sexta-feira, 13 de março de 2009

Paradoxo Darwiniano: a Homossexualidade (1)

No campo da psicologia evolutiva, tem predominado a concepção de que o comportamento homossexual humano não é biologicamente adaptativo, porque não apresenta qualquer ligação com o potencial sucesso reprodutivo do indivíduo e da espécie (Archer, 1996; Gallup, 1995; Gallup & Suarez, 1983; Stevens & Price, 1996). Nesta perspectiva, o comportamento homossexual foi explicado como um bi-produto da plasticidade do cérebro humano e da variabilidade resultante da sexualidade humana (Buss, 1994; Wright, 1994; McKnight, 1997; Thiessen, 1996). No entanto, a pesquisa genética recente sugere que a orientação sexual é influenciada, em parte, por factores genéticos. A homossexualidade está presente no seio das famílias (Bailey & Bell, 1993; Pattatucci & Hamer, 1995): os gémeos monozigóticos, que partilham todos os seus genes, são mais propensos a concordar na sua sexualidade do que os gémeos dizigóticos, que partilham, em média, metade dos seus genes (Kendler et al., 2000; Kirk et al., 2000). Nas sociedades ocidentais contemporâneas, os indivíduos homossexuais tendem a ter menos filhos do que os indivíduos heterossexuais (Bell & Weinberg, 1978; Bell, Weinberg & Hammersmith, 1981; Pattatucci & Hamer, 1995; Van de Ven, Rodden, Carwford & Kippax, 1997). Devido à plasticidade das sexualidades de género feminino (Baumeister, 2000; Diamond, 2000), as lésbicas têm mais filhos do que os homens homossexuais, mas o seu sucesso reprodutivo é menor do que o das mulheres heterossexuais (Bell & Weinberg, 1978; LeVay, 1996). Ora, se o baixo sucesso reprodutivo foi o caso dos homens homossexuais ancestrais (Pillard & Bailey, 1998), torna-se necessário explicar como é que a homossexualidade evoluiu e como foi conservada na população com uma frequência relativamente elevada. Este é o paradoxo darwiniano que a investigação científica contemporânea procura resolver. A sociobiologia e a psicologia evolutiva recente romperam com a noção de que o comportamento homossexual não tem valor adaptativo, propondo diversas teorias para explicar o paradoxo darwiniano.
E. O. Wilson (1975, 1978) propôs a teoria da selecção familiar ou de parentesco (kin selection) para explicar o modo como os genes que predispõem para a homossexualidade podem ser conservados e perpetuados nas populações humanas (Maynard Smith, 1964): os indivíduos homossexuais ajudaram os seus irmãos nos meios ancestrais a reproduzirem-se com maior sucesso, mediante a provisão de recursos e os cuidados com as crianças. Embora reduzissem o sucesso reprodutivo directo do indivíduo que os possuia, os genes da homossexualidade sobreviveram indirectamente através das linhagens familiares, dado induzirem-no a promover o sucesso reprodutivo dos seus parentes próximos. Trivers (1972, 1974) elaborou a noção de investimento parental para designar "todo e qualquer investimento dos progenitores num descendente individual que lhes aumente as possibilidades de sobrevivência (e, por conseguinte, o êxito reprodutivo), em detrimento da capacidade de os pais investirem noutros descendentes". A teoria de Trivers destaca a manipulação parental (Alexander, 1974) da orientação sexual dos filhos: ter filhos homossexuais beneficia a reprodução parental. Os progenitores podem induzir a homossexualidade nalguns filhos através da regulação dos recursos ou da sua socialização, de modo a torná-los menos competitivos nos papéis reprodutivos e a aumentar a sua assistência prestada à reprodução dos outros irmãos, isto é, a própria aptidão parental inclusiva. De certo modo, os filhos homossexuais são sacrificados e os seus interesses vitais individuais são subordinados à pretensa exigência de uma solidariedade de família. Ambas as teorias sociobiológicas são fascinantes, mas carecem de evidência antropológica substancial (Kirkpatrick, 2000).
E. M. Miller (2000) sugeriu que a homossexualidade masculina é um bi-produto da variável feminilização do cérebro associada com traços da personalidade, nomeadamente a sensibilidade acrescida, a empatia e a generosidade, que tornam os machos mais atractivos para as fêmeas (Sprecher, Sullivan & Hatfield, 1994), especialmente quando exibem também características faciais femininas (Perret et al., 1998; Rhodes, Hickford & Jeffrey, 2000), e que fazem deles bons pais. Nesta teoria sociobiológica, a orientação sexual é conceptualizada como um traço poligénico, isto é, como uma característica influenciada por um determinado número x de genes, alguns dos quais podem alterar o desenvolvimento do cérebro masculino e, por conseguinte, o comportamento, na direcção da via feminina. Com base na teoria do efeito fraternal da ordem de nascimento (Blanchard & Bogaert, 1996; Blanchard & Klassen, 1997), Miller (2000) encarou a homossexualidade como um bi-produto do mecanismo mediante o qual os filhos nascidos mais tarde desenvolvem personalidades desviadas na direcção feminina e pelo qual a competição fraterna pelos mesmos nichos é reduzida. Embora algum grau de feminilização seja necessário para o sucesso reprodutivo masculino (McKnight, 1997), ele também pode ter efeitos deletérios. Devido à variação genética normal, uma pequena percentagem de homens pode ser sobre-feminilizada, exibindo cérebros, comportamentos e corpos mais femininos do que os outros homens. Contudo, além de não haver evidência empírica a suportar esta associação linear entre o desenvolvimento do cérebro, do comportamento e da morfologia entre os homens homossexuais, a não ser no caso de homossexuais hiperefeminados e dos transexuais, a pluralidade das homossexualidades masculinas (e femininas) desmente a orientação geral desta hipótese (De Sousa, 2006).
M.W. Ross & A.L. Wells (2000) elaboraram uma outra perspectiva sobre o comportamento homossexual, alegando que as explicações evolutivas da homossexualidade propostas foram elaboradas com base no comportamento homossexual tal como se manifesta nas sociedades ocidentais contemporâneas. Ora, os actuais meios sociais não reflectem os meios ancestrais (environments of evolutionary adaptedness, EEA), nos quais o comportamento homossexual evoluiu, nem tão pouco as condições ecológicas que afectaram a sua expressão. Assim, Ross & Wells (2000) propõem que o comportamento homossexual é uma «exadaptação» (exaptation) do comportamento homosocial (homosocial behavior). Uma exadaptação não é um produto directo da selecção natural, mas uma variação neutral de um comportamento, o qual com o decorrer do tempo demostra alguma aptidão (fitness), sobre a qual a selecção natural actua. Nesta perspectiva, o comportamento homossexual masculino contribuiu para a sobrevivência dos homens mediante o reforço do apoio social e do acesso aos recursos. Além disso, o comportamento homossexual pode ter reforçado os grupos homosociais e, por isso, foi preservado pela selecção natural. O conceito de exadaptação já tinha sido utilizado por P. Vasey (1995) para explicar a evolução de alguns aspectos do comportamento homossexual dos primatas: a homosociabilidade masculina é um factor que parece incrementar ou, pelo menos, facilitar a ocorrência do comportamento homossexual (Khan, 2001), como sucede nas instituições masculinas, tais como prisões, colégios unisexo e exército. Vasey (1995) e Bagemihl (1999) mostraram que a homossexualidade dos primatas não-humanos desempenha um papel determinante na redução da agressão intra-sexual e no aumento dos pares do mesmo sexo, tanto nos meios naturais como no laboratório.
Kirkpatrick (2000) e Muscarella (2000) defenderam que o estudo evolutivo da orientação sexual deve concentrar-se sobre o comportamento homossexual, em vez de recorrer ao conceito inseguro de homossexualidade. A revisão da evidência histórica e transcultural revela dois supostos factos: a) o comportamento bissexual constitui a norma para a maior parte das espécies estudadas e da história humana; e b) a maior parte do comportamento homossexual tem sido exibido por pessoas que não se consideram a si mesmas como homossexuais. Muscarella e Kirkpatrick defendem a noção de "bissexualidade básica", rejeitando a orientação sexual bimodal a favor de um único contínuo de variação sexual. Esta perspectiva evolucionária do comportamento homossexual atribui-lhe valor adaptativo entre os seres humanos. No decurso da evolução humana, o comportamento homossexual pode ter reforçado as alianças do mesmo sexo, as quais contribuíram directamente para a sobrevivência (Kirkpatrick, 2000; Muscarella, 1999, 2000) e, indirectamente, para a reprodução. Kirkpatrick (2000) encara o comportamento homossexual como resultado da selecção da formação de alianças através do altruísmo recíproco, o qual pode ter contribuído para a exploração e a troca de recursos e para uma redução da agressão intra-masculina. De facto, os homens gay são mais empáticos e menos agressivos do que os homens heterossexuais (Pillard, 1991; Gladue & Bailey, 1995). Por sua vez, Muscarella (2000) argumenta que os hominídeos adolescentes e adultos jovens eram, provavelmente, machos socialmente periféricos e que a capacidade de participar no comportamento homossexual reforçava as alianças masculinas, as quais contribuíram directamente para a sobrevivência. Posteriormente, estas alianças beneficiaram unicamente as necessidades reprodutivas de cada um dos sexos. Os aliados do mesmo sexo ajudavam os homens a ascender na hierarquia social de modo mais efectivo, facilitando o acesso às fêmeas e às oportunidades reprodutivas, enquanto, entre as mulheres, os aliados do mesmo sexo ajudavam-nas a deslocar-se para o centro seguro e rico em recursos do grupo, o que aumentava as suas oportunidades de criar os filhos com sucesso. As teorias de Kirkpatrick e de Muscarella não se dirigem à orientação sexual per se, mas sim à selecção de uma resposta comportamental, assumindo que esta última tem uma base genética, que varia de tal modo entre os indivíduos que alguns podem ter uma predisposição maior do que outros para esse comportamento. Os diversos graus das disposições para participar no comportamento homossexual podem interagir com uma série de experiências pessoais, condições ecológicas e processos psicológicos, resultando numa orientação sexual geral.
A homossexualidade não tem sido dócil à explicação biológica por um único modelo causal, devido à incontestável complexidade dos factores que influenciam o seu desenvolvimento. Por isso, Muscarella et al. (2001) adoptaram recentemente uma abordagem mais integrativa, com o propósito de apresentar uma teoria actual sobre a evolução do comportamento homossexual, integrando-a no quadro de referência da teoria neuroendocrinológica (Ellis & Ames, 1987) e da genética. Os estudos neuroendócrinos (Dörner, 1978; Newmark et al., 1979; Dörner, 1981; Gladue et al., 1984; Elias & Valenta, 1992) revelaram que a homossexualidade masculina, bem como a feminina, é apenas uma expressão do comportamento sexual num contínuo de variação sexual que pode ser significativamente influenciado pelas mudanças e alterações hormonais. A preferência sexual masculina pode ser ditada pela acção organizacional da testosterona sobre o cérebro, a qual começa no período pré-natal e continua durante o período crítico pós-natal (Roper, 1996; Dabbs, 2000). Robinson & Manning (2000) apresentaram nova evidência empírica a favor desta teoria neuro-endocrinológica, a partir da medição da ratio 2D:4D de homens bissexuais, homossexuais e heterossexuais: os homens homossexuais mostraram uma ratio 2D:4D mais masculinizada do que a dos homens heterossexuais, mas, em contraste com os resultados do estudo de Williams et al. (2000), este efeito era independente da ordem de nascimento. Estes resultados sugerem que a exposição a níveis elevados de testosterona pré-natal contribui para o desenvolvimento das orientações bissexual e homossexual. E, quando devidamente interpretados, revelam uma explicação alternativa do valor adaptativo da homossexualidade. No feto masculino, poderá haver "competição selectiva" por níveis elevados de testosterona, os quais são necessários para a diferenciação sexual dos sistemas associados com a sobrevivência e a reprodução efectivas dos homens. Como resultado deste processo, alguns machos são expostos a níveis sobre-óptimos de testosterona que contribuem para o desvio da orientação heterossexual e, em muitos casos, para uma variedade de outros efeitos biologicamente deletérios.
Porém, a suposição de que os machos bissexuais podem ter sofrido maior exposição à testosterona pré-natal do que os machos homossexuais parece ser inconsistente com a sua própria interpretação, dado esta implicar que, com o aumento da exposição à testosterona, há um aumento do desvio em relação à orientação heterossexual. Se isto fosse verdade, o aumento do padrão do desvio testosterona/heterossexual deveria ser o seguinte: heterossexual, bissexual e homossexual. O padrão deste desvio da testosterona em relação à orientação heterossexual consuma-se na orientação homossexual. A hipótese de Robinson & Manning (2000) de que a orientação homossexual resulta da exposição a níveis muito elevados de testosterona sugere que esta orientação é devida a um cérebro sobre-masculinizado: os homens gay são machos hiper-androgenizados. Esta tese opõe-se à tese defendida por Miller (2000), segundo a qual a orientação homossexual é devida a um cérebro feminilizado. Para superar esta oposição, Rahman & Wilson (2003) sugeriram que os traços homossexuais hipermasculinos podem ser causados pelos níveis de testosterona livre circulante durante o desenvolvimento pré-natal, os quais resultam da escassez de receptores de androgénios em sítios particulares do cérebro. Nesta perspectiva, o cérebro pode ser feminilizado morfológica e funcionalmente, enquanto outras características do desenvolvimento e do crescimento do feto, como por exemplo a ratio digital 2D:4D ou o tamanho do pénis (Bogaert & Hershberger, 1999; De Sousa, 2006), podem ser sobre-masculinizadas. (CONTINUA com o título "Paradoxo Darwiniano: a Homossexualidade 2".)
J Francisco Saraiva de Sousa

15 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Este post vai ser dividido em partes e substancialmente alterado em função de novas descobertas. :)

Denise disse...

A haver explicação neurológica para a homossexualidade não haverá a possibilidade de se reabrir a legitimação da visão da homossexualidade como doença que pode ser curada?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não! As variações neuro-hormonais estão estudadas: existem, embora seja necessário diferenciar internamente os homens homossexuais, bem como os heterossexuais. Já fiz isso noutros posts. Agora pretendo apresentar em linguagem qualitativa as equações genéticas. Vamos ver se consigo...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, já dividi o post e agora vou aperfeiçoar a linguagem e o raciocínio.

Denise disse...

Aprecio o seu laboratório de escrita!
Tenha uma tarde muito boa!
Beijinhos,
D

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Beijinhos retribuídos! Para si antecipo uma resposta: a conservação dos traços homossexuais é feita, não directamente pelos homos, mas por intermédios dos irmãos, especialmente pelas irmãs dos homos que são mais propensas a variar de parceiros sexuais. Geralmente, as famílias dos homos são grandes e são as irmãs que transmitem esses genes à descendência. :)

E. A. disse...

Conheço uma família em que o pai deixou a mulher por um homem e os três filhos do casal: 2 mulheres e um homem são todos gays (respectivamente, lésbicas e gay).

Interessante, não? :)

Bom fds ao F. e à Deni

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Família interessante para a pesquisa genética! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou stressado. Agora uns americanos querem colocar o meu blog num site de medicina! Com o andar da onda viro blogger! :(

E. A. disse...

O F. é blogger. É o melhor blogger português no activo. :)

Ass.: fã nº 1 ;)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Cheguei agora e vou ver se estudo o tal site amanhã. Depois dou o endereço.

Hummm... Não sei se sou blogger, porque o meu estilo não é muito popular.

Denise disse...

Subscrevo, Else!
Como já preencheu o lugar nº 1, canditato-me ao segundo, na fila do(a)s fãs!
Um beijinho para si e um óptimo fim-de-semana!

E. A. disse...

Se fosse popular, n o visitava. Só gosto de marginais contra-cultura.


Denise,

Claro que sou a fã nº 1, a antiguidade é um posto! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Else! Olá Denise!

Obrigado pelo apoio!
Ontem vi uma série policial dedicada ao satanismo. Interessante! E um filme de ficção com um final derretido: argumento corrompido. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, conclui a revisão e acrescentei novas teorias. Tinha previsto dois posts, mas irão ser três, para destacar a pesquisa genética e dar conta de novos estudos.