«A tragédia mental de Portugal presente é que, como veremos, o nosso escol é estruturalmente provinciano». (Fernando Pessoa)
«Quando o carácter adoece e se dilui, é natural que o espírito de iniciativa dê lugar ao imitativo ou simiesco. A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco. Este persegue-nos constantemente, vigiando-nos, e aproveitando o primeiro descuido da nossa pessoa, para se lhe substituir». (Teixeira de Pascoaes)
«Nunca os portugueses mostraram queda para as altas especulações filosóficas.» (Sampaio Bruno)
Na história do espírito humano, podemos distinguir dois tipos de épocas: as épocas em que o homem está abrigado e as épocas em que o homem está à mercê das intempéries, sem-abrigo. Nas épocas abrigadas, o homem vive no mundo como se vivesse em sua própria casa, enquanto, nas épocas sem-abrigo, o mundo é uma imensa intempérie e, frequentemente, o homem não tem quatro estacas para erguer uma tenda. A natureza da reflexão antropológica varia em função da época em questão. Nas épocas abrigadas, o homem não é um ser problemático e, por isso, o pensamento antropológico integra-se pacificamente no seio do pensamento cosmológico, mas, nas épocas desabrigadas, o homem torna-se problemático para si mesmo e, em consequência disso, o pensamento antropológico adquire profundidade e independência. A pré-história da antropologia filosófica fornece todos os materiais para pensar esta conexão entre o tipo de época histórico-espiritual e a natureza do pensamento antropológico, bastando nomear Santo Agostinho que se surpreende com aquilo que no homem não pode ser compreendido como parte integrante do mundo, e o movimento espiritual da gnose, sobretudo o maniqueísmo, que, despojando a criação de valor, nega ao homem um lugar no mundo. Apesar da riqueza cognitiva desta pré-história antropológica, o nascimento da antropologia filosófica está estruturalmente ligado à emergência do capitalismo: «Mundo contingente e indivíduo problemático são realidades que se condicionam uma à outra» (Lukács). O mundo contingente de que fala Lukács é, conforme mostraram Marx e Engels, uma criação do capitalismo: o pecado original do capitalismo - a apropriação privada dos bens da natureza e da sociedade - é a manifestação suprema da alienação. A associação teológica da alienação com o pecado original foi vista pelo jovem Lukács nestes termos: «O carácter estranho desta natureza relativamente à primeira, a apreensão moderna sentimental da natureza, não são mais do que a projecção da experiência que ensina ao homem que o mundo ambiente que ele mesmo criou não é para ele um lar, mas uma prisão». A contingência do mundo e o homem problemático são realidades e categorias históricas que se condicionam reciprocamente: a missão histórica - isto é, política - do marxismo foi dar um abrigo ao sem-abrigo, mais precisamente aos desabrigados pela revolução agrícola que precedeu a revolução industrial. Porém, independentemente dos efeitos nefastos da crise financeira e económica de 2008, a concretização de uma política do homem abrigado não é suficiente para garantir a desalienação do homem e do mundo, sobretudo quando conserva uma visão optimista e progressista da história sem a quebra radical da continuidade do capitalismo: quer dizer que o sem-abrigo é uma realidade humana originária - ou melhor, uma realidade bio-antropológica - refractária aos movimentos da história, a menos que o sonho médico totalitário seja capaz de alterar a natureza humana por meios farmacológicos, neuroquímicos e genéticos. A linguagem comum adulterou o sentido originário do sem-abrigo: em vez do seu sentido de abertura do homem ao mundo, o pensamento de rebanho do animal humano metabolicamente reduzido preferiu usá-lo negativamente, atribuindo este traço ou condição humana - aliás, o traço fundamental da liberdade do homem - aos homens que vivem na rua. Com esta adulteração do sentido originário do sem-abrigo, mediante a qual deixa de ser um conceito antropológico para passar a ser exclusivamente um conceito sociológico (Cf. Snow & Anderson), o homem europeu contemporâneo revela inadvertidamente a crise profunda da sua própria humanidade: a segurança é privilegiada em detrimento da liberdade e, quando isto acontece, o homem abdica da sua humanidade e entrega-se à preservação da sua animalidade, como se o mundo que criou fosse uma segunda natureza tão cega como a natureza que lhe é exterior. (:::)
No quadro da civilização europeia, o único povo que não criou uma metafísica foi o povo português. O facto de ser um povo sem metafísica (Hegel) é suficiente para classificar os portugueses como homens primitivos e arcaicos que, em vez de produzir a sua própria cultura superior, consomem a cultura alheia sem no entanto a compreender. Hoje em dia - por causa da massificação e do nivelamento por baixo - é difícil distinguir as três camadas da mentalidade portuguesa: aquilo que Fernando Pessoa atribuiu teoricamente a cada uma delas, eu atribuo ao português médio. A vida mental do português médio, uma figura psicológica e cognitivamente mumificada que está presente em todas as camadas sociais, revela-se na sua incapacidade de reflectir: o português é incapaz de pensar e, quando o finge fazer para imitar o estrangeiro civilizado, é incapaz de reflectir e de criticar com ideias próprias o que lê ou o que lhe dizem. Por causa desta incapacidade debilitante, os portugueses não evoluem e não crescem, vivendo parasitas de si mesmos e plagiando-se invejosamente uns aos outros para ver qual deles é o "grande macaco" que se destaca mais na praça pública. (:::) Embora não seja um fenómeno contemporâneo especificamente português, tendo entrado no território da filosofia pela mão de Peter Singer, a defesa irracional dos chamados direitos dos animais mostra até que ponto os portugueses já não confiam na sua própria humanidade, preferindo colocar-se ao nível dos animais, não dos animais selvagens mas sim dos animais domésticos. Apesar da diferença do tamanho do cérebro, a vida psicológica dos portugueses não é muito superior à dos chimpanzés ou, para referir um caso humano, à dos bosquímanos !Kung. Com esta comparação, pretendo chamar a atenção para o carácter arcaico e primitivo da vida mental e social dos portugueses, que pode ser estudada sem o recurso a teorias antropológicas sofisticadas: a ecologia do comportamento - utilizada por Robert Foley para apresentar uma síntese do processo de hominização e por Emilio F. Morán para estudar a ecologia humana dos povos primitivos da Amazónia - é suficiente para estudar os comportamentos dos portugueses. Os antropólogos sociais e os biólogos do comportamento das áreas da etologia, da ecologia comportamental e da sociobiologia encontram em Portugal um povo primitivo, cujo estudo pode ajudar a compreender a vida mental do homem primitivo: o genoma dos portugueses e de outras populações da Península Ibérica - fósseis vivos do homem primitivo - inclui alguns genes arcaicos, provavelmente responsáveis pelo seu provincianismo (Fernando Pessoa) e pelo seu estilo saloio. Quando aplicada ao estudo dos traços típicos dos portugueses e dos bascos, por exemplo, a genética do comportamento converte-se em arqueologia genética: o estudo de F. Cunha Leão - ele próprio um exemplar do homem primitivo - sobre a psicologia portuguesa destaca o excesso de emotividade nacional, associado a um complexo de inferioridade. (:::)
(Em construção) J Francisco Saraiva de Sousa
10 comentários:
Estou extremamente decepcionado com a última obra de António Damásio - O Livro da Consciência. Defende brutalmente a teoria da identidade e, mediante a elaboração de definições, pretende ter compreendido a construção do "cérebro consciente". Mas preciso pensar antes de o desconstruir! Estou farto de pensamento zombie! :(
As quatro obras que dedica ao tema, aliás muito idênticas, revelam o seu embaraço sobre o tema do cérebro consciente. Damásio nunca explicou a razão que o leva a desprezar o dualismo: ele é materialista tout court e a discussão fica posta de lado sem que a sua mente se surpreenda com o mistério.
Damásio é dogmático e não tem a erudição e a sensibilidade dos grandes biólogos! Muito português! E a sua cultura filosófica é rudimentar! :(
O que é deveras estranho é o facto de Damásio no seu quarto livro continuar a desprezar a sociedade, a cultura e a linguagem... Ora, se ele levasse tudo isso em conta, a sua teoria seria bem diferente e, mesmo que continuasse a ser materialista, seria mais rica. Outra lacuna é a ausência de uma teoria da memória: as definições de Damásio são filtros que rejeitam tudo aquilo que ele não assimilou. Além disso, o conceito de regulação da vida torna-se muito abrangente, perdendo por isso utilidade. Quando liga a cultura à regulação, abraça o funcionalismo que não resiste à erudição. Enfim, Damásio sabe que não explicou a consciência... Os seus livros não acrescentam mais-valia ao conhecimento do homem... pelo contrário, empobrecem o conhecimento já adquirido.
Homeostase sociocultural é um conceito estúpido! O social não é um conjunto de mentes! Pelo menos, Damásio devia conhecer Durkheim! O assalto às Humanidade produz escravatura e indivíduos mental e cognitivamente indigentes! Miséria de neurobiologia literária!
Paradoxalmente, Damásio é materialista quando fala da construção do cérebro consciente e mentalista quando refere a sociedade e a cultura. Enfim, o idealismo que expulsou pela porta da frente volta a entrar pela porta da traseira.
Outra fragilidade reside na sua noção de eu auto-biográfico e da sua dupla-vida: este dar consciência à memória é tosco porque a memória aqui referida é pobre e estranha aos arquivos culturais.
Enfim, Damásio quer ou deseja ver o mundo em acção no cérebro! Missão impossível!
Mais outra falha: o Livro termina com a arte - pré-histórica - vista a partir da homeostase. Porém, carece de perspectiva histórica: Para Damásio, a arte rupestre e as sinfonias são a mesma coisa...
Enfim, com esta tarde atarefada não concluí o texto... :(
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