«Se há algo indubitavelmente injusto é o nascimento e o contexto em que por ele vem ao mundo o homem. O destino da maioria dos homens já está decidido antes de nascerem. E são as próprias organizações humanas que nos rebaixam a ser escravos do acaso, pelo que a geração põe correntes à seguinte, que são tanto mais duras quanto mais unem os homens». (Karl P. Moritz, Fragmente aus dem Tagebuch eines Geistersehers, 1787)
Nos "Fragmentos do Diário de um Visionário" de 1787, Karl Philipp Moritz formula com grande claridade a questão que embaraça todos os homens de bem: Como se pode justificar um mundo em que há uma miséria interminável, em que os homens dominam os homens, e em que o acaso do nascimento decide da pertença aos dominadores ou aos dominados (os assalariados)? Ora, a sua resposta é excessivamente dura e cínica: A história terrível é justificada pelo "efeito agradável" que é produzido na imaginação do espectador não agarrado nos acontecimentos. A história da exploração do homem pelo homem (Marx) tem o poder de levar a pensar em coisas tão grandes e majestosas, tais como a guerra de Tróia narrada na Ilíada ou o Terramoto de Lisboa estudado por Kant, que, por este motivo, vale a pena ser infeliz. O primeiro teórico da estética autónoma concebeu-a como um modo de justificar a abjecta realidade: «Nós fizémos um mundo de destruição e observamos agora a nossa obra em histórias, dramas e poemas, com agrado» (Moritz). A analítica do sublime de Kant pretende evitar esse escândalo que constitui a justificação estética da miséria.
A análise kantiana do sublime explica esta espécie de satisfação como um sentimento da nobreza da própria razão e do destino moral do homem, que aparece de duas formas:
1) Quando nos confrontamos na natureza com algo absolutamente grande (o sublime matemático), a nossa imaginação desfalece na tarefa de abarcá-lo e tornamo-nos conscientes da supremacia da razão, cujas ideias alcançam a totalidade infinita. 2) Quando nos confrontamos com um poder esmagador (o sublime dinâmico), a debilidade do nosso eu empírico torna-nos conscientes, por contraste, da nossa dignidade enquanto seres morais. Com esta análise que retoma o belo na natureza, Kant procurou restabelecer num único nível a conexão entre campos previamente autonomizados, elaborando a noção do estético consistente em si mesmo, independentemente do desejo e do interesse, do conhecimento ou da moralidade. A experiência da beleza depende da contemplação dos objectos naturais como se fossem, de certo modo, produto de uma razão cósmica empenhada em torná-los inteligíveis. Ora, dado que a experiência do sublime faz uso do informe e do horrendo natural para elevar a própria razão, estes valores estéticos servem, em definitivo, a um fim e a uma necessidade moral, exaltando e enobrecendo o espírito humano. Tal como Moritz, Kant afirma que o homem é consciente de si mesmo como ser racional no sentimento do sublime. Porém, para Kant essa consciência não se confirma na miséria humana, da qual os homens são culpados, como sucede em Moritz, mas na relação insuficiente que se experimenta entre a imaginação e o entendimento e na consciência (paradoxal) resultante da nossa superioridade como seres racionais, a qual consiste na capacidade de pensar essa inadequação e de elevar-se à ideia de infinito. Contudo, para eliminar a má consciência dos privilegiados, Kant contorna o problema moral colocado por Moritz transferindo o sublime para a natureza e retendo-o exclusivamente no ânimo do espectador, mas sem abandonar a "estima (feudal) do guerreiro" e a referência à guerra: «A verdadeira sublimidade (tem) que ser procurada só no ânimo daquele que julga e não no objecto da natureza, cujo julgamento permite essa disposição do ânimo» (Kant). Burke chega mesmo a afirmar que o horrível pode ser objecto de prazer. Só Herder soube apresentar uma solução alternativa, fazendo do sublime uma experiência recuada historicamente.
Ao considerar o homem histórico como um "anti-homem", Jean-Paul Sartre insistia legitimamente sobre a necessidade de atiçar a violência para despertar a revolução qualitativa. Na sua peça de teatro, "Les Mains Sales", Sartre afirma que o socialismo não pode ser introduzido por mãos limpas de sangue. Longe de ser um pacifista, Sartre defende o derramamento de sangue para pôr termo à miséria humana produzida pelo capitalismo inumano e anti-natureza e, como homem, não tem horror da guerra. Em 1966, Sartre exortou os russos a enviarem as suas forças para o Vietnam para lutarem contra os americanos, sem temer provocar uma Terceira Guerra Mundial. Em 1960, no prefácio que escreveu para o livro "Les Damnés de la Terre" de Franz D. Fanon, Sartre aceita a tese do autor de que a violência é uma "força pacificadora", acrescentando que «o indígena se cura da neurose colonial expulsando os colonizadores pela força das armas». De certo modo, Sartre ansiava pela violência revolucionária e os jovens que ainda recentemente incendiavam carros nas ruas de Paris escutaram os ecos das vozes dos mortos que reclamam justiça plena. A teoria de "L'Être et le Néant" era peremptória quando afirmava que temos de escolher entre sermos masoquistas ou sádicos. A estética da violência política recomenda que sejamos sádicos e aprendamos a usar a violência contra o poder que nos oprime, explora e humilha. Só esta estética da violência nos pode conduzir à estética da beleza: a "República Democrática" cujos cidadãos participam livremente na esfera pública e habitam poeticamente a Terra, realizando e garantindo o "reino de Liberdade" e a "identidade da pátria" (Marx).
J Francisco Saraiva de Sousa
103 comentários:
Somente os corações de pedra são insensíveis ao sofrimento dos humilhados e ofendidos. Defendem a paz do sistema, a mesma paz que assegura a violência que o poder usar para escravizar as pessoas e destruir a natureza. A Paz nunca foi aliada da Liberdade e da Justiça Social. Ela diz: Sejam livremente alegres, pobres, desempregados, enfim sofram alegremente, mas obedeçam sempre à lei porque esta protege-nos (aos corruptos, entenda-se) da violência das ruas. Pura Ideologia do terror banqueiro!
A hipótese da "justificação estética" para o problema do mal, não a conhecia, mas é realmente insustentável.
Kant serve-se de Rousseau, ou seja, preserva a bondade e dignidade humanas (Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime). Aqui ele distingue três tipos de Sublime (terrível, nobre e magnífico).
Le sentiment de la beauté de la nature humaine est un principe de bienveillance universelle, celui de sa dignité, un principe de respect universel (...)
Nesse texto referido pela Papillon, Kant trata de uma diferença sexual! :)
Aqui segui apenas a Crítica do Juízo.
Kant diz que a inclinação ao cortejo é condenável... Uma crítica aos homens lusitanos que andam sempre a bajular, parecendo simpáticos e tentando agradar, quando são verdadeiramente vazios.
ah ah ah! :D
Os portugueses ao pé dos espanhóis e dos italianos (para não falar de outros povos não-europeus) são muito tímidos!
Kant trata dessas diferenças nesse pequeno tratado de psicologia, dos tipos psicológicos e das doenças mentais.
La femme est plus proche de la nature.
La dignité et la grâce féminine se perdent en societé.
(Idem)
Subscrevo esta diferença: a mulher é indomável e selvagem como a natureza. :)
Se Kant me cortejasse, eu cederia. Seria sua escrava, mas acho que ele n me quereria... Há um livro sobre a vida sexual de Kant! Já leu?
Papillon
É claro que não li tal livro sobre a vida sexual de Kant, mas deve ser imaginação do tipo "código tim-tim qualquer coisa". Como as pessoas estão burrinhas! Já tomam as mentiras jornalísticas como se fossem "verdade".
A isso chama-se alheamento do mundo e atrofia mental e cognitiva. Já leu os cavalos também se abatem? O gado humano pode ser abatido, porque não vale nada. :)
Papillon
Achei graça à sua leitura feminista das Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime de Kant. De facto, aplicou muita violência hermenêutica... :)
E eu acho graça à sua delicadeza farsola...
Diga lá então qual é a hermenêutica correcta, alimente-me com migalhinhas do seu saber!
Sobre a "vida sexual de Kant":
é evidente que seja um mito, logo será um ensaio ficcional!
Além disso: que importa que ele fosse casto, gay, galanteador? A vida sexual das outras pessoas, que não a minha própria n me interessa (a menos que estejamos a falar de Henry Miller...) :)))
Hummm... a Papillon leu Henry Miller! :)
Nunca fiz um estudo exaustivo dessa obra, embora tenha referido o tratado das doenças mentais num seminário e feito uma ou outra referência aos tipos fleumático, sanguíneo, colérico e melancólico.
Fala do sublime de Kant e depois diz que o gado humano n vale nada... um bocadinho de coerência ficava-lhe bem, senhor filósofo!
Boa noite! Esta égua bravia vai andar a trote! Abata-me! Mas aviso que é preciso pontaria afinada! :)))
p.s.: claro que li Henry Miller! Bíblias de cabeceira! :)))
Hummm... virou égua! Tenha cuidado com os cavalos bravos vindos das estepes. :)))
ps: era um título de um romance: concurso de dança até cair morto. :)
A Irlanda chumbou o Tratado de Lisboa.
Amigos
Compreendam que a União Europeia tem os dias contados! Lideres burros que foram seduzidos pelo capitalismo neoliberal e a corrupção: os coveiros da UE.
É como o Benfica a tentar na secretaria o que não consegue com a bola nos pés: apito final = corrupção benfiquista. Benfica é a vergonha nacional! Imagino o estado de alma dos benfiquistas de bem! Devem sentir vergonha pela trapaça do seu clube, a mentira nacional. :(
Olá, amigos!
Interesso-me muito mais pelo tema do mal e das causas da miséria do que pela vida sexual de Kant. A meu ver até hoje ninguém formulou uma análise definitiva sobre a questão do mal. A tendência de muitos pensadores é enfatizar alguma causa do mal e da miséria e excluir as demais.
Apesar de não ser freudiano, levo a sério a existência da pulsão de morte (Thanatos) e dos efeitos nefastos que ela acarreta. Mas reconheço a existência de infinitas causas da crueldade humana.
Francisco, estou torcendo pela seleção portuguesa. É um belo time. Porém, não gosto do Felipão.
Francisco, esta resposta de Moritz não me satisfaz:
"A história terrível é justificada pelo "efeito agradável" que é produzido na imaginação do espectador não agarrado nos acontecimentos".
Olá André
O nosso time nacional é bom, mas o Filipão, Deco, Ronaldo, Quaresma, etc., estão todos de saída. Por este caminho, a selecção não vai longe. Torço pela Holanda...
O sexo de Kant foi a Papillon que falou dele: também não ligo à vida sexual dos mestres. Um tolinho tuga diz que Foucault era pedófilo homossexual: um tolinho enfim...
Assisti ao jogo da Holanda e França.
Há muito tempo que não via uma partida tão bela, repleta de lances artísticos. Lembrei-me da Seleção Brasileira na Copa de 1970 A Holanda é excelente. Boa escolha :)
Francisco, dizem tantas asneiras por aqui...
Conta-se que Foucault, quando esteve no Rio de Janeiro, promoveu orgias que fariam Calígula ficar rubro de vergonha. Essa gentalha mexeriqueira me entristece. A filosofia é muito mais nobre do que os boatos sobre os filósofos. Que me importa se Nietzsche contraiu sífilis ou não. Ora, a sua obra é imortal, é isto que me importa.
Sim, os amantes de Foucault contam isso; apenas desconhecia a sua pretensa "pedofilia" que a APA vai retirar das parafilias. Sim, ele frequentava saunas americanas e era mais sádico do que o que dizem...
Portugal é corrupto, como mostra o caso do Benfica...
Estive a ver as notícias e torna-se cada vez mais evidente que a comunicação social portuguesa está corrompida e está a destruir Portugal. O Benfica manipula o poder e o Estado Português ou está completamente corrompido ou está profundamente doente. Portugal está contaminado pela corrupção e é isso que explica o seu atraso.
O Benfica é uma vergonha nacional e é preciso que os portistas se unam e digam toda a verdade sobre a corrupção que domina no desporto.
Se fosse benfiquista tinha vergonha deste clube que, sendo vencido no terreno, recorre à secretaria para tentar corruptamente conquistar um lugar que perdeu no terreno: triste glória a deste clube que cresceu com a benção do fascismo. Os corruptos não têm vergonha na cara e o Estado português permite isto, como se fosse comandado por uma prostituta respeitosa, para citar Sartre! Isto é uma vergonha nacional e o poder parece ser impotente ou é cúmplice! Assim, não temos futuro...
Se o PS não acorda do seu sono autista, já perdeu as eleições! Que venha a esquerda, porque o PSD já mostrou que não merece confiança...
Os cérebros do PS devem pensar e pensar muito: nesta situação mais vale ser oposição do que cúmplice deste estado de degradação nacional acelerada. A reforma transparente da justiça é fundamental. Sem ela, Portugal não tem futuro. A mentira intencional domina a vida pública portuguesa e o PR não parece ser capaz de controlar o passo de galope desta mentira ladra. Os jornalistas devem ser controlados, vigiados e decepados (metaforicamente): estão a degradar Portugal com a sua maldade natural e estupidez. Portugal está entregue a loucos e dementes. Cuidado: isto está mesmo muito mau! É evidente que Portugal está profundamente doente... :(
Os doentes mentais internam-se. Portugal não pode permitir que pessoas doentes, corruptas, maldosas e mentirosas o governem em qualquer esfera de decisão nacional.
Se não vivesse em Portugal, diria que este país não existe! Mas existem num estado de mentira total.
Outra coisa:
O tratado de Lisboa e o seu chumbo pela Irlanda devem ser vistos com realismo: os europeus não concordam com o modo com os lideres europeus fazem política, não acreditam neles e não querem o neoliberalismo. A Europa está decadente, desmoralizada e corrompida, farta do Banco Europeu e do economicismo. Quem é o lider europeu que merece confiança ou que se destaca pela sua cultura? Nenhum...
O PS deve estar atento e preparado para a mudança; caso contrário, vai seguir o rumo de degradação do PSD, de resto dois partidos que fazem e fizeram a mesma política que matou Portugal...
Os portugueses na sua profunda estupidez incentivada pelo poder não acreditam na justiça, nos tribunais e seus funcionários. O caso do Benfica revela o rosto da corrupção jurídica: defender mentiras e conspirações publicamente mostra que o "direito" é algo manipulado em função dos interesses económicos. Quem acredita num advogado ou num juíz ou num magistrado? Só um louco pode acreditar na cultural jurídica portuguesa!
Lamento tanto o estado a que estamos a chegar... Podiamos ser um país orgulhoso e brilhante, mas somos seres condenados e escravizados pela ditadura da luso-corrupção. :(((
A VERDADE não faz parte da Língua Portuguesa! Que horror!
Um governo verdadeiramente socialista ou social-democrata sabe o que deve responder à questão colocada por Moritz: Se o nascimento é fonte de injustiça, cabe aos governos dos homens combater essa desigualdade de azar, garantindo no mínimo igualdade de oportunidades, recompensa do mérito e combate contra a corrupção que envolve sempre o poder político. Onde o poder político não estiver envolvido não há corrupção: existem outras coisas mas não corrupção.
Espero que o PM pense mais e saiba recuperar terreno perdido, remodelando o governo e afastando-se humildemente dos erros já cometidos.
O meu socialismo é inteligente e corajoso e, sempre que se engana, perde desculpa e muda de rumo.
Em política não existem autoridades infalíveis, aliás uma noção medieval e papal. Os que nunca se enganam vivem enganados!
Há muito tempo que não recebo comentários dos amigos comunistas. Por isso, vos dirijo este comentário-desafio.
Nunca o PCP teve uma conjunta tão favorável para vencer as próximas eleições legislativas. As sondagens mostram que o PCP e o BE estão a crescer nas intenções de votos, mas isso não lhes garante uma vitória forte e expressiva. Para conquistarem uma maioria np Parlamento, tanto o PCP com o BE precisam de mudar de liderança política e refazer substancialmente os seus quadros. Estes partidos não vencem por causa das figuras humanas que os dominam: nenhuma delas é credível e sedutora. A esquerda carece de figuras luminosas: o que afasta os eleitores são as figuras que dão rosto a essas forças políticas. Figuras inestéticas e carentes de um discurso fresco. Quem já viu um programa "Nos Corredores do Poder", fica com uma imagem do que digo. As figuras humanas da esquerda precisam ser substituídas e moralizadas. Não consigo lembrar uma única dessas figuras que seja cativante, a começar pelos lideres ou pelos deputados. Se são efectivamente de esquerda, deviam brindá-la com a sua reforma total. saírem da esfera pública e migrar para o Alentejo, onde deviam esconder-se como bichos do mato.
Poderão retorquir: o que têm as figuras do PS ou da direita que nós comunistas ou bloquistas não temos? Como pessoas não têm nenhuma mais-valia, têm poder que lhes permite arranjar emprego para os seus adeptos. Corrupção? Sim, corrupção, mas o vosso discurso não a combate eficazmente e as vossas alternativas são frustrações cheias de ódio. Por isso, mesmo subindo alguns pontos, não chegarão ao poder... Marx sempre pensou que as pessoas eram importantes e Lenine acompanhou-o. Tenham coragem de ser verdadeiramente de esquerda e exijam a mudança qualitativa.
Outra coisa que deviam saber é que a luta sindical vos tira votos a breve e a médio prazo, condenando-vos à extinção a longo prazo. O discurso dos aumentos salariais é suicídio da esquerda. Realismo político é o que vos falta! Talvez por isso não mereçam conquistar o poder...
Precisamos de uma esquerda trágica capaz de fazer uma guerra para eliminar a sociedade metabolicamente reduzida. Marx defendeu uma república democrática, sem excluir uma eventual ditadura do proletariado. Dispensamos hoje o proletariado e a sua ditadura, mas estamos com os ouvidos atentos às lições de Maquiavel: o carisma faz aquilo que não assumimos na teoria! Esta é a esquerda MODERNA. :))))
Hoje estou todo político, como os meus mestres, e muito feliz.
Porquê? Porque o conceito que elaborei de sociedade metabolicamente reduzida parece roubar qualquer esperança futura. E assim é. Mas o animal metabolicamente reduzido é um vazio mental e cognitivo. Ora, nesse vazia acumula-se muita energia agressiva, como se vê nos comportamentos dos jovens portugueses. Um lider carismático, um grande política, é aquele que sabe canalizar essa agressão e redireccioná-la para a luta contra o poder estabelecido. Estas criaturas abjectas querem sangue ou espectáculo do tipo Coliseu de Roma: aqui reside a sua fraqueza e a força de um contrapoder renovado e criador. O chumbo do tratada de Lisboa mostra que os animais metabolicamente reduzidos estão cansados das políticas económicas (alvos de ataque: economistas, banqueiros, finanças, contabilistas, gestores, etc.), não acreditam nas leis e na justiça (alvos: magistrados, advogados, etc.) e procuram novas emoções e assim sucessivamente: estão perdidos e desorientados. É com este material amorfo que se faz grande política! A arte política consiste em saber usar esta ausência de pensamento e levá-la a explodir contra o poder estabelecido, de modo a poder introduzir mudanças políticas. Aliás, o governo fez isso com os professores, mas infelizmente desistiu. Outro governo determinado tinha vencido essa luta e mudado o rumo da educação em Portugal: estes professores são maus. É preciso coragem e não permitir que as pessoas se sintam seguras: o animal metabolicamente reduzido é inseguro e não tem elevada auto-estima, além de temer ficar sem dinheiro para consumir.
A luta do futuro é contra esta fauna metabolicamente reduzida e convém agir já para evitar a catástrofe: recriar um homem novo.
Se a esquerda não agir, a ditadura de Direita marca presença no horizonte. Convém surgir carisma à esquerda mergulhado em cultura superior. Os tempos são perigosos!
Afinal, mudando de rumo, o PS tem sempre um trunfo contra Manuela Ferreira Leite: a política orçamental afundou Portugal numa crise de desespero.
Neste governo não é o ministro das finanças que sofre as consequências, mas sim o PM, José Sócrates. O PS deve lutar em duas frentes: contra a sua esquerda e contra a sua direita, demarcando-se claramente de ambas. Lutar contra a actual lider do PSD é fácil: números ou pseudo-números sem pensamento. Mais um caso que mostra que as políticas economicistas sofrem de escassez de pensamento: gerem a corrupção sem projecto de futuro. O neoliberalismo é fatal: gera pobreza, desigualdade e desemprego. As privatizações são fatais, sobretudo as de sectores fundamentais, como o ensino ou a saúde.
Quanto à esquerda, carece de liderança. Basta mostrar o ódio e a fealdade dos que a dirigem.
Mas que que isto seja bem sucedido o governo socialista deve pedir desculpa pelos seus erros, não fazer promessas e mostrar sinais materiais de mudança de rumo: abandonar o seu autismo, combater a corrupção, fazer a reforma da justiça, remodelar o governo e dispensar ministros antipáticos, mostrar boas políticas sociais, não valorizar o tratado de lisboa, falar um discurso da verdade, não cair no erro das grandes construções, esquecer o betão, investir no ensino de qualidade e na construção de escolas arquitectonicamente adequadas, recuperar as clássicas, evitar reformas semânticas, reformar o ensino universitário e eliminar os seus incompetentes, cuidar da qualidade da comunicação social e fundamentalmente afastar do Estado as pessoas medíocres, etc.
Bom dia meus senhores!
André,
Essa hipótese de Freud é muito interessante! Um amigo meu psicológo introduziu-ma e fiz um trabalho sobre o problema do mal em Freud, para uma cadeira.
Admitindo ele duas forças contrárias, parece que há uma luta, à maneira de Empédocles, entre Amor e Discórdia. Só Eros nos guia pela verdadeira sabedoria, e só ele nos pode salvar (um amor diferente do amor cristão).
Bom Dia Senhora Papillon
Ainda hoje à hora do café da manhã me contaram a história corrupta e maldosa do Benfica. Eu atribuia esse mal chamado Benfica ao fascismo, mas parece que nos anos 80, já com Pinto da Costa à frente do FCPorto, o Benfica corrompia as botas de ouro. Impressionante como o Estado parece estar cativo de um clube cuja história é uma farsa... São estas pequenas coisas que convidam ao pensamento...
Um homem com 77 anos de idade contou-me coisas terríveis sobre o Benfica. Diz ele que este é o clube mais corrupto do mundo...
Não percebo como as pessoas vermelhas podem sentir "orgulho" numa farsa! Terrível! Eu tinha vergonha em ser cúmplice de uma tal mentira. Que glória? A falsificação e a violência? Eusébio chegou a Lisboa para ir para o Sporting, mas no aeroporto foi raptado pelo Benfica! Há pouco tempo houve aquela cena de pancada sobre um homem do FCPorto aí no aeroporto de Lisboa e a polícia não reagiu. Houve o episódio de uma claque do Porto que ia para Lisboa e foi retida pela polícia que a impediu de entrar em Lisboa.
Que Estado é este? De facto, Afonso Henriques matou a mãe e marcou a história de Portugal: um crime...
O Benfica não tem história: é um crime!
Pois a mim n me convidam ao pensamento, entendiam-me.
Mas com esse tédio não podemos mudar nada para melhor. Convém conhecer bem a realidade antes de a tentar mudar. E conhecer a nossa triste história nacional; caso contrário, estamos condenados ao eterno retorno da mesma corrupção.
O mal não é uma abstração: é real.
Francisco, aquilo que disse - a história nacional ou a fundação da nação é um crime - é falacioso e irrelevante! Diga-me que nação tenha sido conquistada ou fundada sem derramamento de sangue!
:o (eu a bocejar)
Por um lado apela à "estética da violência", por outro, fica indignado porque D. Afonso Henriques se revoltou contra a mãe - e então? Prefiro ser portuguesa a ser espanhola! Prefiro ser atlântica! Por isso ainda bem que ele o fez, é de uma estirpe valente e nobre que já n existe! É ele e a outros ilustres que eu canto quando canto A Portuguesa!
Quanto ao Benfica, n quero saber! Nem comento!
Mas, como dizia Kant, o belo sexo não foi feito para pensar e dirigir o mundo! apenas poucas mulheres escapam à regra e os homens intelectuais estão frouxos. :))))
"Quanto ao Benfica, n quero saber! Nem comento!"
Papillon: Isto é demissão e auto-exclusão! A estética da violência criadora não se demite: avança...
Está bem, então se eu n penso, n sei pq insiste tanto em que venha até cá. Então, com licença, que vou pastar.
Ok, então paste! Pensei que não queria pastar. :(((
E já que deseja pastar mude de "nome", porque as borboletas não pastam. :)
Se quer que eu admita a minha ignorância e a minha necedade, a partir daqui sobra pouco.
Se transborda de luz, então tem mais responsabilidade.
Eu, como mulher, gado humano, metabolicamente reduzida, etc., prefiro gozar a minha condição inferior e pastar.
Junte-se com homens valentes e mude o mundo!
Estou a pensar na "tragédia no ético" de Hegel (a moral como tragédia) e no duplo eu de Herder: no sonho sentimos o que sonha e o espírito sonhado, o narrador e o ouvinte. Estética de Herder retomada por Bloch.
Sou valente e autosuficiente desde bebé! :)
André
De facto, devemos pensar o problema do mal. Kant falou do Mal Radical e Arendt da Banalidade do Mal: um começo.
Vejo o problema para além ou aquém (tanto faz) da agressividade ou do instinto de morte de Freud. Faça sugestões... para pensarmos a maldade humana.
Em "A religião dentro dos limites da mera razão", Kant fala da propensão natural para o mal. Dado ter de ser procurada no livre arbítrio, esta propensão pode ser imputada e, por isso, é moralmente má. É o mal radical.
De modo mais claro, devemos encarar o mal como uma escolha livre do indivíduo, como se ele buscasse intencionalmente o mal de outrem. Assim, podemos responsabilizá-lo pelo mal causado e puni-lo severamente. Qualquer outro tipo de mal que possa ser justificado pelo retardamento mental ou outro factor, deve ser distinguido desse mal radical que, para se manifestar, não precisa de recorrer à agressão. Este mal radical está cada vez mais banalizado, como o demonstra a inveja que o Benfica nutre pelo FCPorto.
O discurso sobre o mal radical deve ser autonomizado das chamadas ciências sociais e humanas: estas justificam o mal e não possibilitam a sua punição justa. Isto significa que o Ocidente entrou em deriva a partir do momento que surgiram estas pseudo-ciências. Neste momento, a Filosofia visa a sua demolição, não à maneira estruturalista de Lévi-Strauss ou de Foucault ou mesmo do meu mestre Althusser, mas à maneira filosófica, isto é, política.
E este problema está para além do Direito: este é essencialmente corrupto. Também não é um mero problema moral: é político no sentido filosófico do termo.
As definições jurídicas estão corrompidas por relações assimétricas de poder, como o demonstra o caso luso-nazi do Apito Final.
Claro que com as últimas indicações pretendo superar Kant e ir mais longe: à raíz do problema e de uma possível solução eternamente provisória.
Contudo, Kant é um principe da Filosofia. Uma distinção da sua autoria aponta em sentido diferente da sua filosofia burguesa do Direito.
Entre um estado civil de direito e um estado civil ético podemos apostar na via aberta pelo segundo: uma comunidade de homens unidos sob leis não coactivas, portanto, leis da virtude. A utopia concreta a realizar é a de uma experiência não-regulamentada e muito menos pelo Direito = repressão.
Curiosidade: uma descoberta acidental leva-me a questionar a teoria de Weinberg.
Depois de definir o auto-suficiente, Kant distingue entre a misantropia (fuga dos homens porque se os hostiliza) e a antropofobia (fuga dos homens porque se os teme como inimigos), após o que fala de uma tendência à retracção, ligada à idade.
Isto ajuda a recolocar o problema da homofobia e a reler material etnográfico à luz do sublime. Assim, por exemplo, os ilhéus de Dobu podem ser vistos como antropofóbicos: temem o outro e a sua proximidade; por isso, recorrem à magia negra. O terror instalado na âmago de uma sociedade... Novamente o problema do mal radical.
Enfim, temem a papoila e o sangue contaminado.
Aliás, penso que a ciência aliada a tecnologia de ponta pode resolver este problema nos próximos anos, até porque já se conhece o caminho a seguir.
Francisco, recentemente estive a discutir com uma professora junguiana a respeito da existência do mal. Segundo ela, o ser humano é bom por natureza, sendo o mal uma ocorrência ocasional, fruto do desespero humano diante do absurdo e da ausência de perspectivas. Além de ingênuos, considerei estes argumentos muito pobres. Não imagino o ser humano bom por natureza. Só os golfinhos, :)
Já vi muitos estudiosos darem explicações insuficientes e incompletas sobre a existência do mal.
Você disse:
"Vejo o problema para além ou aquém (tanto faz) da agressividade ou do instinto de morte de Freud. Faça sugestões... para pensarmos a maldade humana".
Estou de acordo. Também vejo o problema para além ou aquém da agressividade ou do instinto de morte. A presença do mal é muito mais complexa e merece um estudo amplo.
Quando Jung formulou considerações a respeito da face negra (a sombra) de Javé, foi duramente criticado pelos teólogos. Estes não podiam conceber a existência de um Deus complexo, contraditório, que poderia ser justo e injusto ao mesmo tempo. O problema, a meu ver, é sempre a unilateralidade e a estreiteza dos pontos de vista destas pessoas.
O dogmatismo é muito pernicioso.
André
Um Deus simultaneamente bom e mau?
Pessoalmente, sinto mais o mal do que o bem. Há uma teoria etológica desacreditada actualmente que explorava a nossa vertende má, vendo as formações sociais desse ângulo. Aliás, a filosofia tende a explorar mais o "lado mau da história", como dizia Marx.
O nosso problema consiste em retomar Platão e o seu mito das penas eternas retomado pelo cristianismo sob a imagem do inferno, ou abandonar esse expediente. Contudo, sem ele ficamos entregues à bicharada, ao perigo de "guerra à la Hobbes".
A teoria filosófica do mal retoma o pecado original e a queda. Ou vemos o problema numa perspectiva física ou teológica ou um misto de ambas. Para todos os efeitos, precisamos ser pragmáticos: qualquer teoria visa a punição do mal.
Num aspecto, Arendt ten razão: a regressão do pensamento favorece o mal. E dizendo as coisas sem paixão nós raramente desejamos o bem de outrem e isso vê-se quando o outro deseja partilhar conosco não as tristezas mas a alegria.
Em Portugal, nunca podemos dizer: "Estou bem..., Estou feliz". O rosto do outro revela a sua decepção. Daí o mal do "mau olhado".
Daí que Sartre tenha visto nos outros um inferno ou que, mais tarde, retome a escassez para explicar a história: o prático-inerte e as suas formações sociais mostram que o homem é devorador do homem; inimigos, rivais, lobos, como dizia Hobbes.
Em suma, estou a ficar como o Wittgenstein: Já que o homem criou a bomba atómica que morra de vez... O desejo secreto de Wittgenstein era ver a humanidade devorada pela explosão da bomba: um inferno devorador.
Contudo, devemos procurar cooperar na rivalidade fratricida. Ou não, não sei... A morte de Deus coloca-nos estes problemas terríveis! :(
Francisco, tembém sinto mais o mal do que o bem.
Em seus primeiros artigos), Marcel Conche ("O sofrimento das crianças como mal absoluto"), ao analisar o sofrimento das crinças como mal absoluto, repudia a existência de Deus, nestes termos:
"Mas as crianças não têm, sobre sua vida natural, esse domínio que lhes permitiria transfigurá-la. Como o seu sofrimento não pode assumir um sentido para elas, a mim não é permitido atribuir-lhe um. Colocar-me no lugar delas, considerar aceitável que seu suplício tenha razão de ser, seria faltar ao meu dever essencial que é não só tratá-las e respeitá-las como pessoas, enquanto ainda não são (e que seu devir-pessoa depende precisamente de mim, o que constitui para mim, perante elas, uma responsabilidade infinita), mas recusar qualquer aprovação, ainda que implícita, àqueles que não reconhecessem este dever. Devo, pois, recusar admitir a possibilidade da legitimidade do suplício das crianças. Mas acreditar na existência de um Deus criador do mundo seria admitir a possibilidade desta legitimidade. Assim, de um ponto de vista moral, não tenho o direito de acreditar, não tenho o direito de acreditar em Deus. É, ,pois, moralmente necessário negar a existência de Deus". (Cf. Kant: é moralmente necessário admitir a existência de Deus", Critique de la raison pratique, p. 135).
A justificação religiosa para o sofrimento das crianças sempre foi embaraçosa, até mesmo para os advogados de Deus.
Li recentemente uma carta de Santo Agostinho a São Jerônimo em que o primeiro diz:
"Quando se chega às penas das crianças, fico num grande embaraço e não sei o que responder... Não são elas derrubadas pelas enfermidades, dilaceradas pelas dores, torturadas pela fome e pela sede, fragilizadas nos seus membros, privadas do uso dos sentidos, atormentadas pelos espíritos imundos?... Deus é bom, Deus é justo, Deus é onipotente, não podemos duvidar disso sem que estejamos loucos, mas, que nos digam por que justo motivo as crianças são cndenadas a sofrer tantos males."
Queria muito saber qual foi a resposta de São Jerônimo, porém ela não veio. Talvez, ele também tenha ficado embaraçado.
Sim, concordo com Conche com esta reserva: colocar-me no lugar do outro é, como mostrou Mead e antes Smith, um bom caminho para criar laços e o próprio eu.
Temos outra via: Deus alienou todo ou quase todo o seu poder na criação, colocando-se em RISCO. Perdendo a sua majestade, Deus ficou entregue ao homem e depende de nós salvá-lo ou matá-lo de vez. Nada está garantido, incluindo a redenção. Não podemos culpar deus pelo mal; só o homem é culpado pelo mal.
Poderia ser a resposta de Jerónimo à angústia de Santo Agostinho...
Sim, a sua reserva é pertinente.
"Deus alienou todo ou quase todo o seu poder na criação, colocando-se em RISCO. Perdendo a sua majestade, Deus ficou entregue ao homem e depende de nós salvá-lo ou matá-lo de vez".
Então não estaríamos diante de um Deus deveras humano? Um Deus que se coloca em risco é muito humano.
É dificil nos enredarmos por estas argumentações porque a limitação lingüística está sempre a nos assombrar.
"Nada está garantido, incluindo a redenção". Será que a redenção está sujeita a fatores aleatórios? Certa vez, discuti com a Denise os dogmas espíritas acerca do livre-arbítrio. Não consigo aceitá-los. Mas repudio a defesa irrestrita de certos determinismos. Não sei bem onde me situar. Necessito de novos conceitos.
Exacto... demasiado humano e talvez solitário. Afinal, estamos entregues a nós mesmos. Estamos em risco...
Compreendo bem as suas dificuldades: fazem parte da nossa condição de mortais.
Espiritismo parece-me coisa mal pensada, sobretudo quando recorre à ciência.
Lendo bem Kant, um longo comentário a Platão, recorremos a "quimeras" para manter as coisas humanas em ordem. Kant sabia que o eu empírico era a sua única "certeza"; o eu transcendental escapa sempre...
Mas nós humanos não suportamos o materialismo, aquele que diz que depois de morta a pessoa regressa à cadeia trófica: já não está em situação.
No fundo, devemos aprender a ser livres e responsáveis no abismo... Isto é coragem de ser sem garantias transcendentais.
Além do que disse, o que me incomoda no Espiritismo (e em outras doutrinas) é a apologia da resignação e do sofrimento como um meio de evolução.
Sempre me lembro de uma frase de Torga com a qual concordo: "Quem não se revolta, não cria. Puxa o carro da rotina". Em outros termos, leva uma vida de animal metabolicamente reduzido.
Sim, é a ética do abismo. Responsabilidade além de quaisquer garantias transcendentais. Concordo. Mas como é difícil...
Estou a ver que Torga é um filósofo. Tirando algumas obras não o conheço bem, tal é a maldade dos currículos feitos em Lisboa. Mas motivou-me e vou ler Torga. :)
O sofrimento é terrível..., não o suporto em mim e nos outros, embora reaja com frieza aparente, mas faço tudo para o abolir. Também não gosto do discurso do sofrimento. Critico a medicina da dor (diferente do sofrimento) mas prefiro dopar que ter dores ou ver os outros com dores.
Sim, é difícil, sobretudo quando vemos os próximos partir deste mundo: ficamos sempre mais pobres...
Afinal, nem tudo está perdido, porque estamos a reconhecer que gostamos de alguns outros. Nada mau!
Francisco, Torga é um pensador muito fecundo. Estou a procurar os volumes de seu Diário, mas neste deserto intelectual em que vivo é muito difícil encontrá-los. Dependo de algumas bibliotecas que costumo freqüentar
No Brasil, os leitores são exceção. E a maioria só lê porcarias norte-americanas.
Sim, o que nos salva é o afeto que nutrimos por alguns outros. Mas, com exceção dos mortos que são muitos, gosto de poucos vivos.
Reuni alguns trechos do volume V e VI do Diário de Torga. Se quiser posso lhes enviar por e-mail.
Ainda não terminei de digitá-los. Mas falta pouco :)
Quer editar os trechos de Torga aqui? É capaz ser boa ideia, porque são poucos os portugueses que o leram a fundo, eu também estou incluído. Só li Os Bichos, Portugal e mais qualquer coisa dos contos.
Como sou tratado como estrangeiro em Portugal, até pelos portistas, estou desculpado, suponho.
Os portugueses são tontos, sem ofensa.
Vivo no Porto e, na rua ou noutro sítio, sou interpelado em alemão. Se não reagir ou reagir com careta, falam inglês, e, se voltar a reagir com careta, vem o francês.
depois eu também gozo com a situação. Ainda hoje no café, a falar português correcto, um portista disse-me: é estrangeiro mas portista. Já não vale a pena desmentir... Conformei-me à falsa condição de estrangeiro e tudo isto devido à cor da pele: questão racial, não entendo. Os indivíduos negros também pensam que vim dalguma colónia inglesa. A razão não foi forjada para esta universalidade que o mundo de hoje lhe impõe. A verdade é que acabamos por falar línguas diferentes, mesmo quando falamos a mesma língua. :(
Em suma: os russos e ucranianos simpatizam comigo e dizem mal dos tugas. Os amigos brasileiros daqui safam-se melhor a lidar com as diferenças. Os portugueses são mais precários e inseguros...
Afinal, o André tem razão: a multiculturalidade pode ser um sério problema...
Francisco, também já fui confundido com estrangeiros. Certa vez, uma colega Dinamarquesa que estava aqui de passagem, hospedada na casa de uma amiga, me disse que eu não tinha nada de brasileiro. Considerei um elogio a observação dela :)
De fato, sou um apátrida.
Assim que terminar de reunir os trechos do Diário de Torga, vou lhes enviar.
Meus poucos amigos brasileiros consideram ofensiva a minha falta de sentimento patriótico. Digo-lhes, sem temer reprovação, que não sinto orgulho de ser brasileiro. Ao contrário, é-me penoso pertencer a um povo híbrido, passivo, ignorante e morbidamente festivo. Há exceções, sem dúvida. Conheço brasileiros notáveis. Mas são raros de encontrar :(
"A verdade é que acabamos por falar línguas diferentes, mesmo quando falamos a mesma língua".
Sim e esta verdade explica muitos dos nossos conflitos insolúveis.
Somos exilados nos nossos próprios países; o que tem também o seu lado positivo, porque conseguimos apreender aquilo que os outros não captam. O distanciamento aguça a nossa observação.
Voltando ao nosso tema do mal, tenho constatado que as pessoas mais humildes são mais solidárias. Nunca falei muito com essas pessoas; agora falo um pouco mais e elas são boas pessoas. Socorrem-nos mais facilmente numa situação de apuro de rua do que os amigos de colarinho-branco, cuja cabeça é um vazio total.
A educação alimentou esse preconceito; hoje tento ser mais aberto e tenho ficado surpreendido com uma certa sabedoria e honestidade dessas pessoas, mais as de certa idade do que os mais novos. Elas cultivaram a memória e tiveram um ensino curto mas profundo. Hoje as licenciaturas, mestrados ou doutoramentos não valem nada: os professores e liberais queixam-se da falta de memória, sem pensar que nunca a cultivaram. Sem acetatos ou power point, não sabem dissertar nada: tudo esquemas/cabulas. Por isso, estamos em regressão, a começar pela classe política.
Eu conheço os brasileiros superfixes: um deles é professor numa academia e conta coisas deveras pertinentes. E, no entanto, atirou com um gato do sexto-andar e com razão: a namorada portuguesa dele, uma amiga, é terrível, chata, má e, não sei se ele sabia (não lhe disse) lésbica.
Outro amigo é dentista, mas este é mais malandro, embora divertido e imaginativo. Com tanta sacanagem, divorciou-se. Pensando bem neste caso foi a mulher que beneficiou.
Francisco, tenho alguns parentes que moram em Uberaba, uma pequena cidade localizada em Minas Gerais. Lá encontrei pessoas simples e acolhedoras. Alguns me fizeram pensar nos antigos Cínicos, que procuravam levar uma vida em harmonia com a natureza, distanciando-se das torpezas da cidade. Achei-os sábios e bons.
Por outro lado, aqui em São Paulo conheço muitas pessoas- com um certo grau de cultura- que são perversas, mexeriqueiras e egoístas. Raro é encontrar alguém que seja instruído, sábio e bom (ou ao menos que tenha consciência de seu próprio mal, o que já é muita coisa)
A malandragem é um traço muito típico do brasileiro.
Com seus estratagemas infinitos, os brasileiros conseguem enganar até Deus.
Meus conterrâneos conseguem ser burros e imaginativos ao mesmo tempo. Trata-se de uma burrice colorida, fecunda,
:))
Tenho de ir a um aniversário. É-me estranho ver pessoas, pois passei esta semana na clausura. Às vezes fico tão farto de gente. Sinto necessidade de me isolar do turbilhão.
A higiene psíquica é necessária.
Até logo!
Portugal é quase todo urbanizado, mas costumo ir a umas aldeias e verifica-se isso que disse. E o mais curioso é o facto dessas pessoas conservarem um vocabulário rico e culto/erudito. Muitas palavras desconhecia e ainda desconheço. Em Portugal, critica-se muito o analfabetismo, mas o que fazem essa crítica nunca leram uma obra: tiram os cursos ou por e-mail ou por copianço ou porque os professores já não exigem nada.
E o que escrevem está repleto de erros, além da aus~encia de pensamento. Eles fingem que lêem mas andam sempre na conversa e no passeio. Ainda agora um empregado do café colocava a questão: onde estas pessoas vão buscar dinheiro quando não trabalham? Ter emprego significa não trabalhar: isto foi criado aqui pelas políticas pseudorevolucionárias após 25 de Abril. Portugal é subsidiado ou foi; agora as coisas dificultam-se e, para manter os direitos adquiridos, sacrifica-se o futuro das gerações por vir.
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