segunda-feira, 30 de maio de 2011

BinPhilosophy: a Catástrofe Final

... ou a Filosofia do Mal Radical

A Filosofia voltada sobre si própria, como se não houvesse nada fora dos textos (Derrida), alienou-se do mundo. Tomada como disciplina orientadora e matriz da Filosofia, a hermenêutica não só esvazia a Filosofia de conteúdos objectivos de conhecimento, como também a reduz a uma inutilidade sem importância teórica e política. De certo modo, a hermenêutica é a filosofia alucinada que melhor corresponde ao espírito subnutrido mental e cognitivamente da actual sociedade de mónadas alucinadas que caminham para o abismo, a noite sem fundo das noites. Ao contrário do que apregoava o profeta do neoliberalismo, Karl Popper, nós vivemos no pior dos mundos possíveis: a banalidade do mal de que falou Hannah Arendt não foi levada em atenção por toda esta geração de filósofos alucinados e de masturbadores compulsivos que, sem disso terem consciência, viram a figura nietzscheana do super-homem realizada no animal metabolicamente reduzido. A verdade é que nem o homem avançou para um nível superior de humanidade, conforme a promessa do super-homem de Nietzsche ou o sonho soviético de criação do novo homem, nem a sociedade comunista se realizou: o que triunfou foi o grande mal que são o neoliberalismo - e o seu companheiro de jornada, o BinLadenTerrorismo. O fracasso global de realização de uma espécie de paraíso na terra exige uma revisão substancial das grandes filosofias políticas do nosso tempo, sobretudo da filosofia de Marx. Num mundo em que a figura do super-homem ou do homem novo é uma figura regressiva, a do animal metabolicamente reduzido, a concepção do homem como paixão inútil de Sartre adquire uma nova actualidade: o homem nunca será Deus, o homem não tem salvação, o que quer dizer que o sentido da sua aventura histórica é a catástrofe final - a aniquilação total. A escatologia hebraico-cristã que alimentou as grandes filosofias da história deve ceder o seu lugar ao Apocalipse sem salvação possível.

A concepção apocalíptica da história que estou a sugerir radicaliza o pessimismo teológico do velho Max Horkheimer, ao mesmo tempo que abandona definitivamente as narrativas das grandes ilusões da humanidade, incluindo a de justiça plena projectada num futuro distante que nunca será pura actualidade. O materialismo pensado por Althusser como filosofia que não alimenta ilusões é a figura de pensamento adequada a esta nova concepção apocalíptica da história. Quem pensa que uma tal filosofia da história desvaloriza a política engana-se redondamente, porque a sua tarefa é preencher o vazio político deixado pelo marxismo. A catástrofe final como sentido derradeiro da história não só valoriza a política como actividade capaz de a adiar, como também permite traçar uma linha de demarcação entre a pequena política e a grande política em função das conjunturas sociais e políticas. A política entendida como actividade nobre capaz de adiar por tempo indeterminado a catástrofe final converte-se em grande política quando, além disso, é capaz de operar uma tentativa de restituição integral da história no tempo de agora (Walter Benjamin). Neste sentido, pelo facto de tentar negar - no momento presente - a última palavra aos carrascos, cuja marcha triunfal sobre um monte de cadáveres acelera o caminhar histórico para o final trágico da humanidade, a grande política permanece fiel ao velho espírito da política de esquerda clássica. Mas o que diferencia a nova prática política marxista da sua forma clássica é o facto de não reconduzir para o futuro a única tarefa de salvação possível: o resgate do sofrimento passado. Como é evidente, a morte foi sempre o grande obstáculo contra o qual esbarraram todas as filosofias da história que secularizaram a escatologia hebraico-cristã: Ernst Bloch e Herbert Marcuse confrontaram-se com o problema da morte, sem no entanto o conseguir contornar com eficácia teórica e política. Aos seres mortais está vedado o sonho diurno de um futuro feliz garantido. E, como não podem garantir um final feliz, projectado sobre a tela de um futuro distante que não podem controlar, resta-lhes tentar garantir - aqui e agora - aquilo que pode ser salvo do esquecimento: o passado. Salvar o passado da humanidade oprimida do esquecimento é já uma tentativa de adiar heroicamente o final trágico. Porém, não é só a morte que esmorece o sonho de um futuro garantido e conquistado de uma vez por todas: o título deste texto aponta para a necessidade de fundamentar a concepção apocalíptica da história numa teoria do mal radical. A matriz religiosa desta teoria da natureza humana - a grande lacuna da filosofia de Marx - é sobejamente conhecida, a doutrina do pecado original, e o próprio Kant que a formulou reconheceu a sua derivação cristã. Porém, como nos movemos no horizonte do Apocalipse sem salvação possível, rejeitamos a concepção optimista da história que lhe é subjacente: não há redenção do homem nem aqui na terra, nem noutro lugar ou não-lugar qualquer. Hannah Arendt retomou a teoria kantiana do mal radical, convertendo-a na teoria da banalização do mal, para condenar justamente as doutrinas do progresso. O que aproxima Konrad Lorenz da filosofia de Kant não é apenas o seu realismo crítico que empresta uma base biológica à doutrina kantiana das categorias e das formas a priori da sensibilidade, mas fundamentalmente a sua teoria do instinto agressivo do homem. A antropologia filosófica - com excepção das primeiras obras de cariz antropológico de Paul Ricoeur e da filosofia pessimista de Schopenhauer - nunca pensou a sério as estruturas fundamentais do mal: a hermenêutica e a desconstrução têm privado a Filosofia dos conhecimentos sobre a agressão e a violência elaborados pelas ciências biológicas e pelas neurociências. O diálogo produtivo da Filosofia com as ciências biomédicas é fundamental para reformular a teoria do mal radical, não com o objectivo prático de neutralizar farmacológica e neuro-quimicamente a maldade humana, propondo uma utopia química, cujo resultado final será encurtar o caminho para a catástrofe final, mas com a finalidade de definir novas metas de humanização que a grande política deve implementar. A sociedade metabolicamente reduzida gerou expectativas e ilusões nas "suas" mónadas alucinadas que não pode satisfazer, a não ser precipitando a catástrofe final através da frustração geradora de violência e de terrorismo: o sonho de felicidade universal e de bem-estar é uma força diabólica que está a mergulhar o mundo na violência e no caos. O que ontem foi utopia é hoje um terrível pesadelo: os vídeos de jovens a espancar outros jovens mostram o fracasso total das políticas de educação. Sem punição e esforço, habituado a viver desde o berço até à morte uma vida fácil, o homem não sabe sentir a alegria de pertencer a um colectivo que o transcende: os que lutaram ontem contra a punição - como se o homem fosse um ser bom por natureza - abriram as portas da Casa do Homem ao Diabo Antropogénico Aniquilador, o anti-Homem, o cérebro réptil e paleo-mamiliano do modelo evolutivo do cérebro triuno de Paul MacLean. A grande política deve corrigir os erros colossais cometidos pela pequena política do passado recente e isto se quiser adiar a catástrofe final, preparando os homens para fazer face à revolta da natureza contra o homem, a força incontrolável que desde o início da aventura humana sobre a terra a condena à aniquilação total. O homem é uma bio-figura passageira nesta imensa aventura biológica que se desenrola há muito tempo neste belo planeta do sistema solar chamado Terra.

J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, quando iniciei este texto tinha em vista outro caminho mais concreto, mas a actividade do meu espírito conduziu-me noutra direcção - a do meu pensamento filosófico. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mais concreto e mais científico. Vou alterar as etiquetas. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ainda cheguei a pensar neste título_

BinLadyPhilosophy,

mas o prefixo Bin só por si reconduz a Bin Laden.

Wanderson Lima disse...

Francisco, o que tens a dizer da leitura da violência (teoria do desejo mimético e do mecanismo do bode expiatório)levada a cabo por René Girard?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Wanderson:

Não estou muito familiarizado com o pensamento de René Girard, excepto com o seu conceito de violência do sagrado que acho pertinente.