sábado, 1 de outubro de 2011

Alguns Poemas de Moçambique

Fortaleza de S. Sebastião, Ilha de Moçambique
Vou partilhar cinco poemas moçambicanos, seleccionados a partir de uma colecção de autores moçambicanos. Muitos desses poemas reflectem o sentimento de revolta contra o colonialismo. Abstenho-me de os analisar: o seu conteúdo revolucionário - a luta pela independência de Moçambique - nem sempre merece o brilho da análise filosófica. Os autores escolhidos foram José Craveirinha, Jorge Viegas, Orlando Mendes, Sebastião Alba e Albino Magaia. Cada um destes autores moçambicanos tem maus e bons poemas: preferi escolher os poemas dotados de conteúdo universal, mesmo quando colocado ao serviço de uma causa. Destes autores tenho uma clara preferência pela poesia de Orlando Mendes, a qual convida naturalmente à meditação filosófica. Mas, com esta preferência assinalada, não pretendo eclipsar o brilho meditativo que habita a poesia dos outros autores moçambicanos. Os cinco poemas seleccionados são suficientes para mostrar que se trata de uma poesia que merece ser elucidada. 

1. Homem e Formiga

O homem
guiava a máquina no trabalho
suava e gritava nos andaimes
e a formiga
construía sem betoneira
silenciosamente
fraternalmente
sem complexos nem diplomas.

 E enquanto o homem
invitaminado erguia
casas grandes de cimento e ferro
no chão crescia a obra colectiva
do insecto consciencializado.

E de betão armado
elevador e ar condicionado
para os brancos e negros
indianos
mulatos e chineses dos andaimes
com retratos obrigatórios
nas chapas das radiografias
as casas grandes razando as nuvens
não chegaram.

Mas no chão
o formigueiro bastou
a todas as formigas. (José Craveirinha)


2. Círculo de Sombra


A minha alma é um círculo de sombra.
Os meus poemas são a pálida mensagem
dum homem melancólico. Se sou poeta,
decerto não o sou do tempo presente.


Escrevo poemas de amor, e os meus poemas
não conduzem os povos à contestação.
Gosto de passear nas ruas a antiga liberdade
que eu sei haver nos poetas que mais amo.


Uma liberdade que não conduz a nada,
uma liberdade que não explica nada.
Leio velhos filósofos de antigamente,


e velhos poetas, mais velhos ainda.
De quando em vez, monólogos em surdina.
A minha alma é círculo de sombra. (Jorge Viegas)


3. Mínima Introdução


História
contada em poesia
é do Povo a memória
que pela palavra se recria


palavra
na luta que o explorador faz
é o instrumento que arma constrói lavra
com força mais audaz


da flor da montanha
no mais alto cume
não há calmaria que retenha
o deflagrado perfume


quem inventa
pode ter a sua musa
mas a ferramenta
é de quem a usa. (Orlando Mendes)


4. Quando Nascemos Entramos


Quando nascemos entramos
no nome pela voz dos país:
- Dinis Albano...
Íntima e sonora identidade.
Chamam-me e volto
a cabeça, dissuadido.
Na voz duma mulher
os nomes são
interiores a nós.
(Na dum polícia, desprendem-se,
como se apenas
os envergássemos.)
Um amigo dirige-se-nos,
e as letras do nome
- tu?!... - correm de doçura.
Um dia, o nome,
por capricho duma veia ou dum fonema,
ocultamente, esvai-nos.
E por detrás dele,
alheados dos cultos,
nem sabemos da sua
cessação. (Sebastião Alba)


5. Peregrinação


Esta alma que sonha com mundos impossíveis
veio talvez de outras esferas
habitar a terra numa peregrinação cósmica
em busca da verdade.
Tatuada de revolta de nascença
sonha com mundos impossíveis
luta pela liberdade pelo amor.
Vencida pela rudeza palpável
de uma geração sem norte
mártir de uma sociedade injusta
um dia voltará a bater asas
prosseguindo a peregrinação cósmica
em busca da verdade.
Veio talvez de outras esferas
lançar um escarro numa geração sem norte
desafiar - com risco de perder
uma sociedade que não conhece outras esferas
nem pode entender uma revolta de nascença
nem pode (sem reprimir)
ver escarro de uma alma limpa... (Albino Magaia)


J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Os poetas moçambicanos vacilam bastante no que diz respeito ao conteúdo revolucionário. No seu conjunto, a poesia de cada um deles desprende-se dessa ligação política, retomando temas universais.