segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Portugal e Ausência de Sentido

A corrupção generalizada que se vive em Portugal obriga a colocar a questão do sentido e a analisar o destino nacional à luz do sentido. Neste seu último programa, Mário Soares mostrou estranheza em relação aos escritores que abordam a morte, afirmando que nunca pensa na morte. Esta é uma maneira tipicamente portuguesa de iludir a questão do sentido e de pensar o sentido do destino nacional. Os partidos de Direita estão sempre já dotados de uma política espontânea do sentido, aquela que é protagonizada pelas Igrejas, enquanto os partidos de Esquerda sempre negligenciaram terrivelmente o «cálculo do sentido», talvez porque tenham sido muito marcados por um «preconceito contra a morte» que, para todos os efeitos, não deriva de Marx, cuja filosofia traz a marca da mortalidade e da finitude, de resto uma herança hegeliana.
O Partido Socialista (português) tem sido incapaz de elaborar uma "política de sentido" no âmbito de um Estado Laico e de uma sociedade democrática e pluralista, sem violar os princípios da liberdade e da justiça e, por isso, não consegue descobrir tudo aquilo que o distingue dos partidos da Direita, em especial do seu arqui-inimigo na rotação do poder: o PSD. A Esquerda deveria encarnar sempre o princípio da mudança qualitativa, enquanto a Direita, até mesmo nas suas versões populistas oportunistas, se limita a defender o princípio de conservação da "ordem de sentido instituída", mesmo que desfasada das novas realidades sociais e culturais do mundo global. Contudo, a democracia portuguesa não é internamente diferenciada, mas profundamente falsa e monolítica, na medida em que as suas classes dirigentes estão unidas na e pela corrupção que tudo faz para anular a questão do sentido. A democracia portuguesa é cleptocracia.
A obra de Peter L. Berger, «Pyramids of Sacrifice: Political Ethics and Social Change», bem como as obras de Alfred Schutz, H. Kellner, Thomas Luckmann, M. Heidegger, Charles Taylor ou Arnold Gehlen, parte deste pressuposto fenomenológico:
«Os seres humanos têm direito a viver num mundo que tenha sentido para eles. O respeito deste direito é um imperativo moral para toda a política», seja ela de Direita ou de Esquerda. Este pressuposto fenomenológico funda-se na própria "constituição do homem": todos os grupos humanos são fundamentalmente empresas de doação de sentido, isto é, dotam de sentido o universo, porque o sentido é o fenómeno central da vida social e nenhum aspecto da vida humana pode ser compreendido sem uma investigação do problema do que significa para aqueles que participam nela.
A necessidade de sentido tem, ao mesmo tempo, dimensões cognitivas e normativas: toda a sociedade proporciona aos seus membros um "mapa cognitivo da realidade" e, simultaneamente, uma "moralidade" aplicável à mesma. O primeiro permite-nos saber onde estamos e o segundo orienta-nos no que deve ser feito nessa localização concreta. Ora, nenhuma sociedade pode manter-se unida se os seus membros não partilharem um sistema global de sentidos. Na linguagem de Durkheim, o "direito ao sentido" é a protecção da anomia, entendida como caos, ausência de ordem, portanto, de sentido.
Ora, os portugueses vivem numa "sociedade anómica" e, por isso, tendem a ser "criaturas anómicas", "sem qualidades" e "destituídas de self", que encobrem a sua "nulidade" com "roupas dissonantes". Qualquer pessoa que surge no "grande ecrã" é um espelho dessa ausência de sentido. Não me refiro tanto às telenovelas e aos concursos populares, dos quais não podemos esperar grande coisa, mas sobretudo aos programas com pretensões políticas e culturais. Se for capaz disso, convido-o a fazer um exercício mental: dispa os luso-protagonistas e vista-os com roupas populares, colocando-os nos cenários populares correctos. O que vê? Nada de novo! Sem os seus fatinhos ou indumentária supostamente «cara», os homens dos luso-poderes são "zézinhos"! Apenas se diferenciam dos outros por serem "grandes corruptos", instalados no poder desde o 25 de Abril de 1974: gerem os bens públicos de modo a enriquecerem pessoalmente e como grupo. Mas como pessoas são "burricos" que tudo fazem para assassinar a competência. Portugal é medíocre e esta mediocridade reproduz-se continuamente.
A modernização introduziu alterações significativas no domínio do sentido. Nas sociedades pré-modernas, o direito ao sentido implicava o direito do indivíduo ser orientado pela tradição; nas sociedades modernas, implica o direito do indivíduo a escolher os seus próprios sentidos. Isto significa que a modernização consiste, ao nível do sentido, em passar da aceitação do "já dado" (a tradição) à escolha. A modernização implica, portanto, a troca de uma existência determinada pelo destino por uma série longa de possibilidades de decisão, a chamada "compulsão de escolha". As duas grandes instituições da sociedade moderna que promoveram a passagem do destino para a compulsão da escolha foram (e são) a economia de mercado e a democracia, ambas baseadas na escolha conjunta de muitos indivíduos e estimuladoras da escolha constante.
Todo o mundo de sentido proporciona aos que habitam nele um refúgio contra a anomia, um lugar seguro. A modernização coloca a grave ameaça da "falta de lar", fazendo dos indivíduos seres apátridas e, num sentido mais profundo, "sem-abrigo" (Rilke). A globalização acentua ainda mais esses efeitos da modernização e pode mesmo desorientar os indivíduos, agravando ou dificultando a formação da identidade pessoal e de um mínimo de identidade na interpretação da realidade, o que prejudica necessariamente a estabilização do sentido.
Dado que nenhum processo social pode ser bem sucedido se não for dotado de um sentido que o ilumine de dentro e dado que os indivíduos correm o sério risco de se perderem num mercado de sentido plural e sempre mutável, torna-se necessário, hoje mais do que nunca, uma abordagem «humanista» (no sentido clássico ocidental das humanidades) da "política de desenvolvimento sustentável". Caso contrário, se os políticos recusarem resolver este problema do sentido, como sucede em Portugal, serão confrontados com duas reacções: a "atitude fundamentalista", que pretende reconquistar toda a sociedade para os valores e tradições antigos, e a "atitude relativista", que desiste de afirmar quaisquer valores e reservas de sentido comum. Os fundamentalistas partem para a acção e os relativistas ficam no discurso.
Ora, o partido socialista português deve defender as suas próprias políticas de sentido, olhando para a frente, portanto, para o futuro, mas sem esquecer as promessas não realizadas do passado. Este último aspecto é fundamental para lidar com os fundamentalismos. Por isso, o Partido Socialista deveria ter outra "política da educação" e da cultura, que não sobrevalorizasse os "procedimentos burocráticos" (amigos da corrupção) em detrimento das ciências e das humanidades, portanto, em detrimento da "formação cultural". Aliás, o reforço das humanidades é fundamental para o futuro da democracia e da civilização Ocidental, não das humanidades que se ensinam actualmente, de resto degradadas e reduzidas a uma interminável «conversa de café», mas das humanidades dotadas de programas profundos, criativos e abertos ao futuro, e ensinadas por professores competentes, de resto o problema número um da actual degradação do seu ensino português, porque os mecanismos de recrutamento estão corrompidos.
Sem esta dimensão humanística, o plano tecnológico defendido pelo actual governo carece de alma: pode produzir muitas coisas, menos cidadãos saudáveis, participativos e capazes de lutar contra a corrupção generalizada e legitimada pelos mass media, visando o aprofundamento de uma sociedade cada vez mais livre, responsável, solidária e justa. O governo quer "diplomas", nós desejamos formação cultural e cívica, a única capaz de acordar Portugal deste terrível pesadelo da corrupção generalizada, da pobreza e da mediocridade.
Anexo: Hoje "Prós e Contras" é novamente dedicado à educação. Ontem Maria Elisa falou do "Programa Erasmus": Uma depressão! Retomei um post antigo com a ideia de antecipar uma crítica generalizada destas depressões nacionais velhas! Disseram-me que o PM se prepara para mudar de ministra da educação! Boa notícia! :)
J Francisco Saraiva de Sousa

29 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Reconheço que neste post acabei por ser mais professor do que político. Mas tenho tempo para explicitar o meu pensamento. Além disso, comunicar com os portugueses é geralmente uma tarefa complicada: é preciso explicar tudo e, mesmo assim, corremos o risco de não ser compreendidos. Portugal é basal e psicologicamente pobre! A educação quase não existe! Basta escutar as vedetas televisíveis: ausência de self. Zombies... :(

Helena Antunes disse...

Bom texto, boa análise.

Mas não me parece que as coisas estejam prestes a mudar. Só com uma revolução! LOL

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Helena

É isso... só com uma revolução. Não conseguimos mudar o rumo deste país. O poder está todo ele concentrado nas mãos destes zézinhos! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E o pior é que os jovens estão conformados: conformismo total. Ontem quando os vi e os escutei a falar do programa Erasmus fiquei irritado. Perfeitos atrasados mentais!
Agora entendo porque fizeram tanta publicidade em torno do assassinato do rei. É o que eles merecem, já que não têm vergonha na cara e sair voluntariamente de cena! Era a revolução da liberdade e do futuro...
Estamos condenados a ver sempre os mesmos "velhos": os anos passam, eles ficam sempre e Portugal afunda-se. :(

E. A. disse...

N vi o programa da Maria Elisa, prefiro os olhos da Paula Moura Pinheiro na rtp2. :)

é preciso explicar tudo e, mesmo assim, corremos o risco de não ser compreendidos Então quer dizer que é muito paciente, o que é uma virtude de muito valor neste país pouco dotado! :)

Explique-me, sr. professor, algo q n entendi. Como é que as humanidades devolvem sentido? Como é que o seu ensino correcto se torna domicílio para o indivíduo moderno?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Helena

Avance com aquele seu projecto. Apoio e sempre que puder posso dar o meu contributo para acordar os jovens deste sono metabólico! Força... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Não perdeu nada. Tudo aquilo foi encenação e propaganda. Afinal, são sempre os mesmos! :(
As Humanidades? Espevitam o espírito! Depende das temáticas e do modo como são abordadas. Precisamos de novos programas e professores competentes e apaixonados. Precisamos de espírito, sobretudo daquele que não precisa cobrir-se para fingir que é! Espírito nuzinho! Não sei explicar: é tudo aquilo que não temos, até mesmo na troca de olhares!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A política da cultura e da educação deve proteger esses espaços da colonização económica e burocrática. Esta seca tudo: instrumentaliza e o espírito morre.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Devemos dotar os jovens de "mapas cognitivos": as humanidades, as ciências e as artes podem colaborar nessa tarefa! Prepará-los para a cidadania, a liberdade, a democracia! reintroduzir o ensino da filosofia política no secundário! Politizar os jovens! Mostrar que a coisa pública diz respeito a todos1 Tudo isso...

E. A. disse...

Ok, então são dois problemas diferentes. Porque para mim n me parece que as Humanidades (bem ensinadas) dêem sentido à vida. Isso é um caminho solitário como, aliás, indicou bem.

O que não invalida a necessidade de restruturar a educação mais virada para a pólis. Ou melhor: recordar que ela nasceu e existia vinculada à vida política.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

é isso e na polis podemos encontrar sentido!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Sic Radical podia tentar exemplificar o exercício mental proposto: mostrar como não houve ou há evolução em Portugal! O Sr. X (um político) vestido com roupa Y mostra a sua verdadeira face: burreco! :)

E. A. disse...

Noto que ficou muito encantado/perturbado com as indumentárias de ontem! :)))

Não é a sic radical que cria os sketches, é o Jel e o seu mano... e eles até são bem críticos da sociedade, de modo um pouco "hard"... mas tem piada.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fiquei mesmo desiludido com aqueles embrulhos! Tudo aquilo que amo está morto em Portugal. A Universidade é falsa! A investigação é falsa! Não acredito nestas pessoas "DESLUMBRADAS"!
O outro fala do medo de existir; suspeito que o problema é mais grave: epidemia de "genes burricos"! :(

E. A. disse...

Mas a vida escolástica nunca existiu verdadeiramente em Portugal, ou existiu? N somos um país de investigadores/investigação, é trabalho muito minucioso, moroso, não há ourives do intelecto aqui! Quando expulsámos os judeus, entrámos numa idade das trevas até hoje...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto: desde a expulsão dos judeus! Brilhante! Com ela despedimos o PENSAMENTO! Fico triste com isso. As Universidades não têm vida: os alunos andam por aí... nas praxes contínuas... Ninguém se interessa: é tudo a fingir. desde que haja dinheiro garantido ao fim do mês... Que tristeza! Um país ridículo!

Helena Antunes disse...

Hoje encontramos muitos jovens motivados, mas não o suficiente para alterar o rumo dos acontecimentos, para mudar a norma estabelecida.
E depois há aqueles que não se interessam minimamente por nada, e preferem deixar tudo como está porque, de facto, é mais cómodo. Não sou nada adepta do conformismo. Há que mudar o que não está bem, sobretudo se tivermos capacidade para isso.

Há que politizar os jovens, concordo Francisco. Mas como? Ando na política e lamento a falta de interesse dos jovens para a mesma, mesmo muitos que a integram andam desmotivados.
O que fazer para alterar isto? Como? Talvez a partir daqui conseguissemos fazer alguma coisa.

Quanto ao futuro blogue estou a receber sugestões para o nome do mesmo, para depois colocar a votações.
Em breve dou notícias.
E tenho a certeza que o seu contributo será importante para acordar os jovens da pasmice! :)

quintarantino disse...

Eu tenho para mim que os anos de laxismo que se seguiram à Revolução dos Cravos nos vão sair muito caros.

É verdade que nunca fomos pródigos no que fosse e mesmo a gesta dos Descobrimentos acabou por se revelar um fracasso.

As naus passavam ao largo para irem para a feitoria da Flandres onde, a dada altura, já a mercadoria só servia para pagar créditos. Haveria de ser assim com o ouro do Brasil e mais tarde com os fundos comunitários. Queira Deus que nunca se encontre petróleo.

Retornando, creio que aqueles anos nos sairão caros.

Foram fornadas e fornadas de gente formada na irresponsabilidade, no "laissez faire, laissez passer" verdadeiro alfobre do egoísmo, da falta de civismo, na arrogãncia cívica e na incapacidade de fazer o que quer que seja em prol do colectivo.

Hoje ir-se-á discutir o estado da Educação entre nós e nem sequer sei para quê.

Ao autismo da ministra (e em quem depositei enormes esperanças, assim como no próprio Primeiro) ir-se-ã contrapor o interesse corporativo de uma classe inteira.

Obviamente que os há muito bons mas aceitam, por favor, que também os há péssimos. Professores: eis do que falo.

Daqueles cuja arrogância começava logo no trato entre "colega" e "contratado" (alô Carolina Michäelis onde vivenciei isto), no supremo embuste de passarem a vida em formação sem nada aprenderem, na lógica absurda dos gabinetes e conselhos com que o Ministério se inundou, nos erros sistemáticos nos exames (como se estes não fossem feitos por professores), nos profissionais do atestado e da requisição, da acumulação e da calaceirice ...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Quintarantino

Bom comentário! Somos efectivamente eternos candidatos ou aspirantes a algo que nos escapa.
Concordo absolutamente com a sua crítica certeira da papelada. Não se ensina! A ministra não vê isso! As reformas cujo sentido pode estar correcto vão estragar mais a educação. Era sobre isso que falávamos. A questão é saber o que podemos ou devemos fazer para mudar isto! Aqui estamos convictos que Sócrates vai despedir a ministra e, espero, aquele secretário de Estado...
Mas como disse à Papillon: cada vez acredito menos no futuro de Portugal! Estamos rodeados de "diplomados analfabetos" e terrivelmente ambiciosos, mas sem estofo!

Manuel Rocha disse...

1. Não acredito que o Francisco acredite que as politicas que passam à prática dependam de um ministro. Acorde. Todo o ministro que ouse afrontar as corporações instaladas será cilindrado.Flatou ao Quint sublinhar isso.
2. A burocracia de que fala é, continua a ser, a forma de os pequenos poderes manterem o controlo do poder. Laivos de autoritarismo de certos ministros parecem-me apenas sinal da obvia impotência para mudar uma virgula que seja sem que antes seja alterada a burocracia instalada - cuja natureza corrupta visa a sua auto-preservação.
3. Uma questão: não será a natureza aleatória da escolha individual do sentido, porque limitadora da governança, uma causa possivel para a falta se sentido social ?
4 e último: excelente texto !

:))

PS: Olá Papillon !

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Sim, a escolha individual aleatória funciona para reforçar a falta de sentido social. Mas existem indivíduos autónomos? devem ser muitos raros: eles escolhem o que foi previamente escolhido para eles pelo sistema da indústria cultural. A liberdade é, para eles, uma ilusão! Mais tarde respondo às outras questões! :)

E. A. disse...

Olá Manuel! Aproveito ter-me cumprimentado para fazer uma observação a uma pergunta sua:

a escolha de sentido é individual, mas n é por isso aleatória, ou então, é-o tanto ou tão pouco como qq decisão política! O sentido da vida n é afim ao "sentido social", mas pode ser consumado em sociedade, como, de resto, é a hipótese do F.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto, Papillon.

Manuel

não estou assim tão seguro da fragilidade dos ministros. É certo que os funcionários bloqueiam muito e muito, mas a nossa estrutura de poder é diferente da inglesa. Penso que os ministros têm bastante autoridade. Neste caso da educação, não é porque discorde da necessidade de avaliação dos professores (urgente) mas mais devido aos critérios. A mudança só pode ser benéfica para o governo como todo.
Sim, essa burocracia tb corrompe e muito, mas como mostram os media há outros... com mais poder. Não sei se são ou n corruptos mas a situação precisa ser clarificada (as do governo anterior, dos bancos privados e públicos, etc.).
A outra questão a Papillon já esclareceu! :)

Manuel Rocha disse...

Esclareceram de facto, mas não era por aí que eu pretendia ir. Expliquei-me mal, lamento. Vejamos se consigo ser mais claro desta vez.

Quando o Francisco opõe a tradição à modernidade, está também de algum modo a dizer que numa sociedade tradicional os papéis estavam pré-distribuidos. Cedo o filho do carpinteiro sabia qual seria o seu futuro. Neste quadro de previsibilidades parece-me que pudesse ser mais fácil conhecer as expecativas e nessa medida exercer a governança numa lógica de temporal que facilitaria que ao todo social fosse mais fácil apreender um sentido colectivo.

Na modernidade, como dizia L Strauss, cada um de nós se define a partir de um caldo identitário diversificado. A identidade e portanto o sentido individual assim definidos de uma forma muito mais ampla, poderão gerar uma imensidade de expectativas muito mais dificeis de sistematizar num sentido colectivo ? Se sim, que impacto tem isso na governança quando se sabe que os tempos de decisão e acção politica têm vindo a ser sistemáticamente reduzidos ?


Quanto à Ministra.

Recorde-me sff se desde o 25 Abril já houve um Ministro da Educação ( ou da Saúde ) que não suscitasse forte controvérsia. Se não houve, não lhe parece legitimo questionarmo-nos se o problerma estará mesmo nos Ministros ?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

David Hume dizia que todos procuramos a "fama" ou, como diria mais tarde Hegel, o prestígio, o reconhecimento.
É como diz a Papillon: esse sentido da vida pode ser consumado em sociedade, mais precisamente na esfera pública. Esta ideia é muito grega: a "história" como narração dos feitos heróicos dos homens... Daí a memória... Só podemos ser heróis no espaço público, nessa luta permanente de vida e de morte pelo reconhecimento. Daí tb a necessidade de repensar as políticas do reconhecimento, dado vivermos num mundo plural e global.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, Manuel, é isso, embora não defenda uma ruptura com a Grande Tradição do Ocidente. Vejo a filosofia como guardiã dessa tradição.
Contudo, há o outro lado: a individualização está ligada a uma forte dependência, a do sistema. Esta diz "és responsável" quando, na verdade, não oferece quaisquer outras oportunidades. Nesse sentido, estamos sozinhos. Por isso, não podemos abdicar de participar na esfera pública! Só um exercício de dialéctica pode clarificar o que quero dizer: estamos em situação.
Sim, os sindicatos são terríveis, mas a ministra podia seguir outra via, até porque os professores não acreditam nos sindicatos. Aliás, a ministra tentou reduzi-los no nº de efectivos! Mudar de cara é bom: novas caras! :)

André LF disse...

Francisco, falar sobre as mazelas de Portugal é o mesmo que discorrer sobre as do Brasil. Quando vc menciona a corrupção desenfreada, o comodismo dos jovens, a ausência de senso crítico dos portugueses, as ideologias nefastas que norteiam as instituições políticas, tenho um retrato perfeito do meu país. Também entendo, com bem ressaltou Helena, que só se mudará este lamentável panorama com uma revolução. Porém, terá de ser uma revolução de consciência, de horizontes existenciais, transformação que, a meu ver, é a mais difícil de todas.
Meu antigo professor de história dizia que o Brasil tinha de ser coberto e redescoberto. Talvez ele esteja correto.

André LF disse...

Por aqui os jovens andam como zumbis.
Nas universidades a situação é deprimente. O debate livre, o reconhecimento do interlocutor como um sujeito autônomo (relação Eu-Tu), o intercâmbio salutar de idéias, estão perdendo o espaço. Estou preocupado.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

É um problema mundial ou de época. Não é só Portugal mas a Europa e o Brasil. Penso que estamos a ficar mesmo sem espaço de intervenção!Ainda bem que existem alguns jovens que desejam mudar.
Penso que é o risco ou a insegurança no emprego que cria esta situação. Vi na TV um documentário muito triste: um francês de 40 anos, bem na vida, de repente ficou sem abrigo. Perdeu tudo! Será isso? Mas porque não se unem e votam bem!? Não sei... :)