quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Corrupção também na Língua Portuguesa

«Também gosto de ler os livros em português de Portugal, como os romances de Saramago, que tão suave e agradavelmente sabia se expressar, e percebo o quanto perdemos não só em vocabulário como em amor à nossa própria língua e que a nossa distância de Portugal não é somente física. /Porque um povo que não ama a própria língua não pode amar a si próprio.» (Fausto Brignol)

Aconselho a leitura deste belo texto de Fausto Brignol: A Corrupção também na Língua. Uma tese semelhante à apresentada pelo Fausto Brignol encontra-se esboçada neste texto: Cultura e Literatura Portuguesas. O Brasil precisa efectivamente cuidar mais da língua portuguesa e penso que os contactos entre as elites intelectuais dos países que falam a língua portuguesa - Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor - poderão desempenhar um papel determinante no fortalecimento de uma comunidade lusófona alargada. Infelizmente, os Ministérios da Educação e da Cultura dos dois países - Portugal e Brasil - converteram abusivamente a pedagogia do oprimido de Paulo Freire em pedagogia do atrasado mental. O resultado é, como observa Fausto Brignol, o confinamento dos oprimidos no seu próprio ghetto cultural. Usando a terminologia feliz da Estrutura do Discurso Pedagógico de Basil Bernstein, podemos dizer que as pedagogias administrativas dos Ministérios da Educação recomendam e fomentam - entre os oprimidos - os códigos restritos, em vez dos códigos elaborados, operando assim o nivelamento por baixo. A regressão cognitiva e a atrofia dos órgãos mentais estão na ordem do dia: os opressores querem abolir a cultura para vencer facilmente a resistência contra a sua dominação. Penso, falo e escrevo correctamente a minha língua materna, logo existo em possibilidade para a autenticidade: a correcção de Descartes tão necessária à luta revolucionária!

Anexo. Para facilitar o acesso ao texto, sobretudo a quem tem um computador lento, vou reproduzi-lo integralmente aqui: «Quando erramos, erramos. Ou não erramos? Há quem pense que uma república, por ser coisa do povo – res publica – no ensino da sua língua deve acompanhar a pobreza mental de quem não sabe ler, escrever e falar. O raciocínio parece ser o seguinte: se a maioria do povo não sabe falar (muito menos ler e escrever) o português correto, adote-se o não falar corretamente, o não escrever corretamente como sendo o correto, porque a maioria deve mandar no país, uma vez que a República deve pertencer ao povo.
«E assim pensando, os professores do MEC, do alto das suas altas graduações de pós-pós-doutorado, patrocinaram a edição de um livro didático que ensina que o errado também poderá ser certo, desde que você saiba falar (e talvez escrever) apenas o errado. A idéia é dizer ao povo, em sua grande maioria, que ele manda, mesmo que não saiba pensar, raciocinar e articular uma frase em português correto. Porque o correto poderá estar errado e o errado poderá estar certo, desde que o povo assim decida.
«O volume Por Uma Vida Melhor, da coleção Viver, Aprender, mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância. Os autores usam a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em outro exemplo, os autores mostram que não há nenhum problema em se falar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. Segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.
«Mais um ato de demagogia tipicamente petista. É mais fácil concordar com o que está errado do que ensinar o que é certo. E assim teremos uma segunda língua, alternativa aos analfabetos funcionais, que lembrará o português. E ficará tudo mais fácil para todos. Para que ensinar concordância, regência, análise sintática, que é tão difícil até para os professores? Morfologia...Sintaxe... E os verbos... São tão infinitivos que a sua tendência será desaparecer no infinito. É muito difícil aprender português. Então, para que aprender?
«Convenhamos, a linguagem vem em primeiro lugar, depois é que a língua é formada. Você pode se comunicar através de gestos, olhares, sons guturais e, desde que consiga fazer-se entender dentro do seu grupo social através de uma linguagem primitiva que facilitará essa comunicação... estamos conversados. Daí, para entender a língua conseqüente a essa linguagem e outras complicações ortográficas e gramaticais, deixemos isso para os idiotas que gostam de ler e de escrever. Vamos falar brucutu, inventar o nosso patoá. É mais fácil.
«É mais fácil, também, corromper e ser corrompido e estamos no Brasil onde quem não é corrupto é considerado bobo. Então, vamos corromper também a língua, para que fique bem entendido que a corrupção faz parte da nossa linguagem e entendimento enquanto brasileiros.
«Temos ótimos exemplos de corrupção também no modo de falar dos nossos presidentes. Lula não sabe falar e quando diz alguma coisa, como, por exemplo: “cumpanheiros, nóis tamu aquipra verquenhé qui póde mais!”, é perfeitamente entendido e ovacionado delirantemente pelos seus iguais. É uma língua própria, que está pegando e agora está sendo gramaticalizada, tamanho o exemplo do nosso ex-presidente. E a nossa presidente, que prefere ser chamada de ‘presidenta’, tem o seu próprio linguajar, que alguns apelidaram de “dilmês” – tão graciosa é a maneira como se expressa. Graciosa e ininteligível, muitas vezes, mas graciosa. E o exemplo sempre vem de cima.
«Mesmo que o que venha de cima seja um cacho de bananas na nossa cabeça, indicado pelos especialistas em cachos de bananas para parar o raciocínio supérfluo. Além disso, banana é rica em potássio e fibras. E precisamos de fibra para agüentar este demagógico e corrupto Brasil.
«Tão demagógico que de tanto falar em Paulo Freire, autor de “A Pedagogia do Oprimido”, o PT fez exatamente o contrário: ensina aos oprimidos que a opressão faz bem. E diz a eles que podem optar por continuar como oprimidos até na língua, se assim desejarem. Para não correrem o risco de preconceito lingüístico, poderão criar a sua própria língua – baseada na gíria e na preguiça mental. E, teoricamente, falando e escrevendo como quiserem, os oprimidos se sentirão livres de qualquer preconceito lingüístico. E colocarão a si mesmos em um guetto mental e cultural.
«Mas como os oprimidos não sabem que são oprimidos, porque a pedagogia da ditadura civil continua a ser a mesma pedagogia da opressão da ditadura militar, e não a pedagogia proposta por Paulo Freire, acreditarão que falar e escrever de qualquer jeito é uma forma de liberdade. Só não sabem, e continuarão a não saber, que, na verdade, é mais uma maneira de opressão e de discriminação. Já não basta ser pobre e excluído; é necessário que fale e escreva errado, com o aval e os sorrisos do governo. Ghetto cultural.
«Na verdade, não importa ao Governo educar corretamente os jovens e adultos. Importa que passem de ano de qualquer maneira e corram para o mercado de trabalho, ostentando o seu diploma. Quanto mais pessoas procurando emprego, menor será o salário, devido à grande concorrência por vagas. É a lei da oferta e da procura também para o trabalhador.
«Às vezes, quando assisto a um programa sobre a realidade dos países latino-americanos fico surpreso com a facilidade e riqueza de vocabulário com que os irmãos à nossa volta falam o espanhol, com pequenas diferenças de país para país, que não chegam a se configurar em dialetos, mas diferenças como o nosso português do Brasil em relação ao português de Portugal, Angola, Moçambique, etc. E as pessoas entrevistadas são simples, às vezes muito pobres, mas cultuam a sua língua como quem cuida de um filho, porque falar bem a própria língua – embora o atual Ministério de Educação e Cultura pense o contrário – é uma questão de cultura.
«E não percebo que usem gíria. Não tanto como nós. Eles gostam de falar espanhol, de se expressar em espanhol. Não tratam a sua língua como um estorvo, exatamente como nós, ou conforme as últimas orientações do MEC. Mas aqui é uma questão de corrupção até na língua.
«Também gosto de ler os livros em português de Portugal, como os romances de Saramago, que tão suave e agradavelmente sabia se expressar, e percebo o quanto perdemos não só em vocabulário como em amor à nossa própria língua e que a nossa distância de Portugal não é somente física.
«Porque um povo que não ama a própria língua não pode amar a si próprio.
«À medida que esse desamor aumenta, diminui a sua auto-estima, diminui-se ante si mesmo. E passa a falar e a escrever atravessado, como nas mensagens da Internet, e a desfazer-se do seu orgulho e a sentir-se pequeno, muito pequeno e a adotar outras línguas, como o inglês, por entender, em sua sublime ignorância, que falar corretamente o português é errado. E o errado passa a ser o certo e a identidade nacional dilui-se.
«Talvez seja este o objetivo final deste governo que vai para dez anos: acabar com o que resta de orgulho pátrio. Porque pessoas sem qualquer orgulho, sem referências que não sejam as chuteiras e os cabelos dos jogadores de futebol, são mais fáceis de manipular». Fausto Brignol.

J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou feliz porque estou a encantar muitos americanos e eles estão apaixonados com o Porto. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Os USA lideram a minha audiência. :)

Daniel Alabarce disse...

Sempre fui criticado entre 'amigos' e, recentemente, (nos últimos 10 anos) na internet por manter uma posição contrária ao português mal-falado. E quando digo mal-falado me refiro a este português deturpado pelo Brasil.

Acostumei meu cérebro a ler livro de autores portugueses, portanto, não consigo aderir o "jeitinho" brasileiro e, menos ainda, essa nova sub-língua do 'internetês'.

Esse post é de uma riqueza invejável, reconheço, pois consegue trazer à tona temas ocultos nos jogos de poder.
Lendo este texto, senti aquele mal-estar típico de quem se depara com a opressão da realidade, aquela que é nua e crua, da realidade óbvia e que, por tão óbvia que é, deixa dúvida...
Mas podridão (refiro-me à corrupção da língua) é algo que provoca náusea. Complicado é quando o cheiro da putrefação se transforma em hábito... Seres humanos possuem vasta capacidade adaptativa!

Enfim, agradeço pela consistência do argumento e por proporcionar sempre o prazer da leitura. Sinto conforto lendo seus textos (apesar das "pancadas no estômago".

Abraços

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado, Daniel Alabarce!

A defesa do português correcto é uma boa causa e fico feliz por saber que há muitos utentes da nossa língua comum a defendê-la. Uma boa política da língua portuguesa pode ajudar-nos na nossa afirmação neste mundo global.

Abraço.

Simão disse...

1-Sempre fui contra os acordos entre os tais países lusófonos, que nada mais são que uma oportunidade para bocas-livres entre acadêmicos e o corpo consular. Dinheiro jogado fora!

2-O português falado e escrito no Brasil pouco (muito pouco) tem haver com o português de Portugal ou de Moçambique. Fiquem vocês com o idioma de vocês e nós vamos tocando o barco aqui com o nosso. Que sofreu mil influências ligadas a nossa formação social, em tudo diferente da de vocês. Ficaríamos todos mais felizes se cada um cuidasse de seus negócios.

3-Entendo perfeitamente que um português culto lamente amargamente o mal uso de seu idioma, mas nós temos por aqui outras necessidades e urgências.

4-Quanto ao livro aprovado pelo MEC, concordo em parte com a crítica que o Sr. reproduziu. Tudo foi um tremendo erro, ainda que não tenha sido um caso de lesa majestade... A autora do livro pode - e já fez -, uma muito boa defesa de sua posição. Seu "erro" foi trazer para dentro de um livro didático discussões corriqueiras na faculdade.

5-Defendo para o Brasil uma escrita mais simples e com menos regras (e menos exceções a essas regras). Uma espécie de "demótico". O português está cheio de falsas etimologias, fruto de falsa erudição de lingüistas do séc. 16.

6-A língua escrita já mudou muito desde o século 19 até agora. Não vejo porque não possa mudar um pouco mais em termos de simplicidade. Nosso país é imenso e os anos que uma criança fica na escola é sempre inferior ao tempo necessário para que ela domine as regras da língua escrita.

7-De nada adianta ter uma escrita que todos temem usar, já que os erros são inevitáveis.

8-Escrita é convenção e convenção pode mudar. Não tem sentido querer mudar a ordem capitalista e não poder mudar a forma de escrever um idioma.

9-"Não há tomada de poder político sem tomada anterior do poder cultural", ensinou o lingüista Antonio Gramsci. Facultar a escrita a um povo que está apartado dela obviamente é um ato profundamente revolucionário. Sejamos ousados!

Atenciosamente,
Cláudio.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Caro Cláudio, amigo de luta contra o capitalismo:

Obrigado pelo seu longo comentário! Vejo que há nesta matéria linguística uma divergência entre nós. O tema que nos faz divergir merece reflexão aprofundada. Vejo que coloca a língua na superstrutura. Estaline no seu pequeno tratado sobre linguística recusou situar a língua na superstrutura jurídico-política e ideológica. E não estou seguro de que Gramsci tenha defendido a alteração da língua italiana: ele defendeu que os intelectuais orgânicos deviam conquistar posições na esfera cultural, de modo a travar a hegemonia das classes dominantes que impede a revolução.

Porém, a maior divergência está noutro sítio: entregues à vontade do chamado povo não vamos longe. Brecht escreveu peças de teatro para o proletariado sem ter adulterado o alemão. Fazer da linguagem popular a norma não é livrar o povo da opressão, porque a hegemonia está presente nesse modo de falar popular.

Abraço