«A Inquisição apresentava-se como um tribunal santo, um instrumento da justiça divina. Era em nome de Deus que processava, segundo as regras que resumimos atrás, confiscava e delapidava os bens dos mercadores abastados e que condenava, segundo o critério que também vimos, milhares de inocentes que morriam negando as acusações da sentença e declarando a sua fé católica. O ódio à Inquisição e a evidência flagrante da sua injustiça arriscavam-se a cair sobre Deus que ela dizia representar. A religião católica aparecia aos perseguidos sob a máscara odiosa dos Inquisidores». (António José Saraiva)
«Não acreditamos na dedução mais fácil e óbvia: que o homem é fundamentalmente brutal, egoísta e estulto na sua maneira de actuar, quando todas as superstruturas civis lhe são tiradas, e que o Häftling seria, portanto, o homem sem inibições. Julgamos, pelo contrário, que, em relação a isso, nada mais se pode concluir, a não ser que, diante das carências e do mal-estar físicos obsessivos, muitos hábitos e muitos instintos sociais ficam completamente silenciados». (Primo Levi)
«Na prisão, os trabalhos mais penosos só desenvolvem no criminoso o ódio, a sede dos prazeres proibidos, uma indiferença arrepiante. Por outro lado, o famoso sistema celular só atinge, estou disto convencido, um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e no fim apresenta-no-lo como modelo de correcção, de arrependimento, uma múmia moralmente dessecada e semilouca». (Fiódor Dostoiévski)
«O dinheiro é o ciumento deus de Israel, a cujo lado mais nenhuma divindade pode existir. O dinheiro rebaixa todos os deuses da humanidade e transforma-os em mercadorias. O dinheiro é o valor universal e auto-suficiente de todas as coisas. Por conseguinte, destituiu todo o mundo, tanto o mundo humano como a natureza, do seu próprio valor. O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; esta essência domina-o e ele presta-lhe culto e adoração. /O deus dos judeus foi secularizado e tornou-se o deus deste mundo. A letra de câmbio é o deus real do judeu. O seu deus não passa de uma ilusória letra de câmbio. /A nacionalidade quimérica do judeu é a nacionalidade do negociante e, acima de tudo, do financeiro». (Karl Marx)
No Facebook, Richard Zimler - o romancista luso-americano - apagou alguns dos meus comentários sobre a capa do seu último livro e bloqueou-me. O homem que diz combater o preconceito, em especial o preconceito étnico, é, ele próprio, muito pouco tolerante com aqueles que recusam fazer parte do rebanho dos "likes": o colectivo amorfo dos leitores submissos, passivos e aduladores. Zimler usa o Facebook para publicitar e promover as suas obras: o rebanho adula-o com aplausos e o ego do escritor incha de tal modo que se afoga no seu narcisismo primário, recusando o diálogo produtivo com aqueles que ousam pensar pela sua própria cabeça. Numa entrevista, Zimler diz que o herói é aquele que ajuda a salvar os outros. Ora, de acordo com a sua própria definição, Zimler não é um herói - é um anti-herói americano no sentido de eliminar os vestígios dos outros, de silenciar a sua voz e de falsificar a sua história. Zimler critica a Inquisição Portuguesa, mas ele próprio é um Inquisidor que confisca a palavra crítica para exibir uma série de aplausos que alimentam o seu self narcisista, infantil e egocêntrico. O infantilismo egocêntrico inerente à sua definição de herói percorre toda a sua obra: a relação que Zimler estabelece com as personagens dos seus romances é uma relação promíscua. O autor projecta-se nas personagens que cria, fechando-as no seu universo onanista: o autor-feiticeiro molda e manipula as suas personagens à sua própria imagem e obriga-as a viver fragmentos da sua própria vida. A simbiose gerada por esta relação promíscua impede a distinção entre o mundo interior e o mundo exterior e, onde não há esta distinção e a respectiva diferenciação interna, não pode haver história: o romance histórico de Zimler é pura masturbação de um feiticeiro - meio bushman, meio cabalista - que se idolatra a si próprio, diluindo o tempo histórico no tempo biográfico, como se o mundo fosse o prolongamento do seu próprio umbigo judeu. A articulação deste estado de indiferenciação com a noção de caça fornece a chave de leitura do universo literário de Richard Zimler: a criança-feiticeira - o autor e as suas máscaras - é uma caçadora que devora a noite num único gesto indiferenciado e indiscriminado de fusão místico-carnal.
Basta um gesto mesquinho do autor para anular todo o seu universo literário, pondo a descoberto a ideologia étnica que o estrutura: o gesto mesquinho de Zimler não é algo exterior à sua obra; ele atravessa-a de ponta a ponta, como o comprova este seu malévolo comentário da última obra de José Saramago: «Mas, naturalmente, nada disto mereceu a atenção de Saramago nem dos que reagiram às suas críticas ao Antigo Testamento. O que me traz ao aspecto mais perturbador e alarmante de toda esta tola controvérsia. Os jornalistas e os responsáveis religiosos portugueses de um modo geral trataram os comentários de Saramago como importantes! Graças a eles, os meios de comunicação deram-lhe mais tempo na televisão e mais espaço nos jornais do que a outras questões muito mais importantes. E alguns representantes da Igreja Católica atacaram-no com uma ferocidade emocional que revela bem que consideram tais opiniões sobre o Antigo Testamento como um obstáculo à fé. Mais uma vez, tal como salientei mais atrás, os comentários de Saramago não são nem chocantes nem novos. E apenas representam um obstáculo à fé para quem não tenha a menor ideia do que é e do que pretendia ser o Antigo Testamento. As críticas de Saramago são unicamente banalidades superficiais, que revelam uma profunda ignorância da filosofia e da religião ocidentais e uma total incompreensão da linguagem poética e narrativa de desde há mais de três mil anos. Só quem ignora tal herança, jornalistas e responsáveis religiosos incluídos, poderia tornar o patético desabafo do romancista numa tal polémica. E, para mim, essa foi a parte mais desanimadora e mais perturbante de toda esta "inventada" notícia: descobrir que na sociedade onde vivemos, entre os seus membros mais ilustres e cultivados, possa prolongar-se tão lastimosa ignorância de uma parte importantíssima do legado civilizacional da filosofia e da cultura ocidentais». Zimler denigre a imagem intelectual de José Saramago, como se ele - o pigmeu judeu vindo da América - fosse o herdeiro de uma tradição cultural que não lhe pertence: os disparates históricos e teóricos ditos neste texto revelam as medidas modestas do seu cérebro que tenta desesperada e tolamente derivar o legado da Civilização Ocidental da cultura primitiva, bárbara e arcaica de um "povo de escravos" (Nietzsche), fazendo da História um confronto entre judeus e não-judeus. Penetrar filosoficamente este texto odioso, néscio e invejoso de Zimler é captar o núcleo forte da ideologia étnica - o judaísmo mórbido - que se manifesta no interior da sua obra, opondo-lhe a marca de origem da cultura ocidental: o nascimento da Filosofia nas cidades da Grécia Antiga. José Saramago é herdeiro do espírito grego e o seu romance Caim filia-se directamente à tradição inaugurada pela obra Os Persas de Ésquilo - tradição literária completamente estranha a Zimler. (Sobre o Caim de José Saramago veja aqui.)
J Francisco Saraiva de Sousa
3 comentários:
Estou satisfeito com a recepção deste post! :-)
E, por isso, acrescentei um novo parágrafo ao texto! :))
Ah, e acrescentei um texto de Karl Marx! :)
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