As grandes cidades clássicas do México - Xochilcalco, Monte Albin, El Tajin, Teotenango e, em especial, Teotihuacán cujo declínio começou no século VIII - foram pouco a pouco abandonadas entre os séculos IX e XI: os povos de língua náhuatl entram finalmente em cena, vindo a desempenhar um papel predominante na história do México. Oriundos do Norte, os toltecas fundaram a sua cidade - Tula - em 856 d.C.: os primeiros imigrantes toltecas, ainda bárbaros e pouco numerosos, aceitaram durante mais ou menos um século a hegemonia da classe sacerdotal originária de Teotihuacán e fiel à tradição teocrática da era clássica da história do México. Os relatos histórico-míticos do rei-sacerdote Quetzalcóatl - a Serpente Emplumada - fornecem alguma consistência a esta coexistência pacífica: além de falar uma língua diferente do náhuatl, o rei-sacerdote proibia os sacrifícios humanos, celebrava o culto do deus da chuva e era profundamente bom e virtuoso em todas as circunstâncias. Porém, a chegada de sucessivas vagas migratórias provenientes do norte acabou por romper este equilíbrio frágil: o ciclo épico de Tula relata uma série de conflitos, de guerras civis e de encantamentos, graças aos quais Tezcatlipoca conseguiu banir Quetzalcóatl em 999. O rei derrotado parte para o exílio em direcção ao misterioso "país negro e vermelho" - Tlillan Tlapallan, supostamente situado além do "mar divino", por trás do horizonte oriental. Os Templos Toltecas deixaram de ser santuários de dimensões reduzidas onde só entravam os sacerdotes e passaram a integrar amplas salas com colunatas onde os guerreiros se reuniam em torno do monarca: o rei, emanação da aristocracia militar privilegiada, detém, juntamente com a sua elite guerreira, os poderes que na era clássica pertenciam à classe sacerdotal. Do Planalto Central do México, a civilização tolteca irradiou-se para o oeste, até Michoacán, para o leste, até às costas do Golfo do México, e para o sudeste, até às montanhas de Oaxaca e o Yucatán.
A fase de expansão de Tula vai de 950 a 1150 d.C. e corresponde ao chamado horizonte mazapa - a cerâmica típica deste período: Tula era nesta altura uma grande cidade que cobria aproximadamente treze quilómetros quadrados. As escavações de Charnay e de Jorge Acosta, bem como o Projecto Tula da Universidade de Missouri, permitem identificar três centros cerimoniais principais: o centro mais antigo, conhecido como Tula Chico, um segundo centro chamado Plaza Charnay e o principal grupo de monumentos, a acrópole. A acrópole é formada por uma ampla praça central, flanqueada no lado este pela estrutura conhecida como Edifício C, no lado oeste pelo campo do jogo da bola, explorado por Eduardo Matos, e no lado norte pela pirâmide principal, o Templo de Quetzalcóatl, em cuja parte superior estão os famosos atlantes (ver imagem). A entrada do templo é marcada por uma grande colunata reconstruída por Acosta, e os atlantes que rematam a pirâmide sustentavam o tecto de vigas do templo: os atlantes representam o deus da Serpente Emplumada enquanto personificação de Vénus, a Estrela da Manhã, estando vestido de guerreiro e armado com o atlalt, que não é uma pistola de raios laser, trazida para Tula por um extraterrestre, como supõe Erich von Däniken, mas um mero lança-dardos ou flechas. O culto a Vénus como uma personalidade dual - as Estrelas da Manhã e da Tarde - desempenhou um papel fundamental na religião dos antigos mexicanos: Quetzalcóatl, como Estrela da Manhã, era um guerreiro que nos códices aparece com raios róseos e brancos sobre o corpo, que supostamente representavam os prisioneiros de guerra destinados ao sacrifício. Tal como foi adoptado pelos toltecas, Quetzalcóatl realiza actos de sacrifício humano, sendo algumas vezes representado a arrancar os olhos de um prisioneiro. Em Tula, Quetzalcóatl foi guerreiro e divindade tutelar de uma sociedade guerreira, tão ligada ao sacrifício como qualquer outro deus tolteca. As guerras travadas pelos soldados toltecas serviam para obter tributo e, ao mesmo tempo, cativos para os altares dos seus deuses: o muro de crânios de Tula sugere que o sacrifício fazia parte do processo de guerra e de conquista. Nas fachadas da grande pirâmide estão esculpidos frisos nos quais há procissões de jaguares alternadas com águias que mordiscam corações sangrentos, e, atrás do templo, encontra-se o Muro da Serpente (Coatelpantli), cujos relevos mostram uma série de serpentes a devorar corpos humanos inteiros, com os crânios fora da boca. Situado a norte da praça principal, encontra-se o Corral, cuja parte central redonda é dedicada à Serpente Emplumada: o seu pequeno altar tem um friso esculpido que mostra a procissão de guerreiros toltecas, abaixo da qual aparece a inevitável fileira de crânios. A cultura artística tolteca revela uma dedicação total à guerra e o Estado tolteca era motivado pela necessidade de impor tributo, em particular na forma de bens sumptuosos como o jade, as plumas e as peles de ocelote, para sustentar o rei e o seu palácio e enriquecer a elite militar. Em 1168, a cidade de Tula sucumbe às dissensões internas e à invasão de novos imigrantes provenientes do norte, entre os quais os astecas da longínqua Aztlán, acabando por ser saqueada e abandonada.
Sobre a civilização tolteca aconselho os seguintes livros:
Davies, Nigel (1977). The Toltecs: Until the Fall of Tula. Norman, Okl.: University of Oklahoma Press.
Davies, Nigel (1980). The Toltec Heritage: From the Fall of Tula to the Rise of Tenochtitlan. Norman, Okl.: University of Oklahoma Press.
Diehl, Richard A., org. (1974). Studies of Ancient Tollan: A Report of the University of Missouri Tula Archaelogical Project. Columbia, Missouri: University of Missouri Press.
Matos, Eduardo, org. (1974). Proyecto Tula, 2 vols. México: Instituto Nacional de Antropología e Historia.
Séjourné, Laurette (1962). El Universo de Quetzalcóatl. México: Fondo de Cultura Económica.
Thompson, Eric (1982). História y Religión de los Mayas. México: Siglo XXI.
J Francisco Saraiva de Sousa
43 comentários:
Isto é apenas a base deste post: aguarde os desenvolvimentos. :)
Morreu José Saramago. dediquei-lhe um post aqui:
http://cyberdemocracia.blogspot.com/2009/10/jose-saramago-e-o-marxismo.html
Adicionei nos meus elos um blog brasileiro: Grupo de Política Natureza e Cidade. A Esquerda é ecológica! :)
O post sobre Lefebvre do meu amigo brasileiro é este:
http://www.seer.furg.br/ojs/index.php/ambeduc/article/viewFile/977/409
Li o seu post sobre o Saramago. Bravo!
Estou a braços com as questões de infidelidade e imoralidade. Deixei tópicos no RG. Queres escrever sobre esse tema?
*teu
:-P
Nice new look!
:-)
Ya, posso pensar sobre esse tema complexo. Agora estou no facebook. :)
O tema da infidelidade é deveras complexo e abrange as chamadas mentiras privadas.
Sim, mas estou particularmente baralhada quanto ao último caso que apresento...
Denise: a situação 2 é todinha instável, mas não vejo razão para C ser bovino. É tudo muito flutuante...
A situação 2 é pode ser exemplificada com Sartre e Beauvoir, não?
Ah, enganei-me: na última situação C está a mais..., se compreendi bem o caso.
E a situação 4?
Sim...
C está fora do baralho.
Pois, nem eu percebi o caso. Nessa situação, A diz a C que C n está a mais, mas C pergunta-se se não o está de facto perante B...
Exacto - e tb perante a negociação entre A e B.
Fonex... eu sou a C. tenho de falar com o rapazinho a sério!
Se A deseja um compromisso de fidelidade com B, C está a ser usado/a. O melhor seria um trio, dado a instabilidade emocional de A.
Gostei do "fonex"... O melhor será abandonar a cena e sair antes do final...
Não. A NÃO consegue ser fiel e B sabe disso e das outras que A vai tendo. C não está apaixonada, mas curte a companhia de C e de explodir com ele. Mas fica a pensar se está a participar nalgum acto de infidelidade para com B.
A menos que C queira a pura diversão e, neste caso, seria um dos jogadores. Falta saber se B é fiel a A.
Não, C não tem nenhum relação de fidelidade com B; pelo contrário, deve atormentar B e despertar o seu ciúme.
Porém, se A andar com B e C, com frequência, então quem se diverte é A, porque tem duas mulheres, além de outros casos.
O que C pode sentir por B é empatia, no sentido de colocar-se no lugar de B e pensar se gostaria de estar nesse papel. Mas quando há essa empatia A sai prejudicado: fica sozinho sem B e C. B é em todos os casos a vítima: devia mudar de trajectória vital e sair fora.
Pela 1ª vez, C consegue estar com alguém sem se ter apaixonado. A vai tendo muitas. B é fiel a A. C não tem qq compromisso.
Ya, B está a fazer papel triste, porque pode estar apaixonada por A.
Ya, para C é pura diversão - sem paixão, sem compromisso.
De certo modo, A e C não têm compromissos: navegam em várias águas. B é que fica com a água gasta - a de A.
É uma cena/esquema muito frequente nos dias que correm...
B vai dar um flho a A. Como se os filhos agarrassem os homens...
E, no fim - lá mesmo no fim - ficam todos sozinhos - cada um com a sua solidão. A nossa época é a da solidão. Mas fazer sexo sem compromisso é fácil: as pessoas fogem do compromisso.
B é muito tonta... tadinha...
Coitada... B contenta-se com o papel de parideira. :(
Sim.
Mas a verdade é mesmo essa: a da solidão.
C procura o Amor. Mas cedeu à tentação da ilusão enquanto ele não chega.
:-(
Ah, mas B seria uma mulher inteligente se - em vez de engravidar de A - experimentasse D, E e F. E mais inteligente seria se engravidasse de D ou E ou F atribuindo a paternidade a A: seria a guerra do esperma rival.
Repito: B e C são rivais nesse jogo. A questão da lealdade de C para B só se colocaria se fossem amigas, mas como não são não se coloca - são rivais.
Porém, B deve sentir ciúme emocional e sexual de C, sobretudo se pensa engravidar para reter os recursos de A.
C vai conversar com A e eventualmente cair fora.
Puf...
Essa é gira... :)
Vamos para o FB ;)
Finalmente, o post está concluído. :)
estou fonex...
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