quarta-feira, 19 de setembro de 2012

É possível (re)começar a dialéctica marxista?

Porto: Ribeira
A Queda do Muro de Berlim gerou um retrocesso civilizacional. Os ideólogos neoliberais entoaram cânticos de triunfo: o marxismo podia ser finalmente enterrado. Porém, a crise de 2008 converteu o triunfo em derrota do neoliberalismo. O marxismo volta a estar na ordem do dia num mundo em que o Ocidente já não está sozinho. A globalização promovida pelo neoliberalismo virou-se contra ele e, o que é mais preocupante, contra o Ocidente. O neoliberalismo ameaça os próprios fundamentos da civilização ocidental: a sua expansão implica um retrocesso intolerável da cultura. A natureza e a cultura revoltam-se contra o capitalismo em todos os cantos do mundo, o qual gera os seus próprios coveiros à medida que se globaliza, como o demonstra o ódio que o mundo global nutre pelos Estados Unidos. Marx tinha razão quando previa que o capitalismo só entraria em colapso depois de se ter globalizado; no entanto, a globalização do capitalismo tem gerado contradições sociais não previstas pela teoria marxista. A dialéctica é obrigada a globalizar-se e, ao se globalizar, defronta-se com uma realidade-outra que lhe é estranha: o conceito filosófico de história da humanidade deve ser completamente revisto ou mesmo abandonado. A globalização do capitalismo já não é a globalização do domínio ocidental.

Surgiram diversos modelos dialécticos sem que nenhum deles tenha sido sistematizado de forma formal-abstracta. Geralmente, alega-se que a dialéctica está inscrita na própria realidade sem a qual não pode ser exposta. Sem conteúdos não há dialéctica. O marxismo ocidental produziu algumas figuras dialécticas notáveis. Georg Lukács praticou a dialéctica da auto-consciência histórica ou dialéctica sujeito-objecto; António Gramsci destacou as contradições teoria-praxis; Herbert Marcuse exerceu a dialéctica essência-existência e Colletti a dialéctica aparência-realidade. Todas estas figuras dialécticas derivam de Hegel. Walter Benjamin viu na dialéctica a descontinuidade e o aspecto catastrófico da História. Ernst Bloch concebeu a dialéctica como fantasia objectiva. Para Sartre, a dialéctica está enraizada na inteligibilidade da actividade ou praxis totalizante do próprio indivíduo. Em Henri Lefèbvre, a dialéctica aponta para o objectivo da humanidade desalienada. A dialéctica de Della Volpe consiste num pensamento não-rígido, não-hipostasiado, enquanto a dialéctica de Althusser representa a complexidade, a pré-formação ou a sobredeterminação das totalidades. As dialécticas de Della Volpe e de Althusser são claramente anti-hegelianas, sendo a de Althusser marcada pelas distinções de Mao Tsé-Tung e pelo desenvolvimento desigual de Lenine. Theodor W. Adorno destaca a crítica imanente e o pensamento de não-identidade: a sua dialéctica negativa ainda não foi bem-compreendida. Às figuras dialécticas do marxismo ocidental devemos acrescentar as figuras dialécticas elaboradas pelo marxismo soviético ou mesmo por outros dirigentes comunistas, tais como Mao Tsé-Tung e Che Guevara. A dialéctica de Lenine é extremamente complexa e, pela sua abertura a Hegel, merece um estudo mais detalhado. Cada uma destas figuras dialécticas tentou articular a dialéctica e o materialismo. Alguns autores pensam que essa articulação é impossível: o materialismo dialéctico é, para eles, impensável. É estranho como consideram ser impossível aquilo que foi realizado por todas estas figuras dialécticas. Tanto a dialéctica essência-aparência de Marcuse como a dialéctica negativa de Adorno realizaram essa articulação entre materialismo e dialéctica. Infelizmente, as obras destes filósofos deixaram de estar disponíveis em boas traduções. Hoje as livrarias estão repletas de merda: qualquer tolinho político escreve o seu livro e as manadas tendem a comprá-lo, não para o ler mas só por comprar. O ofuscamento está de tal modo generalizado que já não tenho vontade de partilhar nada com ninguém. Só o pensamento da aniquilação total da sociedade estabelecida conforta o meu espírito. A dialéctica é aniquilação: lá onde morre um homem ou centenas de milhares de homens há dialéctica. 

J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

Jorge Willian da Costa Lino disse...

TALVEZ VOCÊ CONHEÇA AS POSIÇÕES DE UM PEQUENO GRUPO BRASILEIRO (LBI). eLES COMPARTILHAM DAS MESMAS IDEIAS SOBRE O FIM DO SOCIALISMO REAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Então, agora o que falta é refazer a dialéctica marxista!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estava a pensar que os membros do governo de Passos Coelho não têm vergonha! Demitam-se - se forem homens honrados mas não são!

Simão disse...

J Francisco, não é para postar. É só para lhe "divertir"... Saiu na Folha de São Paulo de 27 de setembro de 2012.

KENNETH MAXWELL

Novo tremor de Lisboa

Por oito horas na sexta-feira, o Conselho de Estado português debateu as propostas de austeridade do governo, com a presença do presidente Aníbal Cavaco Silva.

Uma semana antes, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para expressar oposição às medidas do governo, que ameaça elevar a contribuição previdenciária dos trabalhadores de 11% para 18% dos salários, reduzindo a contribuição das empresas de 24% para 18%.

O Conselho de Estado se viu sitiado pelos manifestantes em Lisboa, e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho prometeu uma renegociação com os sindicatos e os empregadores.

Diferentes de espanhóis ou gregos, os portugueses demoraram a reagir às consequências econômicas do acordo de resgate fechado no ano passado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu.

Mas o desemprego atingiu 15,7% no país em julho. A economia portuguesa se contraiu em mais de 3%. Ficou evidente que a população foi submetida a pressão forte demais. O amplo consenso político que existia quanto à política econômica se desfez, causando severo desgaste na coalizão de centro-direita.

Os portugueses ainda precisam reduzir seu Orçamento em bilhões de euros. O governo propõe novos cortes nos subsídios, e os sindicatos sugerem impostos mais altos para as empresas e sobre os dividendos dos grandes acionistas.

É tudo bem diferente da situação econômica de Angola, uma antiga colônia portuguesa rica em petróleo, ou, aliás, do Brasil. Angolanos ricos estão adquirindo imó-veis de luxo em Lisboa, e a Embraer fechou um contrato para a produção de componentes para seus novos jatos executivos Legacy 450 e 500 em Portugal.

A economia angolana cresceu a uma média de 15% ao ano entre 2002 e 2008, e o investimento brasileiro em Angola subiu em 20 vezes no período. Mais de 100 mil portugueses trabalham em Angola, hoje. Muitos se transferiram para o Brasil. Brasileiros estão adquirindo porções lucrativas dos ativos portugueses privatizados.

Seria demais esperar que os novos ricos brasileiros e angolanos fossem populares em Portugal. Para piorar as coisas, um terremoto de magnitude 3,6 na escala Richter atingiu Ourique, no sul da província de Alentejo, nesta semana.

Ourique é o local em que Afonso Henriques derrotou os mouros almorávidas comandados por Ali ibn Yusuf, em 1139, e foi proclamado primeiro rei de Portugal. A vitória foi atribuída a são Tiago. Tudo o que falta acontecer agora é um novo terremoto em Lisboa.

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Zekzander

É tudo verdade e este é o pior governo português depois do 25 de Abril. Sim, são mafiosos portugueses que nos estão a vender aos corruptos de Angola! Há máfia em Portugal: ela está no poder e o povo é boi-manso.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, um terramoto cirúrgico dava-nos jeito!