segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Porto e o Liberalismo

Mercado Ferreira Borges, Arquitectura do Ferro, Porto
«Lá na leal cidade donde teve
Origem, (como é fama) o nome eterno
de Portugal...» (Camões)

No sentido rigoroso do termo, nunca houve liberalismo em Portugal: o Porto foi a única cidade portuguesa a ensaiar uma experiência liberal, da qual Lisboa se apropriou para a converter na eterna mentira nacional. Se consultarmos uma obra sobre a história do liberalismo português, verificamos que os seus autores têm dificuldade em definir o conceito de liberalismo. Portugal não gerou filósofos liberais: os únicos ideólogos liberais que surgiram em Portugal foram os próprios protagonistas da revolução portuense de 1820. É muito difícil para um filósofo crítico carregar sobre os ombros esse enorme estigma que é Portugal: a Filosofia que protagonizo consegue resgatar a História da Cidade do Porto, mas quando a insere no contexto nacional fica de tal modo paralisada que o seu primeiro impulso é fugir de Portugal, deixando-o entregue ao seu primitivismo mental. Onde há portugueses não há Filosofia: os cérebros dos portugueses são redes confusas e caóticas de ligações neuronais quebradas que não se prestam à parasitagem das ideias filosóficas. A miséria neuronal dita a miséria mental e cognitiva dos portugueses. No entanto, apesar deste deserto humano, deste caos cerebral, existe um oásis cognitivo no território português: a Cidade do Porto que, num gesto de generosidade extrema, talvez de generosidade masoquista, se privou do seu estatuto superior de Cidade-Estado - a minha divergência justa com a hipótese de António de Sousa Machado! - para forjar Portugal e, mais tarde, para ajudar o Brasil a conquistar a sua independência, tendo dado nome a muitas cidades brasileiras. Hoje, num mundo cada vez mais global, profundamente avesso ao triste e feio espírito lusitano promovido e divulgado por Lisboa, a História de Portugal só pode ser resgatada regressando ao seu berço: a Cidade do Porto, a cidade aberta ao mundo e amada pelo mundo. A marca Portugal - a marca genuína e autêntica, a única marca de prestígio mundial - está no Porto, o berço de Portugal. A tarefa de resgatar a História de Portugal a partir do seu berço originário - Portucale - assume assim um cariz político: a necessidade urgente de reinventar Portugal. Do Porto partiu a iniciativa de conquistar Lisboa, libertando-a do domínio mouro. Porém, dado o fracasso histórico de Lisboa como capital de Portugal, o movimento de reinvenção de Portugal exige uma mudança radical de direcção: a via do desenvolvimento económico e cultural de Portugal inscreve-se no movimento para o Norte; o movimento para o Sul mergulhou Portugal num beco sem saída. Não pretendo elaborar esta tese singular, apresentando um conjunto de factos cruciais para a confirmar. Para a evidenciar, basta referir todos os ilustres portuenses que, tendo trocado o Porto por Lisboa, se corromperam à chama da luxúria da capital: a revolução liberal que se iniciou no Porto foi adulterada quando chegou a Lisboa. Fernandes Tomás e Almeida Garrett são dois nomes que exemplificam a acção de corrupção exercida por Lisboa sobre os cérebros nacionais. O motor de desenvolvimento de Portugal é o Porto: o Porto inova e antecipa, Lisboa bloqueia e corrompe, eis o sentido degradado da História de Portugal. Para restituir a História de Portugal ao seu lugar de província de sentido do Ocidente, é necessário refazê-la à luz da experiência de autonomia portuense. Só podemos resgatar a História de Portugal resgatando o Porto, o berço, o solo mental e a jóia da civilização portuguesa. Toda a vocação portuguesa resume-se numa única palavra, aquela que nomeia a cidade mais portuguesa de Portugal: o Porto. Reinventar Portugal, colocando-o novamente no palco da história universal, é reinventar - mental e materialmente - o Porto. O Porto é sempre-já uma cidade zelosa da sua autonomia, um espaço de liberdade e de diferença, cuja história remonta à Idade do Bronze: Salústio (século I A.C.), Mela (século I), Sérvio (século IV) e sobretudo Vóssio (século VI?), para já não referir Virgílio, Plínio, Possidónio, Apiano (século II), Ptolomeu ou mesmo Estrabão, foram os primeiros a fixar-lhe a memória histórica. Revisitar a polémica entre Mendes Correia e Sousa Machado, com a mediação de Alexandre Herculano e Leite de Vasconcelos, está fora do âmbito deste texto: o que importa reter é que o Itinerário de Antonino (século IV?) não foi o primeiro documento a referir-se a Cale (Porto) como uma estação da via romana, localizada na margem direita do Rio Douro: os escritores antigos podem ter-se enganado num ou noutro aspecto, mas a correcção introduzida por Vóssio à corografia de Mela mostra que todos eles sabiam da existência de uma cidade Cale junto do Durius (Douro): «Os escritores da Idade Média distinguem confusamente Portugal da Lusitânia e certamente aquele porto Calle ou Cale que deu o nome a Portugal fica fora da Lusitânia. (...) Com efeito esta fortaleza é antiquíssima e não duvido de que dela vem o nome dos Galaicos. Com efeito, outrora, os Galaicos estendiam-se até ao rio Douro embora agora não vá além do Minho. No entanto, a cidade Portucalense menciona-se, repetidas vezes, nos concílios hispânicos e nos escritores latino-bárbaros» (Vóssio). Adriaen Blanchet estabeleceu o significado de Cale, termo que, se não é ibérico, pode pertencer a uma camada linguística anterior: abrigo, habitação. Ora, se Cale significa abrigo, tem o mesmo significado que porto. Quando os romanos chegaram ao local do Porto, antepuseram ao seu nome originário - Cale - a palavra com o sentido correspondente na sua língua - Portus, formando a palavra Portuscale ou Portucale. Enquanto cidade-fortaleza-abrigo, o Porto não se fecha em si mesmo: o abrigo que é desde tempos remotos abre-se ao mundo, ao mesmo tempo que lhe dá abrigo. Porto significa, portanto, abertura ao mundo, isto é, a cidade dos homens que se abre ao mundo, abrigando-o: eis a sua vocação essencial. O Porto é - todo ele - uma imensa Filosofia da abertura ao mundo que, a partir da explicitação da essência do homem como ser-sem-abrigo ou, se quiserem, como peregrino na terra, dá abrigo e acolhimento a todos os homens que vão ao seu encontro para conquistar a sua liberdade: abertura ao mundo significa liberdade e o Porto, enquanto fortaleza da liberdade, é a cidade dos homens livres, mais precisamente do Homem Livre. De certo modo, o Porto é a primeira filosofia da globalização da liberdade.

Em Portugal, a experiência liberal está circunscrita à Cidade do Porto: o Porto Oitocentista foi profundamente liberal, embora não tenha produzido - em estado teórico e sistemático - uma filosofia liberal. A minha tese é a de que o Porto Burguês foi mais uma prática do que uma teoria do liberalismo: «Não foi certamente por acaso que a revolução (liberal) nasceu e se gerou no Porto, notável centro de actividade comercial» (Soares de Azevedo). Ora, a prática liberal é quase uma constante na História da Cidade do Porto, pelo menos desde o século XII, que nunca foi objecto de uma elaboração teórica sistemática, devido ao facto dos intelectuais serem predominantemente religiosos. Quando nos finais do século XVIII e, sobretudo, no século XIX os cérebros portuenses - Lobo de Moura, Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho, todos homens de leis que formavam a Junta do Porto (o Sinédrio constituiu-se em Janeiro de 1818) - começaram a tematizar a teoria dessa prática liberal, eles tenderam a divergir entre si, embora se declarassem anti-clericais, o que os ligava a todos os partidos liberais da Europa do seu tempo. A revolução de 1820 foi talvez a revolução social mais importante na História de Portugal e, como todos os outros grandes acontecimentos da nossa história, nasceu no Porto. Mas afinal o que se entende por liberalismo? Victor de Sá definiu o liberalismo como «a doutrina que preconiza a liberdade individual, quer no domínio político, quer no domínio económico. É, por excelência, a filosofia da burguesia. Os fundamentos do liberalismo económico assentam no pressuposto de uma ordem natural que tende a estabelecer-se espontaneamente. O papel dos indivíduos deve limitar-se à descoberta das leis económicas que conduzem o sistema económico para o estado de equilíbrio, tal como acontece no mundo mecânico ou físico. A realização da ordem económica natural resultaria da harmonização dos interesses individuais com o interesse geral da sociedade. Por isso, o indivíduo é, no conceito liberal, o agente económico por excelência, a quem deve atribuir-se o máximo de liberdade. A livre-concorrência e a não-intervenção do Estado são, constantemente, indispensáveis ao bom funcionamento dos mecanismos económicos». 

Em construção. J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Infelizmente, com as medidas tomadas por este governo diabólico, não posso desejar bom Ano Novo, porque vai ser o Ano da Morte de Portugal.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A minha sensibilidade estética - o meu imaginário - alastrou-se de tal modo que vejo vestígios lá onde eles não deviam existir: ninguém pode roubar a minha alma única. Cada um deve ser o que é e não ser o Outro que não é. O espírito lusitano é muito pobre: imita ser o que não é. Pobreza de espírito - imenso buraco vazio! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Thanks! A Europa do Norte encantou-se com o meu blog!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além de promover o turismo portuense, atraindo o Norte, sou marca cosmopolita, porque não acreditam que sou português. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, quem sabe se a minha genealogia recua até aos suevos! Sei lá... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ainda sou viking! Bem, de facto, tenho traços morfológicos de viking, alguns demasiado evidentes. :)