terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Prós e Contras: O que podemos esperar de 2009?

O debate de Prós e Contras (5 de Janeiro de 2009) debruçou-se sobre a questão crucial deste momento em que o Primeiro Ministro José Sócrates anunciou, numa entrevista dada à SIC, que a economia portuguesa vai, ou melhor, já entrou em recessão: Como vai ser 2009? Fátima Campos Ferreira convidou para este debate o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, e alguns representantes dos partidos da oposição: Rui Rio (PSD), Ilda Figueiredo (PCP), Nuno Melo (CDS-PP) e Miguel Portas (BE). Além destes convidados que estiveram no palco, participaram na plateia dois sociólogos, Joaquim Aguiar e Pedro Adão e Silva, e três jornalistas cujos nomes não fixei. Na divulgação deste debate no site da RTP1, constavam outras questões dirigidas ao destino do ano de 2009: O Ano de todos os perigos? Eis algumas delas: «O ano mais difícil de sempre ou momento de oportunidades? Tempo de crispação social ou época de união de esforços? O que vem aí?» José Sócrates já tinha respondido a esta última questão: A crise da economia nacional e a sua entrada num período de recessão. Apesar de terem sido mostrados alguns extractos dessa entrevista de José Sócrates, os convidados começaram o debate como se essa entrevista não tivesse sido realizada, retomando temas carunchosos já nossos velhos conhecidos, dando início antecipadamente às campanhas eleitorais que irão ocorrer neste ano que, além de ser um ano de recessão, será também um ano de eleições e, por conseguinte, um ano político.
O debate iniciou com a intervenção do membro do governo que apresentou o seu diagnóstico da crise e as medidas tomadas e aprovadas pelo governo para minorar os seus efeitos. A ideia básica já previamente avançada por José Sócrates é a de que a consolidação orçamental realizada pelo governo, durante esta legislatura, permite uma maior folga para fazer face aos efeitos nefastos da crise em Portugal. A redução do défice orçamental possibilita ao governo tomar medidas sociais e fazer investimentos públicos, de modo a impedir a estagnação da economia e o aumento descontrolado do desemprego. Além disso, Augusto Santos Silva justificou a fragilidade nacional como resultado de três factores, muito sumariamente, a dependência energética, a divida externa e o défice alimentar, destacando as políticas já implementadas pelo governo para reduzir esta fragilidade estrutural nacional, nomeadamente a modernização da economia portuguesa, através da aposta nas energias renováveis e nas novas tecnologias, entre outros projectos já apresentados. Falou também nos grandes investimentos públicos previstos, bem como dos investimentos feitos na eficiência energética, na modernização do parque escolar e na qualificação dos portugueses. Rui Rio acusou o governo de estar a "hipotecar o país", endividando as gerações futuras. A sua proposta foi a de fazer investimentos públicos com efeitos multiplicadores. Gastar mais agora, com o objectivo de garantir alguns postos de trabalho precários, pode ser deixar uma factura demasiado elevada que compromete as gerações futuras, sem sentido de Estado. Ilda Figueiredo destacou a destruição do aparelho produtivo nacional, após a entrada de Portugal na zona Euro, tanto ao nível da agricultura como ao nível da indústria, que esmagou a nossa soberania alimentar. Nuno Melo concentrou-se no ataque ao discurso de José Sócrates, acusando o Estado de ser "mau pagador" e de não prever uma "baixa de impostos", e Miguel Portas centrou-se naquilo que considera serem os maiores perigos da crise económica, o desemprego e a deflação, recomendando a taxação das mais-valias dos muito ricos e o fim dos offshores. Na plateia, alguém exprimiu o seu "ódio pessoal" pela figura de José Sócrates, outro elogiou a sua competência comunicativa, e, finalmente, uma ave de outro mundo manifestou o seu saudosismo neoliberal.
Com este tipo de troca de argumentos, Portugal não tem futuro. O debate entre o governo e as oposições revela claramente que, neste momento, o PS é a única alternativa política credível a si mesmo: José Sócrates pode, portanto, pedir aos portugueses a renovação da maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, alegando que todos os governos do PSD foram responsáveis pelo agravamento do atraso estrutural nacional e pelo surto de uma forma perversa de corrupção. Todas as medidas neoliberais tomadas pelos governos do PSD foram, no fundo, subvertidas pelos seus membros de modo a satisfazer os seus próprios interesses privados: a classe dirigente converteu-se em classe empresarial com forte propensão pela especulação financeira. O mito de que "o PSD governa bem e o PS governa mal" é mais uma mentira que circula pelos canais da comunicação social. Em Portugal, neoliberalismo significa corrupção: as privatizações realizadas, que o PSD, em coligação com o CDS, desejava alargar à Caixa Geral de Depósitos, ao Sistema de Saúde e à própria Segurança Social, foram feitas não a favor de uma verdadeira economia de mercado, mas para beneficiar os próprios dirigentes políticos. O PSD e o CDS não defendem o neoliberalismo, isto é, não confiam realmente nas leis da economia de mercado, porque, enquanto poder político instituído, usaram o Estado não para promover o crescimento económico salutar, mas para fomentar uma fonte de acumulação de capital mediada pelo poder político: a sua ambição sempre foi transformarem-se em empresários especulativos ricos, sem fomentar o fortalecimento de uma economia capaz de criar emprego e riqueza nacional. O Ministro dos Assuntos Parlamentares soube confrontar a Direita com o seu vazio político e ideológico, mostrando que o sorriso de Rui Rio significava ausência de projectos e de alternativas: os partidos da Direita portuguesa não são efectivamente alternativa ao PS.
A anulação da credibilidade dos partidos situados à esquerda (sic) do PS foi feita pela cidadã chamada Fátima Campos Ferreira: Afinal, onde vão buscar o dinheiro para promover as políticas económicas que defendem? E Augusto Santos Silva comprovou o vazio à esquerda do PS: Ilda Figueiredo falou e falou muito, de um modo gritante e ruidoso que irritou Nuno Melo, mas, para além de afirmar o carácter imperialista da União Europeia, a sua voz ficou silenciosa quando lhe foi perguntado qual o modelo de sociedade que defendia. Este silêncio é sintomático: o PCP sonha com o passado que se desmoronou com a Queda do Muro de Berlim, envolvendo-se em manifestações sindicais condenadas por uma autoridade que diz respeitar, a autoridade revolucionária de Lenine. Quanto a Miguel Portas, o problema resolve-se taxando as mais-valias dos ricos e abolindo os paraísos fiscais. Surpreendente é o facto destes partidos do protesto organizado serem incapazes de apresentar alternativas políticas: a defesa da economia feita por Miguel Portas revela falta de imaginação política. Neste momento, em Portugal, não há alternativa política credível ao PS e, o que é pior, na sociedade portuguesa não há oposição. Todos falam a partir da mesma cartilha económica e, por isso, as diferenças ideológicas aparecem esbatidas num discurso único que tende a defender o status quo da chamada classe média, aquela classe que emergiu da parasitação do Estado Ultra-Centralizado contra o interesse nacional e a pátria (terra natal) a que todos os portugueses têm constitucionalmente direito. Neste coro metabolicamente reduzido, a oposição sem oposição, a ambição pela manutenção do seu lugar ao sol da corrupção estabelecida, a única voz dissonante foi a do Ministro quando disse que esta é a hora do Estado, desde que o PS aproveite esta oportunidade histórica para reformar substancialmente o Estado, libertando-o da corrupção e da mediocridade visceral. O pseudo-neoliberalismo português deve ser confrontado com as suas próprias aberrações: a racionalidade da economia de mercado é, como mostrou Marx, auto-contraditória, porque as próprias leis que a regem conduzem à sua destruição, a qual só pode ser evitada através de uma intervenção responsável do Estado.
J Francisco Saraiva de Sousa

17 comentários:

Denise disse...

De passagem para um abraço, aproveito para dizer que desde que tenho consciência política que me lembro de ouvir os nossos próprios governantes alertarem que o nosso país está em crise - uma crise que, qual batata quente, é atirada de partido para partido que desfila na passerelle do governo. A eterna culpabilização/desculpabilização PS vs PSD.
Desta vez o debate não me assustou e serviu apenas para perceber uma campanha muito nítida em cada frase proferida pelo actual PM...

Fica o abraço, Francisco!

Denise disse...

Esclareço, porque me pareceu que deixei a coisa confusa, que as palavras do PM que referi foram proferidas na tal entrevista e não no prorama P&C...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Denise

Sim, no programa foram passados dois extractos da entrevista do PM, num dos quais pede maioria absoluta. Além disso, um dos jornalistas falou da recessão. :)

A crise estrutural de Portugal é uma coisa; outra diferente é a crise financeira que vai reflectir-se na economia real. Em Portugal, alguns bancos entraram já em falência, um dos quais foi nacionalizado, como sabe. Isso é efeito da crise internacional que veio de fora, do exterior; não foi criada pelo governo, evidentemente. :)

Denise disse...

Logo agora que eu preciso meeeesmo de vender a minha casa... :-(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui, em Portugal a comunicação mente sistematicamente. Ora, este tipo de mentira é patológico: a mentira a partir de determinado ponto torna-se patologia e esta está presente na mente nacional. Estes mentirosos patológicos são incapazes de distinguir entre realidade e ilusão. Não admira que Portugal esteja atrasado! Estou cada vez mais convicto que a genética portuguesa é fatal!

Ui, não venda a casa, Denise! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou a pensar que existe uma sobreposição entre o "encarnado" e a mentira patológica, e muita maldade medíocre! Isto pode ser testado empiricamente. :)

Denise disse...

.. não estava a apanhar o seu raciocícinio sobre a mentira, mas a palavra "encarnado" fez retinir um sininho que tenho por aqui :-)

Preciso de a vender, no meu salto para a liberdade definitiva!

Denise disse...

Boa noite e sonos sem manchas encarnadas!

Denise disse...

*sonhos

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Denise

Dormi e sonhei, mas sem "manchas encarnadas". :)

Estou a pensar escrever sobre a dialéctica, já que o deputado Nuno Melo falou dela neste programa P&C. Até porque é um conceito mal compreendido. Ela pode ser reformulada como crítica radical das ciências sociais. Apesar da indigência do nosso Tempo, esqueço Portugal onde nada acontece, podemos elaborar uma grã-filosofia que ajude a despertar o homem do seu sono metabólico.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Isto vai dar muito trabalho, mas vou tentar explicitar a dialéctica desde o mito até Hegel e Marx, passando por Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Descartes. Com este movimento viso "apagar" o que foi dito nos últimos 30 anos, os anos do obscurantismo total, da cegueira, como diria Saramago. É uma filosofia da esperança que vou tentar clarificar por caminhos não totalmente pensados.

Fräulein Else disse...

Oi F.,

É realmente uma grande missão revitalizar a dialéctica!

Por falar em Saramago, já visitou o seu blog?
http://caderno.josesaramago.org/

Bisou*

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, Else, estou decidido a reanimar a dialéctica. Porém, tenho três dificuldades/desafios:

1. Coordenar os planos ontológico, metafísico e fenomenológico na filosofia completa e concluída de Hegel. Estes planos devem corresponder-se a par e passo.

2. Confrontar Hegel com Marx e Bloch, tendo consciência que a dialéctica nos liberta das ciências sociais. Dialéctica é luta pela libertação: teoria da liberdade.

3. O metabolicamente reduzido aparece como consumação do sistema hegeliano. Por isso, disse noutro dia que era um filósofo/sage pós-hegeliano. Como exorcizar o homem metabolicamente reduzido, aceitando a dialéctica? Já deve ter adivinhado o rumo: Luta de vida ou morte. O escravo consciente deve assumir a missão de assassinar o senhor ocioso que não traz nenhuma mais-valia ao mundo: usufrui mas não cria. O sistema torna-se negativo: visa a morte física do senhor ocioso e explorador. A vigança dos vencidos da história! Entre Hegel e Marx deixa de haver ruptura: há aprofundamento.

Fräulein Else disse...

E a rainha das ciências-sociais é a economia neo-clássica, a que deve ser imediatamente deposta do trono.

Interessante falar da dialéctica escravo/senhor pq está na base da teoria económica agente/principal, cujo princípio básico é de que o agente é "irracional", ou seja engana sempre qd pode, para seu proveito, (contrariamente ao princípio neo-clássico de q o agente é racional).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya, supressão da economia neoclássica e da sua antropologia implícita. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já vi o blogue do Saramago, mas fiquei sem saber se é ele mesmo que escreve os posts. :)

Fräulein Else disse...

Os posts mais antigos são assinados, os recentes é q não. Ele fala publicamente do blog, cuja ideia foi da sua mulher e, sinceramente, parece-me ele a escrever... se é ou não... :)