terça-feira, 31 de março de 2009

Prós e Contras: Uma questão de segurança!

O debate de Prós e Contras de hoje (30 de Março de 2009) foi dedicado à criminalidade, conflitualidade e segurança interna, girando muito em torno do Relatório de Segurança Interna realizado pela equipa do Coordenador-Geral do Sistema de Segurança Interna, Mário Mendes: o indicador mais alarmante deste Relatório é o de que os números relativos à criminalidade geral, violenta e grave, dispararam em Portugal no ano de 2008, embora se tenha verificado um "abaixamento (ou descida) do número de crimes graves nos três primeiros meses do presente ano". Mário Mendes considera que o combate contra a criminalidade não é tanto um "problema de números", mas sobretudo uma questão de saber reforçar e optimizar os recursos humanos, mediante a reformulação de modelos. É preciso saber se esta criminalidade verificada no ano anterior é um fenómeno estrutural ou um fenómeno conjuntural: a criminalidade em Portugal parece estar associada aos fluxos migratórios legais e ilegais, susceptíveis de fomentar movimentos de criminalidade, tais como exploração de pessoas e tráfico de seres humanos.
Os opositores das políticas governamentais de segurança interna, Fernando Negrão (PSD) e Helena Pinto (BE), além de não concordarem com a criação da figura do Coordenador-Geral sob comando directo do Primeiro-Ministro, dirigiram as suas críticas às diversas políticas implementadas pelo Ministro da Administração Interna, Rui Pereira. A reorganização das forças policiais não foi feita a tempo de prevenir a criminalidade observada no ano anterior (Helena Pinto) e o governo falhou por não ter recrutado novos efectivos para fazerem o devido patrulhamento (Fernando Negrão), como se o problema da criminalidade pudesse ser resolvido com maior número de polícias. O deputado do PSD considera que a situação é mais grave do que aquela relatada pelo Relatório, porque muitos alvos dos crimes não apresentam queixa por não acreditarem no sistema de segurança interna. A situação de grave crise económica potencia o crime, nomeadamente os assaltos às casas e o crime organizado, e parece que nada está a ser feito para prevenir essa criminalidade resultante do desemprego e da pobreza. Fernando Negrão mencionou dois factos insólitos divulgados recentemente pela comunicação social: as patrulhas de professores para evitar a prática banal de crimes nas escolas e os professores que entram nas escolas protegidos por agentes de segurança. Segundo um membro de um dos nove sindicatos da polícia (sic), estes factos revelam que, daqui a uns dez anos, a criminalidade irá aumentar drasticamente. Embora não tenha sido processada neste Relatório, a criminalidade juvenil banaliza-se nas escolas e nos espaços públicos e ameaça colonizar o futuro com actos de criminalidade excessivamente violenta. Retomando a ideia do número excessivo de agentes privados de segurança quando comparado com o número de agentes públicos de segurança, Helena Pinto não resistiu a referir uma assimetria de poder no acesso à segurança: Os ricos têm acesso à segurança privada, enquanto os mais pobres não são protegidos pelas forças públicas de segurança. Além disso, referiu a ausência de uma política europeia de combate ao crime e considerou o Código do Processo Penal (as leis penais) como uma "trapalhada do governo" (15 dias), alertando para o número excessivo de armas que circulam pelo país e o acesso dos jovens de 16 anos às armas. No entanto, para a deputada, as leis defendidas por Rui Pereira não interessam: o que interessa são os meios disponibilizados às forças policiais que a Helena Pinto não soube explicitar. Dada a precariedade destas críticas da oposição, foi fácil para Rui Pereira rebatê-las uma a uma, com enorme mestria e conhecimento.
O Ministro começou por frisar o carácter positivo da reorganização das polícias e da sua coordenação mais eficaz, sem prejuízo das respectivas hierarquias policiais, focando três aspectos fundamentais da sua actuação: a segurança constitui um direito fundamental, tal como a liberdade, que o governo pretende garantir a todos os cidadãos portugueses (1); negou a existência de um número mais elevado de forças privadas do que de forças públicas, embora possam haver diferenças de habilidades profissionais que estão a ser combatidas através do recrutamento de novos efectivos, da dignificação da carreira e da definição das suas competências (2); e referiu que o governo segue uma política equilibrada de imigração, mediante a criação do passaporte electrónico, do controle dos fluxos e das redes criminais e da intervenção rápida, com o objectivo de tornar as fronteiras mais seguras sem impedir a livre circulação das pessoas (3). As forças policiais portuguesas são respeitadoras dos direitos humanos, aliás uma "disciplina" administrada nas academias da polícia, e a Inspecção Geral da Administração Interna zela e garante os direitos fundamentais dos polícias e dos cidadãos. As leis penais acusadas de serem uma trapalhada reforçam substancialmente a defesa das vitimas mais vulneráveis, nomeadamente as vítimas de violência doméstica; as ofensas corporais cometidas contra as autoridades foram criminalizadas e penalizadas; a polícia de proximidade já é uma realidade em expansão; estão a ser realizados investimentos nas forças policiais, em especial na aquisição de equipamentos mais adequados para combater as novas criminalidades; as esquadras da polícia não foram fechadas, como sucedera no tempo de António Costa; a lei das armas foi uma boa medida tomada pelo governo, dado agravar as penas e facilitar a prisão preventiva; e as acções mediáticas de prevenção são decididas pelo Director Nacional da PSP e não pelo Ministro, conforme corroborou o próprio Oliveira Pereira, alegando serem sinais públicos de uma polícia pró-activa.
Deste modo, os argumentos avançados pela oposição foram completamente desmentidos, mas coube ao General Garcia Leandro fazer a apologia da acção governativa: A segurança não deve ser debatida na praça pública, dado ser fundamentalmente da responsabilidade do Primeiro-Ministro. O General acusou todos os governos anteriores de não terem tido coragem para reformar as forças de segurança durante vários anos, o que fez Portugal ficar sem capacidade para fazer face à enorme violência e insegurança que se vivem no momento presente. Embora tenha dito ser inteiramente imparcial e neutral, Garcia Leandro rejeitou categoricamente as críticas dirigidas por António Costa ao actual ministro, mostrando simpatia e concordância com as medidas estruturais adoptadas e lembrando que a sua implementação vai demorar mais tempo do que aquele desejado pelo governo. Contra o repúdio das acções de prevenção manifestado por Helena Pinto, Garcia Leandro recordou que as operações levadas a cabo pela polícia são meramente preventivas e dissuasoras pelo facto de serem televisibilizadas pelos meios de comunicação. Mas não concordou com a sugestão feita por Rodrigo Santiago: a mudança de cultura da polícia e a doação de mais poder aos cidadãos, nomeadamente pela escolha de chefias exteriores às polícias, no que foi acompanhado pelos sindicalistas. Na peugada de Fernando Negrão, defendeu a necessidade de devolver mais autoridade às forças de segurança, que o Ministro interpretou como um reforço conjunto da autoridade dos cidadãos e das polícias.
Dado pertencer ao Bloco de Esquerda, seria de esperar que Helena Pinto falasse mais das condições sociais da criminalidade, mas quase nada disse a esse respeito, concentrando o seu ataque à suposta identificação feita por Mário Mendes entre imigração e criminalidade cometida por estrangeiros. Nada disse sobre a criminalidade de colarinho-branco, uma das responsáveis pela actual crise financeira, para atenuar a penalização das criminalidades resultantes do desemprego e da miséria produzida por um sistema de exploração do homem pelo homem. O colapso da distinção entre criminalidades ricas e criminalidades pobres é claramente favorável à concepção dominante de segurança: a criminalidade é vista como atentado contra a propriedade alheia e a segurança, como protecção da propriedade dos ricos. Os pobres são irremediavelmente os criminosos: uma noção absolutamente inumana. Neste aspecto, o discurso de Mário Mendes foi mais sociológico e humanista do que o discurso da deputada, porque, partindo do facto de uma sociedade livre e global ser uma sociedade de risco, soube mostrar que a consciência de risco está associada a determinados medos exibidos pelos portugueses, em função de determinadas conjunturas. Ora, este sentimento de medo e de receio é mais evidente em Portugal do que nos outros países europeus, quase todos eles, com excepção da Irlanda, com níveis menos elevados de medo, apesar do nível de criminalidade em Portugal ser mais baixo, ainda que a sua carga de violência possa ser preocupante. Em Portugal, as desigualdades sociais agravam-se cada vez mais, devido à má-governação das classes dirigentes, e a frustração resultante da exclusão social pode ajudar a compreender essa carga de violência. A sociologia da criminalidade é, de resto, incapaz de compreender a sua complexidade e a sua dinâmica psicobiológica e de ajudar na busca de formas eficazes de combate à criminalidade violenta: desprezar os factores étnicos no estudo da criminalidade é o mesmo que lançar areia para os olhos dos cidadãos, impedindo-os de detectar sinais de alarme e de combater ou evitar o crime. Nesta matéria, a política do segredo não é amiga da segurança e da liberdade dos cidadãos.
Embora os sindicalistas tenham afirmado a existência de uma sólida cultura policial, Fernando Negrão e Rodrigo Santiago têm razão quando defenderam a necessidade de melhorar a cultura e a formação dos polícias. A fragilidade da formação cultural, "científica" e comunicacional das polícias portuguesas fica demasiado patente nos casos mediáticos, mas também aqui esse facto revela o fracasso total da educação em Portugal e a dificuldade exibida pelos portugueses para interpretar inteligentemente uma situação sem falar demasiado, levando em conta apenas sinais sociais: a inteligência social dos portugueses é péssima e a sua inteligência emocional é descontrolada, talvez devido a um fenómeno de regressão cognitiva estrutural que alimenta a criminalidade grave e violenta. Numa sociedade corrupta como a nossa, na qual as classes dirigentes medíocres se perpetuam ao longo de gerações no poder, mediante um sistema fraudulento de cunhas, de hereditariedade familiar e de abusos de poder, bloqueando completamente a igualdade de oportunidades e a justiça social, a violência extrema pode ser usada pelos eternos deserdados para regenerar o próprio tecido social: a segurança deve ser entendida como um sistema de protecção do mérito contra a perpetuação dos abusos de poder e da mediocridade das pseudo-elites nacionais. O facto dos seus membros contratarem forças de segurança privada para os proteger nos seus condomínios fechados das ameaças revela a sua má-consciência e a sua responsabilidade pela miséria presente.
J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, não digam que sou mauzinho, porque faço comentários que procuram dar inteligibilidade onde ela praticamente não existia, emprestando uma moldura teórica mais erudita. A filosofia é fundamental para a vida em todas as suas dimensões, incluindo a da segurança. :)

Helena Velho disse...

e sobretudo para a compreensão conceptual da vida enquanto construção social...a psicologia precisa muito da filosofia embora os "cientistas" achem que isso da pós-modernidade não cabe no saber científico.
e as emoções como produto exclusivo da cultura? nunca escreveu nada sobre este tema?
o medo, o nojo, a tristeza, a surpresa a raiva ou ira serão mesmo inatos? ou geneticamente somos programados para as recebermos da e na nossa cultura?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, já escrevi sobre algumas dessas emoções, mas talvez mais numa perspectiva biológica. Existe uma teoria social das emoções, aliás mais de uma, e penso que constitui um bom contributo para a compreensão da condição humana. Em Heidegger, esse aspecto entra como tonalidade afectiva. Sartre tb tem uma teoria das emoções já esquecida.

Sim, a ciência precisa da filosofia e esta da ciência. O pós-modernismo tem um aspecto negativo: a crítica radical da racionalidade científica, mas tem dado bons contributos teóricos. Sim, não podemos negar o papel da cultura...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aqui de lado (esquerdo) na lista das actualizações, tenho um post sobre etologia cognitiva que vai ao encontro do seu post emoções e animalidade.

Helena Velho disse...

eu pareço uma cusca ...vou lá ver que o que escreve "me encanta"!