quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Construção Colonial de Moçambique

Mapa Cor-de-Rosa (1886): Pretensão de Portugal a exercer
soberania sobre os territórios entre Angola e Moçambique: Zâmbia,
Zimbábue e Malawi.
«Em demanda das especiarias, e unicamente delas, é que os Portugueses se tinham lançado ao descobrimento dum caminho marítimo para a Índia. De modo algum em busca do ouro. As suas preocupações em relação à costa oriental de África giravam todas em volta da segurança e comodidade das viagens comerciais por esta rota que acompanha de largo quase todo o litoral africano do oceano Índico. E no entanto desde 1500 o senhor do ouro da Mina e de Cantor pretende participar no tráfico do ouro do Monomotapa. /Se em 1488 Bartolomeu Dias, conquanto desembocando no oceano Índico, se deteve muito antes da entrada do canal de Moçambique e não pôde assim ouvir falar das minas de ouro da África sul-oriental, três anos depois o nome de Sofala ressoava na corte portuguesa, graças às cartas e relatórios vindos por via do Levante. /Em consequência destas informações, teriam sido dadas instruções a Vasco da Gama no sentido de saber de Sofala e do seu ouro? É plausível; mas o objectivo da expedição não era de forma alguma o precioso metal: eram unicamente as especiarias.» (Vitorino Magalhães Godinho)


Infelizmente, depois da maldita descolonização, os portugueses esqueceram as suas ex-colónias ultramarinas. Neste mundo global, torna-se necessário revisitar o colonialismo e libertá-lo de toda a ideologia que ameaça a dominação ocidental: o Ocidente não pode esquecer que conquistou o domínio do mundo graças ao colonialismo. A noção de domínio é muito contestada, mas não há forma de nos livrarmos dela sem cair sob o domínio de povos bárbaros. O mundo não-ocidental aguarda ansiosamente a queda do Ocidente, mas nós ocidentais que temos exercido o domínio ainda não estamos vencidos: o que precisamos de fazer é mudar radicalmente de política - interna e externa - e livrar o nosso universo mental das perigosas ideologias humanistas. Zelar pela memória de geografias imperiais de épocas passadas tem o efeito fantástico de abrir novamente a nossa mente ao mundo exterior, o mundo que conspira a nossa queda, como se pudesse haver uma civilização da liberdade sem os agentes que a construíram e a deram ao mundo bárbaro. O que é que nos impede de reconquistar pela força das armas o mundo que sonha com a nossa queda? A história do homem foi sempre-já a história da dominação e não adianta sonhar com um futuro liberto da dominação: todas as utopias que apregoam o fim da dominação ajudam os bárbaros na sua luta pela conquista do domínio. Reparem bem nesta conjuntura mundial: a civilização ocidental tem, pelo menos neste momento, três rivais, a civilização islâmica, a civilização chinesa e, em menor grau, a civilização indiana, todas elas civilizações demasiado velhas que não conseguiram promover uma cultura mundial da liberdade. Elas subsistem parasitando os espaços abertos pela civilização ocidental, para a qual não são verdadeiramente alternativas. O triunfo de qualquer uma delas implicaria uma medonha regressão civilizacional e, de todas elas, a que alimenta esse sonho expansionista é precisamente aquela que todos nós - talvez por razões de natureza genética - odiamos: a cultura chinesa, essa praga de insectos amarelos que devoram todas as formas de vida do nosso planeta azul. Não há forma de vida humana e animal que consiga coexistir com os chineses, cujos cérebros funcionam de maneira diferente dos nossos próprios cérebros que criaram a cultura da liberdade. A indiferenciação chinesa, desde logo evidenciada na dificuldade que sentimos quando procuramos diferenciá-los pelo rosto, aterroriza o comum dos mortais: a verdadeira humanidade teme a indiferenciação. Este horror que sentimos pelos chineses deve-se ao facto de eles ameaçarem liquidar a nossa individualidade. Se não tivesse lido a obra de Robert Van Gulik sobre a vida sexual dos chineses, diria que eles não se reproduzem por via sexual: os nossos olhos vêem apenas clones e mais clones, uma infinidade de clones movidos pelo impulso de devorar a nosso belo planeta, as barbatanas dos tubarões e os chifres dos rinocerontes. A China é um filme de terror em acção, e nós ocidentais que lutámos pelo triunfo da individualidade devemos ser solidários com os japoneses que, neste momento, são alvo da pressão chinesa, e com os povos africanos, cujas florestas estão a ser destruídas para alimentar a gula económica chinesa: os chineses comportam-se como autênticos aliens; eles não são pessoas como nós que prezamos a individualidade e a liberdade; eles são coisas que invadem o nosso planeta. Será necessário acrescentar mais palavras a esta descrição para antecipar mentalmente o aniquilamento da vida humana sofisticada em caso de um eventual triunfo chinês? E valerá a pena perder tempo a imaginar o cenário correspondente ao triunfo da civilização islâmica? Qualquer um desses cenários mostra que não há futuro fora - ou para além - do Ocidente. Mas o que está aqui em causa não é o "elemento humano", que usei para evidenciar a ideia de aniquilamento global, mas a incapacidade destas culturas para promover a confiança entre os diversos povos da terra e proteger a natureza. A explosão demográfica que se manifesta na China e na Índia ameaça fatalmente a natureza, e a sua entrada na via do desenvolvimento conduz à catástrofe. O que está em jogo é o futuro do planeta e da aventura humana. 


O título deste texto deixa adivinhar a teoria do colonialismo que não pretendo elucidar de momento, e a figura que o acompanha - o Mapa Cor-de-Rosa - aponta desde logo para a noção activa de construção de novas geografias. O meu objectivo é preparar o terreno para a elaboração futura de uma teoria da construção colonial de Moçambique. O preconceito anticolonialista não ajudou as novas nações africanas a conservar o ritmo de desenvolvimento alcançado durante o seu período colonial: a ruptura com o passado colonial foi-lhes fatal, isolando-as do mundo ocidental desenvolvido e devolvendo-as a um passado quase-tribal. Moçambique como construção colonial portuguesa é muito mais do que uma mera conquista de território e a submissão dos seus habitantes: é, antes de tudo, a construção de uma nova realidade sócio-política e de uma nova geografia física e mental. Dizem os ideólogos fanáticos da Frelimo que o "povo moçambicano" tem uma história. Sim, é verdade que o povo moçambicano tem uma história, mas os horizontes do seu mundo histórico foram determinados pelas coordenadas de cartógrafos remotos: os portugueses que colonizaram a costa oriental de África, dando unidade ao território e às populações que o habitavam. Tanto o território moçambicano como o próprio povo moçambicano são produções coloniais dos portugueses. Moçambique enquanto tal não tem uma história anterior à colonização portuguesa: escrever uma história de Moçambique sob o "ponto de vista moçambicano", recuando a um passado pré-histórico e pré-colonial, implica a fragmentação da própria entidade a que se chama Moçambique e que é, como se sabe, uma produção colonial portuguesa. Os moçambicanos podem e devem reinterpretar a sua história, sobretudo a sua história como nação independente, na certeza de que a realidade em que se encontram foi produzida e pré-definida pelos colonizadores portugueses. Infelizmente, ainda não possuímos uma História de Moçambique digna de confiança científica: os portugueses escreveram muito sobre Moçambique, mas não produziram uma história integral desta colónia portuguesa, tal como Jaime Cortesão fez com o Brasil e o Império do Oriente. Os ideólogos fanáticos da Frelimo só produziram falsificações da história de Moçambique, cujo resultado prático e real foi a destruição das infra-estruturas coloniais construídas pelos portugueses. A ditadura de Samora Machel empobreceu Moçambique, devolvendo-o à miséria e levando-o a uma prolongada guerra civil que devastou todo o território e o seu património histórico e natural. Para exercer o seu domínio total, Samora Machel tudo fez para expulsar da lembrança dos moçambicanos o seu passado colonial. A sua política da memória histórica foi de lés a lés uma política terrorista que tentou aniquilar o passado colonial, sujeitando-o ao esquecimento compulsivo. Só um ditador sem escrúpulos seria capaz de ter a terrível ideia de recriar o mundo, aniquilando a obra dos mortos e expulsando os vivos que zelavam pela sua memória. Nada é mais estranho ao marxismo do que a reificação da história. O colonizador europeu não pode ser responsabilizado pelo atraso histórico e cognitivo dos povos colonizados; pelo contrário, o colonizador abriu-lhes as portas do futuro, tentando fazer dos colonizados protagonistas de um novo mundo. E, se hoje os ex-colonizados podem reinterpretar a sua história, acusando injustamente os colonizadores pelas suas desgraças recentes, é porque herdaram dos seus "inimigos" - como dizia a Frelimo - os instrumentos cognitivos de uma civilização superior que dizem odiar. Depois de ter lançado o conceito de desenvolvimento desigual, Marx (1857) afirmou com razão que «a história universal não existiu sempre», sendo portanto resultado das Descobertas e do colonialismo. Em vez de apresentar uma teoria já elaborada da construção colonial de Moçambique, limito-me - neste texto preparatório - a destacar algumas datas importantes da sua construção histórica, com o objectivo de mostrar que a colonização portuguesa do território de Moçambique - ele próprio uma produção colonial - ocorreu por fases:


1490: Pêro da Covilhã estabeleceu o primeiro contacto de portugueses com o território que viria a ser Moçambique, ao visitar Sofala para colher informações que muito importavam a D. João II.
1498: Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia avistou e tocou vários pontos do litoral moçambicano. Desde então os Portugueses ficaram definitivamente ligados à costa oriental africana que, pela sua situação e pelas suas possibilidades comerciais, servia de base à travessia do oceano Índico e à permuta do ouro extraído na região do Monomotapa. Nos finais do século XV, os portugueses encontraram nestas costas uma grande variedade de tipos culturais: negros - um mosaico de diferentes etnias, árabes, turcos, indianos e provavelmente alguns chineses. O que condicionou na altura o domínio permanente de alguns locais estratégicos, tais como Sofala, Moçambique, Melinde, Quiloa e Mombaça, foram as bases marítimas, os metais preciosos, o marfim e, mais tarde, os escravos. O domínio português começa com o estabelecimento de feitorias em Sofala e Moçambique e com contactos ocasionais noutros sítios, em especial a baía de Lourenço Marques. A colonização propriamente dita terá início mais tarde.
1544: A baía da Lagoa foi explorada por Lourenço Marques e António Caldeira, fixando um nome que viria a ser fundamental na corografia da região. O domínio português estabeleceu-se em zonas por vezes distantes umas das outras, sem continuidade nem profundidade de penetração sistemática através do processo tradicional das capitanias e dos feitores. Convém fixar este padrão: os portugueses criaram muitas capitanias ao longo dos séculos, umas foram abandonadas - Mombaça e Quiloa, por exemplo -, enquanto outras permaneceram firmes, tendo funcionado como núcleos à volta dos quais acabará por construir-se a continuidade e a futura colónia. Em 1505, o comércio do ouro tornou-se monopólio da coroa portuguesa. No entanto, os portugueses e os "moiros amigos" podiam obter licença régia para nele participar.
1571: A expedição de Francisco Barreto e de Vasco Fernandes Homem pelo sertão - Sena e Tete - foi o empreendimento emblemático da fase seguinte: a fase da penetração nos sertões moçambicanos, tendo em vista apoderar-se das terras do Monomotapa onde o ouro era extraído. Como escreveu Vitorino Magalhães Godinho: «A irradiação e a penetração dos portugueses em profundidade sucedia à simples presença comercial e militar em alguns pontos do litoral, inaugurando por seu turno um período de relações complexas entre os intrusos e os indígenas; aqueles começam a povoar a terra, controlam certas vilas ou vilórias e certos caminhos, possuem alguns encraves. Por seu lado, a coroa portuguesa afirma cada vez mais a sua supremacia sobre os chefes bantos e intervém mesmo no coração do continente, não só por meios diplomáticos, mas também militarmente, embora mantendo as autoridades nativas e sem proceder à ocupação de vastos territórios contínuos». O contrabando e a fraude tornaram este sistema muito pouco rentável e, por isso, foram ensaiados outros processos para garantir nas mãos dos portugueses o comércio e a exploração do ouro. O ouro seguia para a Índia, onde era trocado por mercadorias ou amoedado. O tráfico de cobre e de marfim levou os portugueses a estabelecer feitorias na baía da Lagoa, cujo comércio se desenvolveu muito na primeira metade do século XVII. As relações comerciais e administrativas de Moçambique processavam-se basicamente com a Índia. No entanto, em certa altura do século XVI, Moçambique chegou a fazer parte de uma capitania efémera sediada em Sofala e separada do Estado da Índia. A penetração militar para o Monomotapa e o domínio directo das regiões produtoras de metais preciosos tiveram lugar ao findar o reinado de D. Sebastião, quando Portugal pouco depois passou a girar na órbita da política espanhola. A união com Espanha corresponde a um período negro da colonização portuguesa, o qual coincide com o agravamento da situação no Oriente. Às dificuldades com os indígenas somou-se o surto de concorrentes singularmente perigosos: os outros Europeus - ingleses, holandeses, franceses e austríacos - que desejavam substituir-nos, perturbando as nossas relações com os indígenas e ocupando centros donde nos hostilizavam. 
1604: A fortaleza de Moçambique foi atacada repetidamente pelos Holandeses. O domínio filipino (1580-1640) - perseguindo os protestantes - foi desastroso para a construção colonial de Moçambique, fazendo cair sobre nós a Holanda e a Inglaterra depois de lhes ter fechado o porto de Lisboa. A construção colonial de Moçambique foi, como já vimos, um processo gradual. Antes do domínio filipino, os esforços de ocupação territorial dos portugueses já tinham produzido os seus frutos: havia pontos fortificados no litoral e no interior, estavam assentes os primeiros núcleos de habitantes portugueses, possuíam-se informações seguras do que era e como se efectuava a produção e a permuta do ouro e, sobretudo, havia boas relações com alguns chefes dos grupos locais. Estes resultados significativos da ocupação portuguesa são reforçados mais tarde pela introdução do regime dos prazos (1700-1880), uma forma ainda incipiente de colonização que já era tradicional no território da Zambézia. O regime dos prazos consistia numa espécie de concessão majestática a um donatário que desfrutava de largos poderes sobre as pessoas e a economia da região cedida por um período de três gerações. Os indianos convertidos ao cristianismo, sobretudo os de Goa, foram os primeiros a receber os prazos, localizados ao longo do rio Zambeze. A Restauração da Independência de Portugal (1640) não melhorou a situação: os estabelecimentos portugueses na costa oriental de África entraram em decadência até ao último quartel do século XVIII. A colónia de Moçambique sofreu angustiadamente os perigos criados por outros europeus estabelecidos nas suas proximidades: os holandeses no Cabo da Boa Esperança, os franceses em Madagáscar e os ingleses traficando onde calhava. O domínio colonial português deixou de estar assente na busca dos metais preciosos - a obsessão de Filipe II pela famosa zona de Chicova que nunca chegou a ser descoberta, tendo-se voltado para o comércio do marfim e para o comércio de escravos, levados para o Brasil. A colónia de Moçambique e, de um modo geral, todas as colónias portuguesas de África foram deixadas à margem no reinado de D. João V, todo ele voltado para o ouro do Brasil. Não perdemos a colónia de Moçambique porque a turbulência dos seus indígenas era tão forte que todas as tentativas de ocupação estrangeira acabaram por definhar e morrer sem necessidade da oposição portuguesa, como sucedeu com os holandeses na baía de Lourenço Marques (1730). O dinamismo do Marquês de Pombal recuperou novamente Angola e Moçambique.
1752: A criação da Capitania-Geral de Moçambique separou definitivamente a colónia do Governo da Índia, sujeitando-a às autoridades do Reino. Em 1763, a colónia recebeu um estatuto original. Baltasar Pereira do Lago foi o grande realizador das directivas pombalinas, tendo aberto um novo período à actividade portuguesa na colónia de Moçambique, onde permaneceu durante 14 anos. 
1771: Como a coroa parecia desinteressar-se dos territórios ao sul de Inhambane, uma companhia austríaca aproveitou a oportunidade para estabelecer uma feitoria comercial e militar em Lourenço Marques, tendo sido desalojada pelos portugueses dez anos mais tarde. A partir deste momento crucial o domínio português estabeleceu-se com vigor na baía, fundando aí um presídio e uma fortaleza, com a sua guarnição e comandante, precisamente no sítio onde viria a ser criada a cidade de Lourenço Marques. Esta foi a época decisiva para o destino de Moçambique: os colonos começaram a fomentar a cultura de espécies características das zonas tropicais, importadas ou já experimentadas noutras colónias portuguesas, tais como a mandioca, o café, a cana-de-açúcar, os citrinos e o cajueiro.
1798: Neste mesmo período, a expedição do Dr. Lacerda e Almeida procurou ligar as duas costas em poder de Portugal: Angola e Moçambique. Quando se entra no século XIX, a colónia de Moçambique é perturbada pelos movimentos e lutas dos povos indígenas, levando os portugueses a intervir por necessidade de defesa ou de alianças estabelecidas. Mas existiam outras fontes de inquietação: a fixação dos ingleses no Cabo e as suas lutas com os Boers, lá existentes há muito tempo, e a questão da abolição da escravatura. (A criação de uma África Austral Branca data deste período.)
1834: A crise política da metrópole, onde a facção liberal triunfou em 1834, foi aproveitada pelos ingleses para uma tentativa de estabelecimento na baía de Lourenço Marques (1822-25). Em 1860, a Inglaterra volta a investir para abrir caminho para o mar aos seus territórios encravados no continente, alegando ter direitos à margem sul da baía de Lourenço Marques e às ilhas de Inhaca e dos Elefantes. 
1875: Mas o conflito levantado por estas pretensões inglesas foi sujeito à arbitragem internacional e julgado a favor de Portugal. Em 1830, o Brasil decretou a abolição do tráfico da importação de escravos, o que prejudicou os rendimentos da colónia de Moçambique, obrigando-a a retomar velhas práticas comerciais (marfim, ouro, prata). O regime liberal - a monarquia liberal - não só alterou significativamente a administração ultramarina, como também procurou fixar os limites fronteiriços da colónia, defendendo-a - em especial as zonas de Lourenço Marques, Inhambane, Zumbo e Sofala - dos ataques dos Vátuas, Chopes e Matabeles. Seguiu-se um período de organização de expedições punitivas dos indígenas que durou até à época da República, durante a qual ocorreram ainda acções pacificadoras no Norte de Moçambique. A colonização intensificou-se, quer pela acção individual, quer pela acção de companhias majestáticas, tais como a Companhia da Zambézia, a Companhia de Moçambique (fundada em 1891) e a Companhia do Niassa. Estas companhias detinham largos poderes de administração, exploração e policiamento sobre as áreas que lhes eram concedidas. Mas a questão que mais preocupava a Metrópole era o problema das fronteiras, fonte de conflitos com a Inglaterra e a Alemanha.
1884-85: A Conferência de Berlim teve como objetivo organizar, na forma de regras, a ocupação de África pelas potências coloniais. O famoso Congresso de Berlim realizou-se entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, tendo sido proposto por Portugal. O Chanceler da Alemanha, Otto von Bismarck, organizou-o em Berlim. Para a Alemanha, a sua organização possibilitou a realização do seu velho desejo de possuir colónias em África. Neste congresso, Portugal apresentou o seu projecto - o famoso Mapa Cor-de-Rosa - que pretendia ligar Angola a Moçambique, com o objectivo de possibilitar a comunicação entre as duas colónias e de facilitar o comércio e o transporte de mercadorias. O projecto português recebeu bom acolhimento de todos os participantes, excepto da Inglaterra que, além de o recusar, fez um Ultimato a Portugal (1890), ameaçando guerra. Temendo uma crise, Portugal acabou por capitular e desistir do projecto. O destino e a configuração territorial de Moçambique não se libertaram da sua feição litoral originária: os portugueses não conseguiram ver reconhecida a sua soberania sobre territórios da zona interior e central de África que há muito tempo percorriam. A cobiça dos ingleses por essa vasta zona amputou a Moçambique todos os territórios que foram incorporados nas Rodésias, provocando na fronteira reentrâncias que, em certos sítios, empurram a colónia para o mar.
1894: A Alemanha, que tinha ao norte do Rovuma a sua colónia da África Oriental, apossou-se do território de Quionga, alegando que o domínio português não ia além de Cabo Delgado. Apesar do protesto português, a Alemanha manteve a sua ocupação, mas a sua derrota na Primeira Guerra Mundial permitiu-nos reocupar o nosso território de Quionga. A sua posse foi reconhecida na Conferência da Paz (1919). Antes deste desfecho favorável a Portugal, o Norte de Moçambique já tinha sido invadido por tropas alemãs que nos deram luta até 1918. No final do século XIX, a capital da colónia-província ultramarina de Moçambique foi transferida da Ilha de Moçambique para Lourenço Marques.
1920: Criou-se o regime dos altos-comissários, governadores-gerais com extensos poderes executivos e legislativos, dos quais se destacaram António Enes e Mouzinho de Albuquerque. A derrota de Maguiguane na batalha de Macontene (1897) marcou o fim da resistência anticolonial das tribos africanas. Quando se estabeleceu o regime dos governadores-gerais, Moçambique viveu em paz até 1964: um longo período de coexistência pacífica entre todas as raças que ocupavam os seus territórios sob domínio português. Até os gregos modernos foram felizes em Moçambique, onde se fixaram no decorrer destas décadas, muitos dos quais se dedicando à agricultura a partir das suas belas casas coloniais ou mesmo ao comércio. Esta presença grega em território colonial português merece um estudo. Já que lembrei a presença grega, convém referir o isolamento de todos os colonos que tinham farmes. A noite africana é demasiado longa e escura, sendo atravessada por múltiplos sons selvagens - o "choro" das hienas, por exemplo - e pelos sons rítmicos do batuque. Estamos em África, a terra da feitiçaria e da bruxaria. Os lares coloniais tinham cada um deles a sua corte de criados, cada um dos quais com a sua própria especialidade doméstica. No entanto, era muito raro encontrar criadas africanas: os portugueses confiavam as tarefas domésticas a indivíduos nativos do sexo masculino. Muitos factores justificam esta escolha, mas há um que deve ser destacado: as mulheres portuguesas e europeias surpreendiam as criadas a fazer feitiços para as separar dos seus maridos. Quantos estranhos objectos, em especial figuras humanas, eram descobertos algures escondidos no interior da casa! Quando um homem solteiro começava subitamente a emagrecer e a evitar a companhia dos outros brancos, as pessoas diziam que ele tinha sido enfeitiçado por uma mulher negra. Os feitiços de amor realizados pelas mulheres negras fizeram com que elas fossem de algum modo expulsas da pequena economia doméstica, sob a alegação não de serem "bruxas" mas de serem menos asseadas do que os homens africanos. 
1961-74: Período da Guerra Colonial Portuguesa que, em Moçambique, teve o seu início em 1964 com as primeiras acções terroristas da Frelimo. Durante esta década e meia Moçambique viveu um período de prosperidade e de galopante crescimento económico e cultural. A colónia de Moçambique modernizou-se totalmente: Moçambique Moderno tinha nascido e prosperou até ser destruído pelo ódio da Frelimo contra os portugueses. Samora Machel foi sempre um terrorista sanguinário, ressentido e violento sem visão de Estado: ele pensava que bastava expropriar os portugueses para construir um país socialista, como se ele soubesse o que significava socialismo. Quando Goa foi anexada pela Índia em 1960, um número significativo de goeses fixados em Moçambique foram forçados a regressar a Goa: uns nunca mais regressaram a Moçambique, outros regressaram contribuindo para a sua prosperidade. Hoje a maior parte deles estão fixados em Portugal: são portugueses. Ao focar este episódio da história colonial de Moçambique, a minha intenção é mostrar aquilo que foi brilhantemente analisado por Gilberto Freyre: o colonialismo português nunca teve uma componente racista; pelo contrário, as colónias portuguesas foram todas elas multirraciais e repletas de mestiços. Segregação racial é algo estranho ao universo colonial português. É curioso observar que os povos civilizados colonizados ou não pelos portugueses, bem como outros povos do distante oriente, são aqueles que mais amam Portugal e os portugueses: Goa, Macau e Timor são exemplos fabulosos de apego à alma lusitana tal como a cantou Camões. Que o diga o actual Presidente de Timor, um luso-timorense de gema! A Universidade de Lourenço Marques chegou a ter estudantes provenientes do Brasil, tal era o seu prestígio internacional. A renovação das Universidades Portuguesas deve-se em grande medida à reintegração destes professores expulsos pela Frelimo. O tempo de guerra dá forçosamente uma tonalidade sinistra aos crimes, reforçada pelas barbaridades cometidas pelos guerrilheiros da Frelimo sobre os colonos agricultores, muitas das quais fotografadas e comentadas nos bares e cafés de elite de Moçambique: grandes crimes ocorreram durante este período de Guerra Colonial, tendo gerado uma onda de medo, sobretudo nas regiões menos protegidas pelo exército português. Fotografias de actos bárbaros e histórias de criminosos sem rosto circulavam nos meios brancos, mas nada disso travou os grandes investimentos industriais e agrícolas. Os portugueses acreditavam na vitória do exército português, sendo acompanhados pelos seus vizinhos ingleses da Rodésia e da África do Sul.
1974: Em 25 de Abril de 1974, um movimento das forças armadas derrubou o regime fascista em Portugal e marcou o início da nossa actual Terceira República. Tomaram-se decisões que implicaram modificações irreversíveis no processo histórico português, duas das quais foram o fim da Guerra do Ultramar e a descolonização
1975: A Independência de Moçambique resultou não de uma vitória militar da Frelimo, como é evidente, mas do processo de democratização de Portugal derivado da Revolução dos Cravos. Mal chegou ao poder a Frelimo espoliou e expulsou os portugueses, estabelecendo um regime ditatorial. Samora Machel foi para Moçambique independente aquilo que Oliveira Salazar já tinha sido para Portugal: um ditador. A Metrópole libertou-se da ditadura para construir a sua democracia, enquanto a colónia tornada independente foi submetida à ditadura sanguinária de Samora Machel que conduziu o país a uma prolongada guerra civil. Para regressar à paz, foi preciso alguém planear o assassinato do ditador: o dia da morte de Samora Machel é o grande dia da libertação do povo moçambicano. Para recuperar o tempo perdido e entrar na via do desenvolvimento democrático, Moçambique precisa de nomear Samora Machel pelos seus verdadeiros nomes: o homem que iniciou a sua carreira como terrorista e que a terminou como ditador do povo moçambicano. Samora Machel não é um herói: ele foi o carrasco da democracia moçambicana. Moçambique amordaçado, acorrentado, pobre e faminto: eis o regime de Samora Machel. Não escondo o interesse que move este meu empreendimento teórico: todos nós - utentes da língua portuguesa - devemos defender a democracia real e fortalecer os laços que nos unem. Criar uma comunidade lusófona forte, a grande herdeira do Império Colonial de Portugal, permite-nos vencer neste mundo global e cruel. A nossa união é a nossa força. Lutemos juntos pela nossa liberdade e pelo nosso bem-estar!


J Francisco Saraiva de Sousa

16 comentários:

Carlos Bento disse...

Lembro o excelente acervo etnográfico e documental que faz parte do Museu e da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, sem o qual dificilmente será possível conhecer o PASSADO COLONIAL DE PORTUGAL.Consultar:

http://www.socgeografialisboa.pt/.

Carlos Lopes Bento. Almada. Portugal

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado, Prezado Carlos Bento!

De facto, começo a envolver-me num projecto que verdadeiramente nunca planeei. Mas estou a ser levado pela força das circunstâncias mundiais.

Logo que tenha tempo consulto esse site.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já consultei o site. Claro as colecções concentraram toda a minha atenção. Boas peças!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Adoro artefactos coloniais! E ando triste porque o nosso Museu de Etnologia fechou e tinha a maior colecção de Portugal.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Este texto foi editado em 3 de Outubro e passa agora para 5 de Outubro.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Encaro este texto como um exercício teórico preparatório, de certo modo movido por dois interesses soberanos:

1. Crítica radical do pensamento de esquerda estabelecida que deve ser responsabilizado pelo desespero do mundo. E tentativa de repensar uma outra esquerda comprometida com a continuidade da aventura humana neste planeta.

2. Crítica radical de Portugal que depois do 25 de Abril destruiu o país. O 25 de Abril foi um ataque ao Norte levado a cabo por bandidos movidos pelo pensamento igualitário = chulismo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Começa a ganhar contornos. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, os meus amigos de Lisboa andam a brincar comigo no facebook: identificam-me como estado a viver em Lisboa e o Facebook diz que estou em Lisboa. Nem eu sei onde estou com este calor que bloqueia a minha actividade mental. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um agradecimento especial para a Renamo que lutou pela democracia em Moçambique!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E obrigado por terem publicado no vosso site o meu artigo! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui, amigos das potências europeias: não me pressionem, porque não sou obrigado a escrever tudo num dia. Eu até trabalho muito e sou preguiçoso! :))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estava a brincar - mas é complicado elaborar uma hipótese de trabalho sem ter quase nenhuma referência. Estou a ser selectivo e sintético, mas prometo regressar ao tema depois de processar toda a informação que já recolhi. Quanto a material etnográfico, já tratei dele levemente noutros textos. Estou a pensar... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ai, os sites financeiros andam a sondar os meus textos, mas deixam rasto... Bem, também comunicamos via email. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fiz um bom avanço hoje - já falta pouco para concluir. Amanhã deve estar concluído!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Está finalmente concluído!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Alguns amigos/as encomendaram-me um estudo sobre Agustina Bessa-Luís. Já escrevi algumas palavras sobre a sua obra, talvez venha a escrever o ensaio pedido, mas de momento ando noutra onda. :)