terça-feira, 11 de novembro de 2008

Prós e Contras: Nacionalizações na Era do Capitalismo

Prós e Contras (10/Novembro/2008) foi dedicado às nacionalizações, mais precisamente à nacionalização do BPN, mais conhecido por "Banco Laranja". O que mais impressionou neste debate foi a constatação de um facto preocupante que cada um dos portugueses pode verificar na sua vida diária: Portugal está completamente dominado por máfias, mais perigosas do que as máfias sicilianas, cuja composição envolve pessoas pertencentes a partidos políticos e o séquito de colarinhos-brancos. O debateu revelou a face corrupta de Portugal.
Segundo Jorge Lacão, secretário da Presidência do Conselho de Ministros, o BPN estava em situação de ruptura há muito tempo e a sua nacionalização foi feita pelo governo para proteger os depósitos dos seus clientes e o interesse público, bem como para evitar que a sua falência contagiasse o sistema bancário português no quadro da actual crise financeira. O dossier do BPN é escuro e vai certamente passar a ser conhecido melhor a partir deste momento. Com efeito, um grupo de accionistas do banco revelou aspectos criminosos resultantes da actividade ilícita de alguns dos seus responsáveis, tendo sido ventilado o nome de Oliveira e Costa. Durante anos o Banco sobreviveu numa situação anómala: tinha mais passivos do que activos e alguns dos seus responsáveis e accionistas abusaram do poder em benefício próprio, fazendo negócios muito estranhos, criando um "Banco Insular" e offeshore e gerindo de forma danosa. É preciso fazer uma análise horizontal e vertical para apurar responsabilidades criminais, que, segundo os accionistas, já foi apresentada pela actual administração liderada por Miguel Cadilhe, bastando verificar os nomes associados. Mais um caso gritante de criminalidade de colarinho-branco que vai certamente transcender a inércia do sistema de justiça, permanecendo impune, talvez porque as luso-máfias se protegem umas às outras, constituindo aquilo a que um accionista chamou "teia de interesses", neste caso com alcance nacional. Portugal está total e transversalmente corrompido e esta corrupção envolve esferas políticas. A nacionalização do Banco pode evitar o efeito bola de neve, porque outros bancos lidam com dificuldades, mas, por si só, é insuficiente para salvar Portugal do caos em que se encontra há mais de 20 anos. Se os responsáveis não forem "exemplarmente punidos", como defenderam alguns dos presentes, então a nacionalização pode converter-se numa mera "socialização dos prejuízos", como defendeu o deputado do PCP, Bernardino Soares, dado a lei prever indemnizações.
Os negócios escuros do BPN e as suas "imparidades" escaparam de certo modo à vigilância dos accionistas e da entidade reguladora, o Banco de Portugal, o que implica um novo reequacionamento do seu papel e dos seus poderes. A partir do momento em que os accionistas não têm acesso à situação real do Banco, isto é, em que o corpo de administradores e de gestores controlam o Banco sem prestar contas aos seus accionistas, o capitalismo muda de configuração, tornando-se um sistema organizacional controlado pelos colarinhos-brancos, os gestores, que abusam do seu poder para enriquecer ilicitamente, colocando a entidade bancário em situação de ruptura. O accionista que falou da teia de interesses que rodeava Oliveira e Costa foi peremptório: os casos relatados eram casos de roubo. Ora, se o BPN tem sido um "banco laranja", como foi mostrado no genérico que antecedeu o debate, então a situação torna-se mais grave: personalidades de destaque do PSD estão ou estiveram envolvidas nessa gestão danosa e ladra e Paulo Mota Pinto (PSD) não soube defender o seu partido dessa "suspeita", até porque não foi claro quanto à nacionalização. Os meios de comunicação social apresentam quase que diariamente casos de corrupção infiltrada em todas as esferas da sociedade portuguesa, incluindo as autarquias, e, no entanto, o sistema de justiça não age de modo a defender o Estado de Direito. A crise do PSD aprofunda-se e, com as notícias que dominam a comunicação social, começa a ser difícil evitar a conclusão de que a corrupção tem uma forte coloração laranja. O PSD precisa mudar de roupa e assumir publicamente a sua responsabilidade na degradação moral de Portugal.
A propósito da lei das nacionalizações, Jorge Lacão defendeu o Estado de Direito, esquecendo que este simplesmente não existe quando o sistema de justiça não funciona ou, se funciona, funciona de um modo injusto e repressivo: um mero cidadão que assalte a caixa de uma mercearia é preso, enquanto os grandes ladrões, os de colarinho-branco e os ricos, nunca são presos, mesmo quando a suas acções ilícitas prejudicam o interesse público. Num país mafioso e corrupto como Portugal, o Estado de Direito é uma noção ideológica: há dinheiro para indemnizar accionistas, mas não há dinheiro para combater a pobreza. Aqui no Porto já é possível ver pessoas a rondar os contentores do lixo, em busca de objectos, roupas ou mesmo restos de comida, alegando que a "vida está muito cara". A disparidade e as assimetrias sociais acentuam-se graças ao capitalismo financeiro e à sua globalização. Não se trata de combater o sistema financeiro que é necessário para financiar as empresas. Neste momento, o que está em questão é o modelo neoliberal que, em Portugal, foi defendido pelo PSD, bem como uma certa política de privatizações, que criaram as condições objectivas necessárias à emergência explosiva da criminalidade de colarinho-branco. O Estado de Direito tal como o conhecemos é um mero aparelho repressivo que visa proteger os interesses destas novas classes dirigentes que se infiltraram em todas as esferas de decisão nacional, incluindo as Universidades públicas e privadas. O cunhismo nacional é profundamente partidário e familiar. Qualquer estudo sério revela facilmente estas associações e, diante desta doença nacional, é necessário começar a avaliar a saúde mental das pessoas antes de lhes confiar qualquer tarefa ou missão: o abuso de poder é uma perturbação mental muito alastrada em Portugal. A regulação dos mercados financeiros ou de qualquer outro sistema não pode ser confiada a qualquer pessoa, sem prévia avaliação das suas competências cognitivas, técnicas, psicológicas e morais. Esta crise financeira revela claramente o elemento humano nefasto que se aproveitou do sistema em benefício próprio, colocando em debate os próprios indivíduos e a sua responsabilidade. O que condena Portugal ao atraso geral é o seu elemento humano!
Anexo. Numa entrevista publicada pelo JN, Pires de Lima teceu considerações muito pertinentes sobre o Norte, em especial o Porto, defendendo a regionalização, de modo a proteger o Norte e a incentivar o seu desenvolvimento, travado nos últimos 20 anos pelas máfias centralistas. No entanto, é preciso constatar que existem máfias no Norte que ajudam a bloquear o futuro.
J Francisco Saraiva de Sousa

26 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, retirei o post sobre a etnografia da Internet, porque vou editá-lo em versão concluída.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A malta de Espanha é mais interactiva e vou meter-me com ela. Portugal é muito cinzento e invejoso. :(

Helena Tapadinhas disse...

É evidente que concordo consigo qd refere e bem que há tarefas que não podem ser confiadas a qq pessoa. Mas discordo qd leva a concluir que esse problema é um excluisvo Nacional. Basta-lhe o exemplo do todo poderoso Greenspan? Ou temos de ir para os tradicionais comparativos com os top ten do Mundo entre os quais a Islandia, a Alemanha,....?? Não terá tudo isto a ver antes com o facto de se terem gerado e consolidado consensos equivocos que conduziram à gemeralização de más práticas de gestão ? Eu diria que sim ! Não há aqui um problema de regulação em geral. Mas do entendimento do modo ideal de fazer funcionar um certo modelo que conseguiu ser hegemónico. O resto é partidarite politiqueira !

Vai para Espanha ou arranjou uma namorada espanhola ?? Olé !!!

;)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Helena

Costumo ir a Espanha regularmente, mas no comentário anterior referia-me ao facto deles serem mais atentos à realidade e avançarem com projectos de pesquisa.

Sim, exclusivo nacional não é, e, quanto ao consenso, estamos de acordo. Ontem o que me chocou no programa foi a revelação do "roubo", como lhe chamou Fátima Campos, em linguagem popular.

Seja Bem-Vinda!

Denise disse...

Boa noite, Francisco!
1. Sempre fiel ao P&C! Como consegue suportar a FCF, homem?!
2. Lá está o F com as generalizações: eu sou portuguesa, mas nada cinzenta e invejosa muito menos (quer dizer, só um pouquinho...) :))))
3. Quanto à defesa da regionalização, acompanho-o, mas por outra via: nem para proteger o seu Norte, nem para proteger o meu (nosso, com o Manuel e a Helena)Algarve - para, dar sentido, sim, às especificidades do que é, não esqueçamos, nacional...
4. Não estive ausente: apenas caladinha... e nem tudo se resume a doença: a Fraulein Else, tal como eu, também terá a sua vida extra-blogosfera :-P
5. Estou estupefacta com a baixeza que estoirou lá no tal post do De Rerum Natura. É uma vergonha para o conjunto dos cientistas, dos biólogos, dos químicos e dos filósofos educados e intelectualmente honestos. Deviam seguir o seu exemplo: nem sempre estamos de acordo, pois não F?, mas o F nunca foi incorrecto nem mal educado para comigo ou para qualquer um dos seus visitantes!


Desculpe o ímpeto... puf :(

Denise disse...

Francisco,
Li com gosto o seu texto sobre o livre arbítrio e cumprimento-o pela clareza com que conduziu a presentação de factos e argumentos. Não conhecia Crick nem Changeaux. Quanto ao nosso Santo Agostinho... :)
Conheço sua posição; saberá, por sua vez, que para mim, espírito não invalida cérebro nem cérebro invalidará espírito...

Aproveito, com a sua permissão, para mandar mais um bejinho luso ao André e outro, de boas-vindas, à Helena T. :-P

...

Pronto... e para si e para a Else e Fernando Dias e Vizinho Manuel e Dioniso e...

(Hoje estou muito beijoqueira)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Beijinhos retribuídos!

Conhece a Helena? Sim, é daí!
O André tb anda com trabalho!
Sim, não somos dogmáticos e grotescos como alguns outros. :)

Denise disse...

http://dererummundi.blogspot.com/2008/11/as-mafias-psquicas.html

Aquela gentinha do DRN tirou-me do sério. Como é que é possível que haja gente TÃO mal-educada?! Estou mesmo possessa e à conta disso já não durmo esta noite! Irra, só me faltava esta!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Denise

Não ligue... Um dia os negadores vão ter um susto seguido de um vazio: estão sozinhos e abandonados.

Porém, poderiam, os espiritas, ter usado outra argumentação, devolvendo-lhes o problema de provar a não existência do espírito. Quem não tem espírito, é zombie, mero autómato!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise

A tal "gentinha" mete-se em território rebelde sem preparação e, por isso, é confrontada com a impotência da sua argumentação. As simplificações feitas lá em nome da "ciência" são aterradoras. O combate ao criacionismo é idêntico ao próprio criacionismo. A ciência não se defende com este combate, nem com ideologia barata da ciência. Mas o mundo está muito basal: a repetição cansativa de argumentos desqualificados pelo tempo. Vivemos num recuo cognitivo total: o tempo da caça às bruxas!

Durma bem!

Denise disse...

Querido F.,
Obrigada pelas palavras de reconforto.
No que diz respeito à nossa contra-argumentação, não quisémos provar nada. Quem me conhece pode confirmar que não ando por aí a apregoar a existência de Deus, da além-corporalidade, e por aí adiante. Esse é um caminho que só trilha quem quer, no momento que lhe couber. O que nós ali tentámos, foi, apenas e somente, solicitar a dilucidação de conceitos, para evitar a justaposição de Espiritismo, bruxaria e charlatanismo. Mas há gente que teima em confundir tudo e que se revela tão malcriada que até me fez perder o sono.
Durma o Francisco,
e descansado,
na companhia do seu anjo-da-guarda (e comitiva de estagiários)
:-)))

Denise disse...

Ah, Francisco!!! Agradeço-lhe, tantíssimo!, rendida às palavras que por ali deixou!
Talvez já durma, e com sonhos cor-de-amanhecer.
Beijinhos e noite boa!

Manuel Rocha disse...

Vejo que se divertiram em cruzada contra os fundamentalismos da razão !

:)))


Sobre o post, também me parece que o Francisco tende a "nacionalizar" este tipo de derivas. Ao Portugalinho falta-lhe peso especifico para ser diferente.

Abraço.

Denise disse...

Bom dia, Manuel.
Razão não rima com fundamentalismo. ;-)

Francisco,
A nacionalização do Banco não deverá invalidar a existência de outros bancos (mesmo correndo-se o risco da criação de focos de prociração de criminosos-de-colarinho-branco), sob o risco de se fragilizar o pressuposto democrático. Estou a pensar mal?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise

Já existem outros bancos e acredito que a sua gestão não é ilícita; pelo contrário. Nunca critiquei a existência dos bancos: são peças fundamentais. Devem ser supervisionados e regulados por pessoas idôneas.

Manuel

Qual foi a minha deriva? Ando tão sosssegado; ontem dei uma ajudinha à Denise, mas não vale a pena debater ideias com pedras que recusam a sua existência mental.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E há outro aspecto, o tal blogue nem sempre defende a ciência ou faz ciência: os posts são documentos públicos e podem ser avaliados. Não me reconheço naquela ciência ou na filosofia que dizem defender: a ciência não é monopólio de ninguém. Eles não respondem às críticas; limitam-se a repetir dogmas e opiniões pré-concebidas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Podemos pensar tais práticas literários como abuso da ciência que, com muita emoção negativa, recorre ao insulto e à agressão! A autora do tal post só insulta, ao mesmo tempo que diz que a ciência é objectiva, não-emocional. No entanto, as suas frases são emotivas e más emoções. Não vale a pena "teclar" com um programa de computador que procuram simular comportamentos inteligentes, porque tal programa recorre ao arquivo do lugar-comum.

Denise disse...

Francisco,
Perdoe-me, então, a tresleitura... Quando se faz a apologia de uma regulação do Estado, temo sempre que se perca de vista a importância da existência da prática democrática da concorrência. Tenho de me libertar dos auto-condicionalismos da leitura.
Qunto à idoneidade, estamos de acordo, também.
E quanto a resto, olhe, fechemos o capítulo. Gosto da metáfora a pedra. Excelente! ;-)

Manuel Rocha disse...

Estamos de acordo quanto ao blog em questão.O dogmatismo é um fenómeno curioso. Não sei se derivará directamente da insegurança e do medo. Mas por vezes tenho essa sensação, porque as pessoas mais timidas que conheço são também as mais dogmáticas. Vejam o caso dos professores...;)

Sobre as derivas, Francisco, referia-me às neo-liberais, para dizer que não temos o exclusivo delas por cá. Outras sociedades padecem do mesmo e porventura de forma ainda pior.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Concordo e o que desejo é que os governantes saibam aproveitar o fim desta deriva neoliberal para repensar um ou novos modelos. Até aceito a nacionalização mas é necessário mais... uma nova sociedade.

Denise

Sim, discutir com pedras é perda de tempo. Usei outra metáfora: programas de computador.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Conheço os maiores físicos e químicos portugueses, aqui da UPorto, dos quais fui aluno, e nunca detecto neles dogmatismo ou arrogância. Estou sempre a aprender com eles, até as novidades da literatura!

Denise disse...

Sim, Francisco, mas a da pedra é mais poiética e, assim, mais ao meu gosto.
Uma nova sociedade, sim. Mas ela está em constante mutação, não?

Manuel, meu Vizinho,
Insegurança, Medo, Dogmatismo, Timidez e Professores. Quer desenvolver a provocação? ;-)

Denise disse...

Exacto, Francisco, os verdadeiros profissionais, cientistas ou não, não são dogmáticos nem arrogantes.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise

A partir da prática escrita deles e levando em conta o conteúdo o o modo como discutem, podemos fazer uma análise psicológica pertinente.

Denise disse...

... com uma ajudinha do André! ;-)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Penso que o próximo post será sobre o processamento da informação relativa ao self realizado pelo hemísfério direito, o que contraria a hipótese de Popper. Vou usar o modelo de Gallup.