«Dentro do quadro estritamente nacional não cabem nem se explicam o movimento de expansão geográfica dos Portugueses e o seu dirigente principal, o infante D. Henrique. O Infante Navegador é uma das maiores figuras da Humanidade e a empresa dos descobrimentos lusitanos, uma das mais fecundas em resultados de todos os tempos. Basta divisar em conjunto a marcha geral da expansão do homem no planeta para se tornar patente que o momento decisivo, nessa série de tentativas por tantos séculos dispersas, é aquele em que os Portugueses, sob a direcção ou a inspiração do Infante (Azul e Branco, Blue Dragon), conseguem não só dar corpo e unidade aos esforços do passado, mas assegurar-lhes, pela eficiência do novo impulso, a continuidade no futuro. Com o advento das navegações portuguesas, o homem vai pela primeira vez conhecer os lineamentos gerais e a grandeza do planeta que habita, e concebe das suas possibilidades sobre a terra uma ideia exaltadora em alto grau das suas energias». (Jaime Cortesão)
As Descobertas dominaram o imaginário empresarial e patrimonial do debate Prós e Contras de hoje (14 de Fevereiro) e, por isso, escolhi esta imagem do Infante Dom Henrique de Avis, o ilustre portuense (Porto, 1394-1460) que abriu Portugal ao mundo, para fixar o conteúdo deste comentário: o estratega e dirigente da primeira globalização foi um homem do Porto. O Infante do Porto dirigiu a maior empresa nacional da História de Portugal e o seu mérito foi reconhecido mundialmente: Beazley - um historiador inglês - enalteceu-o, erguendo-o à categoria de primeiro entre os homens que provocaram os maiores progressos da Humanidade, chamando-lhe «o verdadeiro leader dum Renascimento e duma Reforma» (Jaime Cortesão). Portugal atravessa a maior crise da sua longa história e navega em águas mortas sem rumo e sem projecto de futuro: o Infante do Porto abriu-lhe o mundo mas Portugal não soube explorar de modo construtivo essa abertura ao mundo, fechando-se na sua própria mediocridade visceral - o deserto da cultura - por causa da corrupção endémica que o domina desde o 25 de Abril. Usei intencionalmente a expressão deserto da cultura para desconstruir o preconceito dominante - uma terrível mentira nacional! - que Fátima Campos Ferreira introduziu - talvez inadvertidamente - neste debate ao convidar um agente cultural - António Pimentel (Museu de Arte Antiga) - para discutir a necessidade de elaborar uma nova empresa nacional com empresários ou gestores de empresas privadas - Basílio Horta (AICEP), Luís Filipe Pereira (EFACEC), José Manuel Fernandes (Frezite) e Rogério Carapuça (NovaBase), entre outros empresários ligados ao sector das indústrias tradicionais. A presença de Basílio Horta reforçou o mote do debate: mais empresas a produzir e a exportar para mais mercados e mais imagem de Portugal no mundo. Para sair da crise, Portugal precisa de produzir mais e de exportar mais. Apesar de não detalhar um programa ou plano completo de crescimento económico, a perspectiva da internacionalização e da exportação rompe, pelo menos teoricamente, com a nefasta prática nacional de endividar o país para melhorar artificialmente o bem-estar dos portugueses (Luís Filipe Pereira): as únicas medidas defendidas por Basílio Horta para atrair o investimento estrangeiro foram o pacto laboral para a competitividade entre empresários e trabalhadores (1), crescer em conjunto e em cluster (2), crédito e políticas de apoio (3) e reforma do sistema de justiça (4). José Manuel Fernandes preferiu chamar a atenção para o desequilíbrio existente entre o sector dos serviços - a aposta portuguesa das últimas décadas - e o sector dos bens transaccionáveis para defender a regresso ao chão da fábrica e à economia real das empresas, distinta da macro-economia dos economistas do grande ecrã da TV. José Manuel Fernandes tem toda a razão quando diz que os empresários são parceiros activos na implementação de estratégias adequadas de desenvolvimento económico de Portugal, mas onde estão esses empresários schumpeterianos de risco? Os maiores empresários portugueses trocaram o chão da fábrica - o sector da produção industrial e agrícola - pelo facilitismo do lucro garantido do sector dos serviços não-exportáveis: as grandes fortunas portuguesas e as empresas do regime vivem predominantemente da exploração do metabolismo nacional. A maior parte dos empresários portugueses não produz grande riqueza nacional, traduzida na criação de empregos e no aproveitamento das pessoas qualificadas, nem sequer valoriza a cultura e o património. Alguém conhece uma fundação cultural financiada por um grande grupo empresarial português? O défice da cultura portuguesa é basicamente o défice das humanidades. Alguém conhece um grande grupo empresarial português com vontade de ajudar a suprir o défice da cultura humanista e filosófica? Ao contrário do que se passa noutros países, as grandes empresas portuguesas e os bancos privados não valorizam a cultura e a paisagem urbana: as suas sedes são anti-edifícios construídos num espaço urbano não-requalificado. Tenho sérias dúvidas quanto à capacidade de empresários deste calibre - destituídos até mesmo de cultura empresarial - para realizar e concretizar o Eixo Atlântico: uma concepção de Ernâni Lopes que José Manuel Fernandes lembrou neste debate.
O tema da cultura e das descobertas como paradigma de empresa nacional entrou no debate pela voz histórica de José Manuel Fernandes: Rogério Carapuça colocou a cultura e a língua portuguesa ao mesmo nível da diplomacia económica. Cultura encarada como investimento na massa cinzenta (Luís Filipe Pereira) e diplomacia económica podem ajudar a promover as exportações nacionais. Luís Filipe Pereira e Rogério Carapuça têm um conceito tecnológico de cultura: a cultura tecnológica significa investimento na massa cinzenta dos portugueses - os zombies sem mente! - e pode ser medida pelo número de indivíduos bem-preparados pelas luso-universidades deslumbradas com o seu vazio cognitivo - o novo mito nacional largamente difundido por Rogério Carapuça! - e pelo valor acrescentado (Luís Filipe Pereira). Não sou contra esta dimensão tecnológica da cultura e muito menos contra a plataforma do carro eléctrico e a aposta nas indústrias de tecnologia avançada com valor acrescentado: o que me chocou não foi tanto este conceito quantitativo da cultura, mas sobretudo a sua aceitação acrítica por parte de António Pimentel, que, além de ter subordinado a imaterialidade da cultura à sua materialidade patrimonial, com o objectivo de despromover a língua portuguesa como pátria da identidade, matou a cultura quando a olhou como produto de consumo. A suposta boa-preparação das novas gerações - 1 em 10 portugueses ontem, 1 em 3 portugueses hoje (Rogério Carapuça) - revela-se negativamente no uso do conceito de indústria cultural: o efeito de desconhecimento total do seu perfil epistemológico. O conceito de indústria cultural foi forjado por Theodor W. Adorno para substituir o conceito de cultura de massas, cuja crítica aristocrática já tinha sido feita por Ortega y Gasset. O efeito global do sistema unitário da indústria cultural é o de uma anti-desmistificação: a dominação técnica progressiva da natureza converte-se num logro colectivo que tolhe a consciência das massas (Adorno). A utilização do conceito de indústrias culturais no plural, levada a cabo por A. Girard, entre outros teóricos da comunicação, perde de vista este efeito global, o efeito de liquidação do indivíduo autónomo, tornando-se incapaz de criticar a cultura afirmativa (Marcuse) veiculada pelos mass media. Alheio a esta controvérsia científica, António Pimentel não só identificou as indústrias do imaginário (Patrice Flichy) com a esfera do consumo, submetendo os bens culturais ao princípio de comercialização (Brecht), sem levar em conta o seu efeito global de ofuscamento ideológico, como também fez da cultura uma embalagem comercial - o medium da linguagem visual do marketing - para facilitar as exportações nacionais. Um tal conceito heterónomo de cultura reflecte já o triunfo consumado do sistema da indústria da cultura: não só os seus consumidores passivos, como também os seus produtores e agentes, foram definitivamente privados da sua autonomia e da sua independência, tornando-se incapazes de avaliar com consciência e de tomar decisões racionais. Ao fazer da cultura - tomada sob a forma de turismo cultural - uma escrava da economia, António Pimentel limitou-se a reivindicar - a título pessoal - um lugar ao sol no xadrez do poder vigente da sociedade administrada. Curiosamente, foi uma figura administrativa - Rogério Carapuça - que referiu a não-existência de um grande filme sobre os descobrimentos portugueses. Com a nomeação desta lacuna cultural, caiu por terra a sua confiança na qualidade das universidades portuguesas: o aumento do número de diplomados - sobretudo quando estes diplomados são analfabetos funcionais - não significa necessariamente maior preparação técnica e científica para resolver os desafios do futuro. A cultura portuguesa é, toda ela, uma enorme lacuna, ou melhor, um deserto cognitivo: os poucos oásis de cultura criativa que surgem no seio deste vasto deserto lusitano, como por exemplo a Escola do Porto, são sistematicamente mergulhados no esquecimento pelos zombies universitários que só colaboram entre si nestas criminosas ocasiões, para liquidar todos aqueles que assombram a sua mediocridade visceral. As universidades portuguesas são cloacas comportamentais, isto é, escolas do crime cultural. Para singrar e vencer em Portugal, é preciso ter cunhas: o mérito é uma palavra estranha ao universo português. Toda a organização social portuguesa milita contra a competitividade, interna e externa: a inveja patológica dos portugueses - a manifestação pública da sua mediocridade genética - mata tudo o que é distinto. Nesse sentido, concordo com Rogério Carapuça quando afirma que a mudança de atitude vem antes da definição de estratégias adequadas (Luís Filipe Pereira), mas não vejo como podemos alterar a atitude invejosa dos portugueses sem lhes impor de cima uma estratégia integral e multi-factorial de desenvolvimento nacional. O resgate da cultura portuguesa implica a eliminação dos burros malvados que ocuparam ao longo dos tempos os centros de decisão nacional, da política à cultura, passando pela comunicação social. O estado de inveja patológica faz de Portugal uma mentira organizada e, se nada fizermos para alterar esse estado de degeneração através de uma revolução cultural permanente, não podemos sonhar com um mundo melhor: a psicologia de base dos portugueses é avessa à cultura superior, o que ajuda a compreender a sua propensão quase-inata para a corrupção, a alienação e a adição tecnológica. A imagem de massas desalmadas de zombies ligados em rede pela via do telemóvel ou da Internet, perseguindo os homens verdadeiramente humanos, - a imagem de Portugal Contemporâneo! -, é um espectáculo sinistro. Portugal é um filme de terror.
J Francisco Saraiva de Sousa
5 comentários:
Ui, isto hoje está complicado: o blogger está com falhas. Vou fazer uma pausa e aguardar... :)
Hoje estou mesmo com problemas na publicação: faço nova pausa porque não quero perder texto e voltar a escrever. :(
Pagamos facturas caras para ter bons serviços de Internet e somos mal-servidos pelas empresas! :(((
A Efacec (Leça), a Frezite (Trofa) e a NovaBase (Porto) são empresas do Norte.
Também o Infante D. Henrique morreu endividado! :)
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