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Cidade do Porto: Ponte D. Luís I |
De Maio a fins de Junho de 1897, António Nobre viajou até à América do Norte, aproveitando a sua paragem pelos Açores para cumprir um voto expresso na sua poesia: visitar o túmulo de Antero de Quental. Nos Estados Unidos, a mesma intenção o levou a Baltimore, em homenagem à poesia de Edgar Poe. Baltimore, a cidade americana onde morreu o poeta admirado nos meios literários do Porto, sugeriu-lhe as quintilhas intituladas Sensações de Baltimore, incluídas na sua obra póstuma Despedidas: «Meu caro Antero de Figueiredo, como post-scriptum à minha última carta, envio-lhe esse belo magazine, Bookman, onde desde já poderá ir estudando feições da sua Revista. Tanto mais que ela publica neste número um estudo sobre Edgar Poe, acompanhado desses retratos, que muito lhe deve interessar. Cheguei, há pouco, aqui procedente de Baltimore onde fui visitar o túmulo do pobre Allan, do "Corvo". Também vi um convento de Pretos. Adeus» (Filadélfia, sábado, 29 de Maio de 1897). Hoje estive a estudar a cartografia de António Nobre. Das cidades que conheceu a que mais amou foi a sua terra natal, a cidade do Porto, que ele canta a partir da Foz e dos Rios Douro e Leça: «Tu não gostas de Lisboa, dizes. É pour? E daí, é possível que sejas franco. Eu, por mim, só me sinto bem, quando estou no Porto, em minha casa, com a minha família, com os meus amigos. Tenho muitas saudades do Porto...» (Carta de Eduardo Coimbra dirigida a António Nobre, 3 de Abril de 1884). (Lisboa d'O Desejado é uma pedra no meu sapato hermenêutico! Porém, a pedra dissolve-se quando penso que o António é o herói Anrique!) Eis o poema incompleto sobre Baltimore:
«Cidade triste entre as tristes,
Oh Baltimore!
Mal eu diria que na terra existes
Cidade dos Poetas e dos Tristes,
Com teus sinos clamando "Never-more".
«Os comboios relâmpagos voando,
Pela cidade de Baltimore,
Levam uns sinos que de quando em quando
Ferem os ares, o coração magoando,
E os sinos clamam "Never-more, never-more. (...)» (Baltimore, 1897)
E sobre o mar do Porto - da Foz a Leça - retenho este soneto antigo, Ao Mar: António Nobre retém das cidades tudo aquilo que o evoca, como se depreende de uma carta dirigida da Madeira a Antero de Figueiredo, datada de 28 de Junho: «Creia que tenho as maiores saudades do nosso Portugal. Os meus estios, se bem que no Doiro, administrativamente, diante de Deus e do céu estrelado, estão no Minho também. Que saudades dessas fontes, dessas águas! A Madeira é linda, mas falta-me o passado que é tudo em mim, nada me evoca por mais que eu olhe».
«Ó meu amigo Mar, meu companheiro
De infância! dos meus tempos de colégio,
Quando pra vir nadar como um poveiro
Eu gazeava à lição do mestre-régio!
«Recordas-te de mim, do Anto trigueiro?
(O contrário seria um sacrilégio)
Lembras-te ainda desse marinheiro
De boina e de cachimbo? Ó mar, protege-o!
«Que tua mão oceânica me ajude.
Leva-me sempre pelo bom caminho,
Não me faltes nas horas de aflição.
«Dá-me talento e paz, dá-me saúde,
Que um dia eu possa, enfim, poeta velhinho!
Trazer meus netos a beijar-te a mão...»
J Francisco Saraiva de Sousa