crise profunda em que vivemos, uma crise desencadeada pelo triunfo do neoliberalismo e do capitalismo financeiro. Engels captou a temporalidade predominante do capitalismo a partir da sua lógica da busca de lucros imediatos: a perspectiva da lucro imediato priva o capitalismo de uma visão de futuro. O capitalismo não tem futuro: a noção de eternidade - o eterno presente - que se instalou nas sociedades europeias com o triunfo do neoliberalismo mostra a aversão natural do capitalismo pelo futuro. A economia de mercado é incapaz de pensar o futuro novo ou mesmo de respeitar o passado e o seu legado, sacrificando-os no altar de um eterno presente autodestrutivo: a grande política é aquela que supera o imediatismo fatalista da economia e ousa sonhar o futuro novo.
A Europa. A questão europeia não foi completamente consensual, não tanto por causa da visão de futuro para a Europa, mas sobretudo por causa do diagnóstico da própria crise europeia. Embora todos tenham reconhecido que a Europa está a atravessar uma crise profunda (Mário Soares), houve algumas divergências ou clivagens quanto às razões que conduziram a esta crise. Mário Soares denunciou o mau comportamento da Alemanha que, ao entrar tarde e ao decidir tarde, gerou a actual crise europeia. Boaventura Santos responsabilizou a Alemanha pela crise europeia, advogando que os países do sul não devem pagar as suas dívidas públicas. Mas esta solução não foi aceite por Ângelo Correia e António Vitorino. Para Ângelo Correia, ir buscar dinheiro ao estrangeiro, em especial à Alemanha, para consumir aquilo que não se produz internamente, não é solução. A Europa encontra-se no meio da ponte (Ângelo Correia): ou avança para o futuro novo ou recua para os nacionalismos bárbaros. A solução construtiva e produtiva só pode ser refundar a Europa (Ângelo Correia, Mário Soares): a união política da Europa é fundamental para a união económica e monetária. Porém, o desacordo surgiu quando os participantes foram confrontados com a questão dos agentes da mudança: a crise das lideranças europeias bloqueia o futuro. Como podemos sonhar e realizar o futuro novo com estas elites medíocres? Mário Soares acredita que vai haver gente para refundar a Europa: as lideranças fortes aparecem nos momentos de dificuldade, como testemunha a história recente, mas Boaventura Santos não acredita que as novas elites possam surgir no vazio. A história mostra que as elites surgem a partir de movimentos sociais. Ora, a Europa que foi construída sem a participação das pessoas (Ângelo Correia) adormeceu nestas últimas décadas, pensando que o Terceiro Mundo era lá fora (Boaventura Santos), quando na verdade ele está, neste mundo global - entregue à imprevisibilidade dos mercados financeiros, aqui mesmo na Europa, na medida em que o neoliberalismo procura destruir o nosso modelo social europeu. Ser europeísta é ser contra o controle dos mercados financeiros. Mário Soares defende o desaparecimento do capitalismo financeiro. A política não pode ser refém da economia e os políticos devem libertar-se da sua dependência da economia. Mas esta não é realmente a perspectiva de Mário Soares: ao negar que a política - isto é, a imaginação política - está efectivamente refém da economia, Mário Soares esquece que o neoliberalismo é precisamente a política refém da economia. A escolha entre ser um museu ou projectar um futuro novo - com base na ciência, na tecnologia e na cultura - proposta por Ângelo Correia está mais de acordo com o espírito que move a Esquerda genuína. A Europa que foi construída até aqui sem a participação dos cidadãos europeus deve ser refundada e reinventada escutando a voz da cidadania europeia silenciada pelos eurocratas.
Portugal. Mário Soares recordou que, depois da descolonização, a Europa era o único destino para Portugal. A decisão de entrar na União Europeia e na zona Euro foi, portanto, uma decisão histórica de futuro: Somos um país europeu, estamos na Europa e queremos ser Europa, como disse António Vitorino. Mas, para garantir o nosso futuro europeu, precisamos resolver a nossa própria crise estrutural, agravada pela crise mundial, porque, como frisou Ângelo Correia, a nossa crise não foi inteiramente exportada do estrangeiro (Mário Soares). Portugal precisa elaborar uma visão de futuro: o ajustamento das contas públicas não é suficiente para nos livrar da crise e nos garantir um mundo melhor. Não há crescimento económico sem acesso ao crédito, o que acarreta o aumento galopante do nosso endividamento, mas como na actual situação este acesso vai ser cada vez mais difícil, torna-se necessário definir prioridades (António Vitorino), tendo como pano de fundo um acordo estratégico sobre o sentido geral do país que envolva todos os portugueses, governantes e governados. O optimismo militante de Mário Soares leva-o a negar algumas evidências: o facto de Portugal ser um país pequeno - em termos de território e em termos demográficos - e relativamente atrasado, sobretudo no plano cultural. Aquilo que Mário Soares diz que já somos é aquilo que pretendemos ser num futuro próximo: fazer do futuro almejado o já presente realizado é fechar as portas ao futuro novo. O optimismo de Mário Soares - lamento dizê-lo - cheira-me a conservadorismo - a apologia do instituído e a conservadorismo de legado próprio: o 25 de Abril só pode ser legitimamente nomeado para iluminar a acção que visa transformar qualitativamente a sociedade portuguesa, reinventando-a constantemente. Para alcançar o aumento da produtividade e das exportações e o fortalecimento do mercado interno (António Vitorino), precisamos reinventar a sociedade portuguesa, mudando de métodos e de comportamentos (Ângelo Correia). Só a reinvenção da sociedade portuguesa - a partir de um imaginário radical instituinte - pode garantir e fortalecer a nossa ancora na Europa e, ao mesmo tempo, alargar os nossos braços até às Américas - em especial ao Brasil e aos USA, à África - Angola e Moçambique, ou mesmo à Ásia - China. Descobrir mundo é o único meio que dispomos para influenciar a Europa: a nossa grandeza reside - e sempre residiu - no descobrimento do mundo: cultivar a lusofonia é uma prioridade portuguesa (Mário Soares).
J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Termino o post à tarde: agora estou com sono. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O post está concluído.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, evitei repetir tudo aquilo que tenho dito quando comento este programa da RTP1 ou quando escrevo sobre Portugal e o mundo. Fico feliz por constatar que os leitores sabem complementar as leituras: os posts destacados revelam isso - uma articulação inteligente do meu pensamento político e filosófico. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O título certo era - Visões de Futuro, mas enganei-me e já não altero por causa do endereço. :)

Alberto Colima disse...

Também estou de acordo com os ilustres citados. O futuro do debate político está nos centros de decisão europeia. Porém, se partirmos do princípio que a globalização e a plurilocalização dos centros de decisão são fenómenos irreversíveis, não custa acreditar que o espaço nacional eleito tornar-se-á obsoleto. Não vi o debate, mas gostaria de saber se os participantes exploraram devidamente as implicações desta evolução para a democracia representativa.