«Quando medito na pequena duração da minha vida, absorvida na eternidade que precede e na que segue, o pequeno espaço que preencho e mesmo que vejo, abismado na infinita imensidão dos espaços que ignoro e que me ignoram, assusto-me e admiro-me de me ver aqui, e não ali, pois não há razão nenhuma para estar aqui, e não ali. Porquê no presente, e não noutro tempo? Quem me pôs aqui? Por ordem e acção de quem este lugar e este tempo me foram destinados, a mim? Memoria hospitis unius diei praetereuntis. /O silêncio eterno destes espaços infinitos apavora-me». (Blaise Pascal)
«La tragédie est un jeu, un jeu de l'homme et de sa destinée, un jeu dont Dieu est le spectateur. Mais il n'est que spectateur, et jamais ni ses paroles ni ses gestes ne se mêlent aux paroles et aux gestes des acteurs. Seuls ses yeux reposent sur eux. /Peut-il encore vivre, l'homme sur lequel est tombé le regard de Dieu?». (Georg Lukács)
«O homem é visivelmente feito para pensar. É essa toda a sua dignidade e todo o seu mérito. E todo o seu dever é pensar com acerto. Ora a ordem do pensamento é começar por si mesmo, e pelo seu autor e o seu fim. /Ora em que pensa o mundo? Nunca em tais coisas; mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em correr à argola, etc.; em bater-se, em fazer-se rei, sem pensar no que é ser rei e ser homem.» (Blaise Pascal)
A tragédia está na ordem do dia, pelo menos para aqueles que se sentem estranhos neste mundo que caminha, a passos acelerados, para a catástrofe e para o ocaso. Jean-Marie Domenach fez do retorno do trágico uma filosofia da história, mas coube a Georg Lukács pensar a metafísica da tragédia a partir da obra de Paul Ernst: a vida trágica opõe-se à vida empírica quotidiana, tal como a vida autêntica se opõe à vida inautêntica na ontologia fundamental de Heidegger. Infelizmente, a evolução do pensamento filosófico de Lukács ainda não foi estudada: a Escola de Budapeste, fundada por Lukács, foi injustamente eclipsada pela Escola de Frankfurt, donde resultou o fatídico esquecimento da obra dos seus continuadores, tais como Agnes Heller, György Márkus, Lucien Goldmann e Joseph Gabel. Em termos de concepção do homem, captamos facilmente a sequência de três visões do homem: a visão do homem trágico, desenvolvida na História da Evolução do Drama Moderno (1911) e no Diário inédito (1910-11), que apresenta o suicídio como forma de solução do conflito trágico; a visão do homem utópico, elaborada em Sobre a Pobreza de Espírito (1911), A Alma e as Formas (1910), Cultura Estética (1913), Estética de Heidelberg (1912-1916) e A Teoria do Romance (1916), que descobre no refúgio estético a possibilidade utópica de transcender o círculo trágico; e a visão do homem socialista, explanada em História e Consciência de Classe (1923), A Destruição da Razão (1954), Estética (1963) e Ontologia do Ser Social (1971). Cada um destes períodos da evolução filosófica de Lukács revela «variações» e tensões internas e, se confrontarmos a última Estética com a Estética de Heidelberg, constatamos que Lukács reteve na maturidade o essencial do seu pensamento de juventude, que esboça de modo superior a primeira versão do existencialismo - o de Heidegger, por exemplo - no quadro da Filosofia do século XX. O refúgio da teoria crítica no estético foi tematizado pela primeira vez pelo jovem Lukács: a teoria estética de Adorno herda-o sem no entanto superar o seu «momento» individualista de retiro, a manifestação da impossibilidade trágica de descobrir uma solução para a possibilidade humana dentro das formas capitalista de vida. A dialéctica está próxima e, ao mesmo tempo, distante do pensamento trágico: a dialéctica transcendental de Kant (Crítica da Razão Pura) ajuda a compreender a relação ambígua entre a dialéctica e a tragédia. O abandono da reconciliação - e da síntese - devolve à dialéctica o seu momento trágico: a dialéctica trágica - a recusa incondicional do mundo capitalista - é a única figura do pensamento adequada ao momento de catástrofe iminente que vivemos. A dialéctica trágica não abdica do projecto de construção de um mundo melhor. Porém, tal como a aposta pascaliana, a perspectiva futura de um mundo melhor não é uma certeza absoluta, até porque o processo histórico entregue à sua própria lógica imanente avança pelo seu «lado mau» (Marx): o futuro novo e melhor deve ser criado continuamente pela acção consciente dos homens que optaram pelo «socialismo» em detrimento da barbárie (Lenine). Os homens devem escolher entre o «socialismo» - a sociedade que luta permanentemente pela liberdade e pela justiça - e a barbárie e, se optarem pela construção de um mundo melhor, devem destruir a barbárie reinante que mata a aventura biológica na terra. Este elemento de destruição criadora faz da dialéctica trágica uma dialéctica sem perdão: os carrascos não podem nem devem ser perdoados, porque perdoar é esquecer o sofrimento passado. O trágico é o próprio homem. (Há aqui uma dialéctica complexa entre o trágico, o utópico e o ridículo, que é necessário recuperar para o marxismo. Enfim, precisamos de uma nova Fenomenologia do Espírito para renovar o marxismo. E, em Portugal, é impossível pensar: a malvadez dos portugueses é inimiga do espírito. Portugal é uma maldição!)
A luta permanente pela construção de um mundo melhor tem dois adversários de peso que ajudam a reproduzir as condições subjectivas e objectivas que garantem a perpetuação da injustiça e da escravidão: o fluxo do tempo e o homem velho e resignado. (:::) Em Sobre a Pobreza de Espírito, Lukács narra, em forma de diálogo, o seu próprio suicídio: a principal personagem deste diálogo (Lukács) encara o suicídio como a única possibilidade de adequação com o tipo de vida que transcende toda a forma, enquanto o autor (Lukács) descobre na possibilidade de dar forma à sua vivência, na criação da obra, a razão para não se suicidar. O suicídio é uma categoria da vida, que o autor utiliza para dizer que matou em si há muito tempo o homem velho para que pudesse nascer o homem novo, o homem criador da obra através da qual se manifesta o espírito. É este suicídio espiritual - muito próximo do suicídio empírico - que permite ao homem transcender a casta comum e a casta ética e integrar-se na casta estético-religiosa ou metafísica, cujo fruto é a obra. (:::) (Bem, vai ser difícil tematizar aqui a ideia de que a Esquerda tem sido o seu próprio coveiro: a dialéctica trágica deve elaborar todas as estruturas conceptuais necessárias para redefinir o seu projecto político - uma das quais é todo o movimento de temporalização. De momento, inscrita na conjuntura presente, a dialéctica deve tentar resgatar e salvar todo o passado, sem colonizar e hipotecar o futuro: abertura é o conceito que tenho utilizado para designar este movimento. É evidente que estes pensamentos dialécticos não se dirigem aos zombies vigaristas portugueses. Portugal merece o seu colapso. )
Conforme demonstrou Lucien Goldmann na sua obra Le Dieu Caché, a nobreza de toga desenvolveu em França - no século XVII - a visão trágica do mundo, em que o homem aparece despedaçado e dilacerado entre duas exigências contraditórias que o mundo não permite reconciliar: os Pensamentos de Pascal e as tragédias de Racine sistematizam esta visão trágica, mostrando que o homem é, ao mesmo tempo, grande e pequeno. Grande pela sua consciência, pela sua exigência de totalidade e de absoluto, e pequeno pela insuficiência das suas forças para realizar esta exigência. Segundo Pascal, «o homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza. Mas é um caniço pensante». «O pensamento faz a grandeza do homem» (Pascal): quer dizer que a única grandeza da criatura mais fraca da natureza é a recusa do compromisso e, implicitamente, a recusa do mundo e a crença na existência de um Deus - o Deus absconditus - e de uma eternidade que não são seguros. (:::)
(Em construção) J Francisco Saraiva de Sousa
4 comentários:
Portugal precisa de um Primeiro-Ministro que ame tanto o país como Pinto da Costa ama o FCPorto! E não vejo esse candidato a PM!
O PS já está à frente do PSD na intenção de voto dos portugueses! Passos Coelho enterrou-se vivo com o Fernando Nobre e com o facto de ter despromovido Portugal no mundo.
E viva o Futebol Clube do Porto que derrotou mais uma vez o Benfica - e o árbitro - por 3-1.
Penso que Pascal falhou ao tentar, racionalmente, justificar a religião.
Não que a religião precise ser justificada, e tampouco que lhe seja exigido o racional; mas apenas falhou nesse desiderato.
O homem de ciência dentro de si não escapou da tentação ou mesmo precisava) de racionalizar a fé.
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