quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Café Marx (2)

... e os Direitos do Homem.

«Toda a emancipação constitui uma restituição do mundo humano e das relações humanas ao próprio homem. /A emancipação política é uma redução do homem, por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral. /A emancipação humana só será plena quando o homem real e individual tiver absorvido em si o cidadão abstracto; quando como homem individual, na vida de cada dia, no trabalho e nas suas relações, se tiver tornado um ser genérico; e quando tiver reconhecido e organizado os seus próprios poderes como poderes sociais, de maneira a nunca mais separar de si este poder social como poder político.» (Karl Marx)

«Os direitos do homem são, em parte, direitos políticos, que só podem exercer-se quando se é membro de uma comunidade. O seu conteúdo é a participação na vida da comunidade, na vida política da comunidade, na vida do Estado.» (Karl Marx)

Max Horkheimer nunca apreciou a figura intelectual e moral de Jürgen Habermas e, por causa disso, a sua amizade com Theodor W. Adorno foi assombrada durante algum tempo: o tempo deu-lhe razão. A filosofia política e jurídica de Habermas abandona o espírito crítico que move a teoria marxista: Faktizität und Geltung (1992, 1994) cita apenas uma obra de Karl Marx - O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, sem referir uma única vez a crítica da Declaração dos Direitos do Homem de 1793 (e de 1791) feita por Marx na sua obra A Questão Judaica. Quando aborda o pensamento político de Arendt, Habermas não detecta que a sua crítica dos direitos humanos está muito próxima da crítica de Marx, a qual - por sua vez - pode ser confrontada com a crítica de Edmund Burke, através da mediação do humanismo integral de Ernst Bloch. Todos eles criticam o individualismo abstracto da Declaração dos Direitos do Homem: a noção arendtiana de direito à pluralidade, definido como direito a ter direitos, já se encontra tematizada nas obras de juventude de Marx. Porém, ao encarar a "sociedade" - o mundo comum de Arendt - como totalidade social antagónica, a crítica marxista do carácter abstracto e egoísta dos direitos humanos vai mais longe, na medida em que exige a restituição integral do mundo humano - a própria História! - ao próprio homem: falta-nos apenas desenvolver uma ontologia integral do sem-abrigo e do sem-mundo, de resto já aflorada na estética e na ontologia do ser-social de Georg Lukács. Mas, como não pretendo partilhar estes pensamentos profundos, deixo aqui algumas referências bibliográficas:

Marx, Karl (1975). Escritos de Juventude. Lisboa: Edições 70.
Marx, Karl (1984). O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Lisboa: Edições Avante!. (As traduções portuguesas das obras de Marx devem ser revistas e refeitas, porque não têm qualidade.)
Arendt, Hannah (1998). Origens do Totalitarismo: Anti-Semitismo, Imperialismo, Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras. (Esta obra foi publicada em Portugal pelas Publicações Dom Quixote.)
Bloch, Ernst (1961). Naturrecht und Menschliche Würde (Direito Natural e Dignidade Humana). Frankfurt: Suhrkamp.
Habermas, Jürgen (1998). Facticidad y Validez: Sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de teoría del discurso. Valladolid: Trotta. (A razão comunicativa de Habermas não me convence: a sua fraqueza reside no facto de ser impotente para garantir as condições objectivas do seu uso público quando estas são ameaçadas pela racionalidade instrumental, iníqua e invasora da economia de mercado. A democracia radical é incompatível com o capitalismo. Habermas priva a Filosofia precisamente daquilo que ela necessita para continuar a pensar um mundo melhor: a filosofia da história e a antropologia fundamental. A obsessão pela fundamentação normativa esquece que a fundamentação não garante a dignidade humana. O capital financeiro e os seus agentes diabólicos riem-se da fundamentação e da teoria do discurso, ao mesmo tempo que não escutam as vozes do protesto. Onde está a democracia quando o regime vigente priva a maior parte da humanidade do direito à palavra escutada? Do diálogo com os opressores - cegos e surdos em relação à vida alheia que sacrificam para conservar o seu narcisismo diabólico - nunca surgirá a emancipação! O abandono da tópica marxista e do paradigma da produção inviabiliza o projecto político da emancipação: a Esquerda privou-se da sua própria política, como se o capitalismo quisesse sustentar a sua agenda irracional de direitos, incluindo os direitos sociais!)
Bobbio, Norberto (1992). A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus.
Lefort, Claude (1980). Droits de l'Homme et Politique. Paris: Payot.
Lefort, Claude (1986). Essais sur le Politique. Paris: Seuil.
Gauchet, Marcel (1980). Les droits de l'homme ne sont pas une politique. Paris: Gallimard.

J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Este post está a gerar polémica no facebook! :)