terça-feira, 5 de julho de 2011

Prós e Contras: A Questão da Dívida


Escolhi esta imagem da passagem do metro na Ponte D. Luís I (Porto) como imagem de fundo do debate Prós e Contras de hoje (4 de Julho) para incentivar o uso dos transportes públicos. "Muita lábia e pouca acção": eis como podemos resumir-reduzir todos os debates da televisão portuguesa, encabeçada desde logo pelos canais privados (SICNotícias e TVI24). Os jovens - sim, os da plateia! - que Fátima Campos Ferreira convidou fizeram uma triste figura: "Oh, que gado humano tonto! Até já vai pelos seus próprios pés para os matadouros do desemprego e da miséria!" Carlos Carvalhas dominou completamente os seus adversários de classe - os economistas neoliberais, o que significa que os apologistas do capitalismo financeiro global - António Pires de Lima, Leonardo Mathias, João Cantiga Esteves e João Carlos Barradas - não estão convictos da capacidade das novas políticas do governo de coligação PSD-CDS - sempre "as mesmas falsidades" (Carlos Carvalhas)! - para superar a crise estrutural nacional. Costumo escutar as entrevistas de Cantiga Esteves na SICNotícias e detectei que ele retoma o discurso de José Sócrates - o seu inimigo de estimação! - para defender o actual governo, livrando-o de futura responsabilidade pela derrota de Portugal quando acentua a natureza externa da crise. O discurso que ontem - no tempo do governo socialista - foi mentira é agora verdadeiro! Mas quem nos garante que Cantiga Esteves está a dizer toda a verdade? Vejamos com mais pormenor estas flutuações discursivas-ideológicas dos economistas portugueses que não ajudam a descobrir novas alternativas económicas. João Ferreira do Amaral é o único economista português que ousa pensar - pelo menos academicamente - novas alternativas económicas, propondo a saída de forma organizada de Portugal da zona Euro. O abandono ideológico do discurso do atraso histórico de Portugal em relação à Europa do Norte mais desenvolvida é nefasto para o nosso futuro, revelando a incapacidade dos dirigentes portugueses para governar o país e fazer dele uma nação desenvolvida. Quando os destinos da nação estavam nas mãos do governo socialista, os economistas televisivos negavam a componente externa da crise portuguesa, responsabilizando José Sócrates pela bancarrota. Mas depois da vitória do PSD nas últimas eleições esqueceram o carácter estrutural e histórico da crise portuguesa para acentuar unicamente a sua componente externa. Assim, por exemplo, Carlos Barradas condenou a arquitectura do Euro que subjuga os países periféricos aos interesses da banca franco-alemã, Leonardo Mathias criticou o actual enquadramento europeu, e Cantiga Esteves afirmou que a Europa não se preparou para a globalização. António Pires de Lima chegou mesmo a dizer que o problema da dívida não é português, mas sim europeu. Não estou a negar o momento de verdade destas declarações para dar ênfase ao seu momento de falsidade; o que estou a fazer é chamar a atenção para a mudança de discurso económico que ocorreu quando o PSD assumiu as rédeas do poder. A mentira de ontem é hoje verdade: é isto que não compreendo! A situação portuguesa não melhorou desde que o governo de coligação da Direita tomou posse: os juros da dívida continuaram a subir e o PEC 5 - o corte no subsídio de Natal - não será suficiente para resolver o problema do défice português. O que sei é que o Ministério das Finanças se prepara para assaltar a bolsa dos portugueses, incluindo aqueles que não contribuíram para o endividamento nacional, sugando-lhes todo o sangue, para no final estarmos mais pobres do que estamos hoje. Sacar o pouco dinheiro que as pessoas têm para saciar a fome e pagar as suas contas mensais da água, da luz, do gás, do telefone e da televisão-Internet - todas elas autênticos roubos! - é simplesmente um crime. A maior parte dos portugueses são obrigados a dar ao Estado-Opressor aquilo que não têm - Dinheiro. O Estado-Arbitrário quer roubar-nos para pagar as suas dívidas públicas e as dívidas dos privados. Em vez de nos proteger, racionalizando os serviços públicos sem os privatizar, o Estado-Alucinado que governou mal rouba-nos para satisfazer a gula dos mercados financeiros. Afinal, para que precisamos deste Estado capturado por uma rede feudal de conexões corruptas? É certo que Portugal é responsável pela seu endividamento, mas estes juros pornográficos da dívida reflectem a exploração dos países periféricos pelos bancos do Norte da Europa. A União Europeia é uma armadilha imperialista conspirada pelo eixo franco-alemão para explorar os países mais fracos: as relações de classe que se observam no interior de um país projectam-se no plano europeu nas relações assimétricas de poder e de exploração entre o Norte-Colonizador e o Sul-Colonizado. O capitalismo selvagem gera guerras imperialistas e a Europa parece caminhar para a sua III Guerra Mundial. A grande promotora das duas primeiras guerras mundiais, a Alemanha, quer guerra e, nesta guerra, os árabes vão participar. (A agência de notação Moody´s baixou o rating da dívida pública portuguesa: Hoje Portugal é lixo! No Ocidente, a democracia tornou-se uma figura da falsidade: o poder político está completamente cativo do poder económico e financeiro que age na sombra. O destino de Portugal e da Grécia foi selado! E o fim das golden shares da Galp, EDP e PT confirma a vitória desse estranho poder anti-democrático.)

O primeiro confronto deste debate ocorreu entre Carlos Carvalhas e Pires de Lima. Depois de ter referido alguns problemas da sociedade portuguesa, tais como a estagnação económica, o desemprego e os desequilíbrios assustadores de rendimento, Pires de Lima reconheceu que vamos viver tempos muito difíceis e exigentes, mas não piores do que os tempos já vividos. Porquê? Porque chegou a altura de dar sinais de esperança, em vez de fazer o discurso da desgraça. Ora, foi neste terreno que Carlos Carvalhas entrou no debate, afirmando que o problema não é o discurso da desgraça sem sinais de esperança, mas a ausência de realismo no discurso económico neoliberal. Para Carlos Carvalhas, o governo de Passos Coelho não é diferente do governo de José Sócrates: ambos procuram resolver o problema da banca à custa dos contribuintes, aumentando os impostos e reduzindo neste momento o subsídio de Natal. Carlos Carvalhas recorreu às previsões do FMI para mostrar que, seguindo estas políticas de controlo do défice impostas pela troika, as taxas de crescimento económico serão em 2016 inferiores às actuais, o que quer dizer que a dívida portuguesa é impagável e, com estes juros elevados que os mercados financeiros nos cobram, vamos pagar em 2016 o dobro da dívida. Sem a renegociação da dívida, as políticas de controle do défice comprometem o crescimento económico de Portugal. Pires de Lima aceitou que o problema fundamental de Portugal é o do crescimento económico, mas tentou embaraçar Carlos Carvalhas fazendo referência ao preâmbulo da Constituição que aponta para a construção de uma sociedade socialista. Bem, Pires de Lima devia ler as obras económicas do marxismo, fazendo abstracção do comunismo, porque elas ajudam a clarificar a actual crise do capitalismo. Esta incapacidade para analisar com realismo a situação económica, social e política do país no contexto do mundo global evidencia-se no discurso de Cantiga Esteves: o modelo económico português falhou por três razões - excesso do peso do Estado, diminuição crescente do PIB e a crença de que o motor da economia é o investimento público. Cantiga Esteves usou Keynes contra os seus defensores: a presença do Estado justifica-se em períodos de crise e de recessão, mas não nos períodos de normalidade, em que o Estado deve sair da economia, entregando-a à iniciativa privada. Mas afinal vivemos num período de crise ou de normalidade? A receita neoliberal de Cantiga Esteves supõe que vivemos num período de normalidade, porque quer privatizar tudo, mesmo correndo o risco de entregar aos estrangeiros - a baixo custo! - as nossas grandes empresas. Porém, este deslize da argumentação de Cantiga Esteves não deve desviar a nossa atenção do núcleo duro da sua proposta. Para continuarmos a fazer parte do clube europeu do Euro, Cantiga Esteves defende que o governo português deve fazer o seu trabalho de casa, comportando-se como um bom aluno: Passos Coelho deve encarnar a figura de Cavaco Silva e implementar as políticas recessivas que nos lançaram e laçam no abismo. E não foi o bom aluno por excelência que iniciou a política de destruição do nosso tecido produtivo, levando-nos a viver acima das nossas possibilidades? Os grandes capitalistas sempre "comeram" os pequenos capitalistas e, nesta lógica do capital, Portugal continuará a ser comido pelos países do Norte: a política do bom aluno que obedece às ordens do mestre canibal é - foi e será! - a política do suicídio nacional. Inicialmente, Pires de Lima defendeu uma proposta aparentemente semelhante - a racionalização da despesa pública para dar sinais de confiança ao investimento estrangeiro, mas o seu bom-senso - e, para mim, Pires de Lima é inegavelmente um homem de bom-senso! - levou-o a reconhecer que o nosso problema fundamental é o do crescimento económico, que Cantiga Esteves ilude quando afirma dogmaticamente que devemos viver em função da riqueza que produzimos. Certo, Portugal não pode viver acima da riqueza efectiva que produz, estilo de vida artificial responsável pelo endividamento, mas esta riqueza que não produzimos justifica os salários milionários dos gestores públicos e privados? Certo, o Estado português tem um peso excessivo na economia e na sociedade - e isto é uma constante ao longo da nossa história, mas onde está o investimento privado? Certo, a economia precisa dos bancos para criar empresas e gerar empregos, mas onde investiu até hoje a banca portuguesa? Na economia ou no crédito ao consumo? Em Portugal, nada funciona bem e, se quisermos fazer o discurso da verdade, do rigor e da transparência, como diz defender Cantiga Esteves, não podemos mudar de perspectiva como quem muda de cuecas todos os dias ou várias vezes ao dia. A participação de Fernando Santos - seleccionador nacional da selecção grega - ajudou - mais do que a de Filipe de Meneses (Irlanda) - a iluminar estas irracionalidades do discurso económico oficial que ainda não compreendeu que é o capitalismo que gera estas crises periódicas que sacrificam gerações inteiras ao longo da sua já longa marcha triunfal. Não há diálogo possível - nem sequer futuro - com pessoas que recomendam a mesma receita que nos conduziu ao abismo! O neoliberalismo não se cura a si próprio! É preciso pensar seriamente o nosso futuro sem esta gula ideológica que nos mergulha no nada!

J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

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J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Fiz um acrescento ao primeiro parágrafo para dar conta de duas ideias, uma já conhecida, outra que vislumbro no horizonte.