Marshall David Sahlins |
«A economia política, no sentido mais amplo da palavra, é a ciência das leis que regem a produção e a troca dos meios materiais de subsistência na sociedade humana. /A economia política, concebida como ciência das condições e das formas em que as diversas sociedades têm produzido, trocado e distribuído os produtos da forma correspondente, quer dizer, em toda a sua extensão, está ainda por fazer». (Friedrich Engels)
«Para a opinião geral, uma sociedade opulenta (no sentido de Galbraith) é aquela em que se satisfazem com facilidade todas as necessidades materiais dos seus elementos. Assegurar que os caçadores eram opulentos significa negar então que a condição humana é uma tragédia decretada lá onde o homem está prisioneiro do árduo labor que significa a perpétua disparidade entre as suas carências ilimitadas e a insuficiência dos seus meios. É que à opulência se pode chegar por dois caminhos diferentes. As necessidades podem ser "facilmente satisfeitas" ou produzindo muito ou desejando pouco». (Marshall Sahlins)
Ao contrário dos economistas burgueses, Marx encarnou o espírito científico e a sua obra seduziu todas as ciências sociais e humanas. A antropologia social e cultural, em especial a antropologia económica, rendeu-se à teoria histórico-económica de Marx: a obra Stone Age Economics de Marshall Sahlins (1972) inscreve-se no debate substantivista-formalista em torno da licitude de aplicar os conceitos económicos clássicos, derivados da observação de sistemas económicos capitalistas, à análise das sociedades primitivas. Scott Cook (1973) analisou esta controvérsia científica entre antropólogos, tomando o partido da corrente formalista da teoria económica, para a qual a economia é um sistema que utiliza recursos escassos para maximizar a satisfação de necessidades: «uma vez exercida a opção em relação à utilização dos recursos escassos, colmatar-se-ão aquelas necessidades que se estimam mais satisfatórias ou com maior utilidade marginal (isto é, adicional)». Os antropólogos económicos - M. Herskovitz e R. Firth, por exemplo - utilizaram a célebre definição de Robbins, herdada do marginalismo: a economia é «a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios raros que têm usos alternativos». A recente definição de Samuelson & Nordhaus (1999) não está muito distante da de Robbins: «a economia é o estudo da forma como as sociedades utilizam recursos escassos para produzir bens com valor e de como os distribuem entre os vários indivíduos». Ambas as definições tendem a fazer da economia o estudo de toda a actividade finalista possuidora de uma lógica que assegure a sua eficácia frente a uma série de exigências pela combinação de um conjunto limitado de meios. Ora, como demonstrou M. Godelier, uma tal definição formal da economia não permite distinguir entre actividade económica e qualquer outra actividade humana finalista e orientada (1), esquece que as relações económicas são fundamentalmente relações sociais (2) e visa unicamente o aspecto do processo económico ligado à decisão dos agentes económicos (3). Para Sahlins (1973), a economia é «o processo de aprovisionamento material da sociedade». Ou de acordo com os partidários de uma definição substantiva da economia: a economia de uma sociedade refere-se às formas e às estruturas sociais da produção, da distribuição e da circulação dos bens materiais que caracterizam esta sociedade num momento determinado da sua existência. Os substantivistas que seguem Karl Polanyi (1944), bem como os marxistas estruturais, consideram que as economias primitivas se inserem num conjunto de relações sociais - baseadas no parentesco - completamente distinto do sistema de relações sociais vigente nas economias capitalistas: conceitos tais como economização - atribuição de recursos escassos para máximo proveito pessoal -, capital, benefícios, renda, interesses, salários, juros, lucros, etc., tão pertinentes para analisar as economias capitalistas, não podem ser aplicados às sociedades onde a produção, a distribuição e o consumo de bens não se inserem no quadro de relações sociais formado pela propriedade privada e pela economia política capitalista. A sua aplicação abusiva às sociedades primitivas leva os economistas burgueses a reinterpretar o mundo segundo a imagem - falsa e etnocêntrica - dos homens de negócio burgueses: «Em termos gerais, trata-se de escolher entre a perspectiva do Negócio, pois o método formalista é obrigado a considerar as economias primitivas como versões subdesenvolvidas da nossa (economia capitalista), e um estudo cultural que, por norma, honra as diferentes sociedades pelo que são» (Sahlins). Quando escreve que o seu livro é substantivista, Sahlins toma partido pela linha de pensamento substantivista de Karl Polanyi e de George Dalton para logo a seguir se aproximar do marxismo estrutural tal como foi protagonizado por Maurice Godelier, Emmanuel Terray e Jonathan Friedman, cuja retoma da definição clássica de economia se deve aos economistas dissidentes do marginalismo, dos quais o mais importante foi Piero Sraffa que, em 1951, editou The Works and Correspondence of David Ricardo e, em 1960, o seu livro Production of Commodities by Means of Commodities. A antropologia económica de orientação marxista analisa e explica as formas e estruturas dos processos da vida material das sociedades com a ajuda dos conceitos elaborados por Marx, em especial dos conceitos de modo de produção e de formação social e económica. Sahlins é peremptório quando descarta a economia formal: «Como encarnação da sabedoria das categorias burguesas originais, a economia formal desenvolve-se dentro como uma ideologia e fora como um etnocentrismo». O homem económico - concepção subjacente à economia formal que legitima a colonização capitalista da sociedade, da personalidade e do mundo da vida - é uma invenção burguesa: «Foram as nossas sociedades ocidentais que, muito recentemente, fizeram do homem um "animal económico". Mas, por enquanto, nem todos somos seres desse género. Entre as nossas massas e as nossas elites, o gasto puro e irracional é de prática corrente, sendo ainda característico de alguns fósseis da nossa nobreza. O homo oeconomicus não está para trás, está sim na nossa frente; como o homem da moral e do dever; como o homem da ciência e da razão. O homem foi, durante muito tempo, outra coisa; e não há muito tempo que ele é uma máquina, uma complicada máquina de calcular. Aliás, nós estamos - ou estávamos? - ainda afastados, felizmente, deste constante e glacial cálculo utilitário. (...) Talvez seja bom que existam outros meios de gastar e de trocar, para além da pura despesa. No entanto, na nossa opinião, não é no cálculo das necessidades individuais que se encontrará o método da melhor economia. Devemos, creio eu, mesmo enquanto quisermos desenvolver a nossa própria riqueza, ser mais do que puros financiadores, tornando-nos sempre melhores contabilistas e melhores gestores. A perseguição brutal dos objectivos do indivíduo é prejudicial para os objectivos e para a paz do conjunto, para o ritmo do seu trabalho e das suas alegrias e - pelo efeito de retorno - para o próprio indivíduo» (Marcel Mauss). A economia antropológica das sociedades primitivas pode ensinar-nos muita coisa sobre a natureza da troca, para além de apontar os limites da economia capitalista que invade todas as zonas não-capitalistas, tendo em vista a optimização do lucro e dos rendimentos privados. Sahlins termina o seu belo livro com a elaboração de uma teoria do valor de troca que iremos analisar numa outra oportunidade: a economia antropológica fornece-nos as grelhas conceptuais necessárias para nos libertarmos da ideologia burguesa do homem económico que não nos deixa viver com serenidade a nossa vida breve. O capitalismo é, na sua essência, um sistema irracional e destrutivo. (O objectivo deste texto foi apresentar a obra de Sahlins: a análise do seu conteúdo fica para outra oportunidade. Quando penso no capitalismo, fico com vontade de radicalizar Rousseau!)
Anexo: Greve ao consumo. Os portugueses e os europeus deviam começar a consumir o mínimo possível, de modo a levar o capitalismo à falência. Os povos primitivos constituem um modelo exemplar de uma vida sem angústia e, de certo modo, foram felizes desejando pouco. O capitalismo impôs-nos um sistema de exploração monstruoso, obrigando-nos a trabalhar para sobreviver. Não vale a pena viver para alimentar este monstro capitalista que nos nega a vida: Acorda e não consumas. Unidos nesta greve ao consumo vamos liquidar o capitalismo. Diz Não ao cartão de crédito! Diz Não ao carro! Diz Não ao telemóvel! Diz Não ao consumo! Diz Não aos pequenos luxos! Diz Não ao trabalho! Torna-te Homem e ousa desafiar o poder instituído! Faz Greve Total! Não queiras alimentar com o teu sangue os vampiros capitalistas! Sem o teu dinheiro eles ficam pobres! Deixa de ser tolo, fingindo seres aquilo que não és! Assume a tua pobreza e não consumas para além do mínimo de sobrevivência! Portugal é um país pobre! Não queiras fazer dos ricos mais ricos do que já são! Não alimentes a sua gula! Faz Greve ao Consumo!
J Francisco Saraiva de Sousa
«Para a opinião geral, uma sociedade opulenta (no sentido de Galbraith) é aquela em que se satisfazem com facilidade todas as necessidades materiais dos seus elementos. Assegurar que os caçadores eram opulentos significa negar então que a condição humana é uma tragédia decretada lá onde o homem está prisioneiro do árduo labor que significa a perpétua disparidade entre as suas carências ilimitadas e a insuficiência dos seus meios. É que à opulência se pode chegar por dois caminhos diferentes. As necessidades podem ser "facilmente satisfeitas" ou produzindo muito ou desejando pouco». (Marshall Sahlins)
Ao contrário dos economistas burgueses, Marx encarnou o espírito científico e a sua obra seduziu todas as ciências sociais e humanas. A antropologia social e cultural, em especial a antropologia económica, rendeu-se à teoria histórico-económica de Marx: a obra Stone Age Economics de Marshall Sahlins (1972) inscreve-se no debate substantivista-formalista em torno da licitude de aplicar os conceitos económicos clássicos, derivados da observação de sistemas económicos capitalistas, à análise das sociedades primitivas. Scott Cook (1973) analisou esta controvérsia científica entre antropólogos, tomando o partido da corrente formalista da teoria económica, para a qual a economia é um sistema que utiliza recursos escassos para maximizar a satisfação de necessidades: «uma vez exercida a opção em relação à utilização dos recursos escassos, colmatar-se-ão aquelas necessidades que se estimam mais satisfatórias ou com maior utilidade marginal (isto é, adicional)». Os antropólogos económicos - M. Herskovitz e R. Firth, por exemplo - utilizaram a célebre definição de Robbins, herdada do marginalismo: a economia é «a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios raros que têm usos alternativos». A recente definição de Samuelson & Nordhaus (1999) não está muito distante da de Robbins: «a economia é o estudo da forma como as sociedades utilizam recursos escassos para produzir bens com valor e de como os distribuem entre os vários indivíduos». Ambas as definições tendem a fazer da economia o estudo de toda a actividade finalista possuidora de uma lógica que assegure a sua eficácia frente a uma série de exigências pela combinação de um conjunto limitado de meios. Ora, como demonstrou M. Godelier, uma tal definição formal da economia não permite distinguir entre actividade económica e qualquer outra actividade humana finalista e orientada (1), esquece que as relações económicas são fundamentalmente relações sociais (2) e visa unicamente o aspecto do processo económico ligado à decisão dos agentes económicos (3). Para Sahlins (1973), a economia é «o processo de aprovisionamento material da sociedade». Ou de acordo com os partidários de uma definição substantiva da economia: a economia de uma sociedade refere-se às formas e às estruturas sociais da produção, da distribuição e da circulação dos bens materiais que caracterizam esta sociedade num momento determinado da sua existência. Os substantivistas que seguem Karl Polanyi (1944), bem como os marxistas estruturais, consideram que as economias primitivas se inserem num conjunto de relações sociais - baseadas no parentesco - completamente distinto do sistema de relações sociais vigente nas economias capitalistas: conceitos tais como economização - atribuição de recursos escassos para máximo proveito pessoal -, capital, benefícios, renda, interesses, salários, juros, lucros, etc., tão pertinentes para analisar as economias capitalistas, não podem ser aplicados às sociedades onde a produção, a distribuição e o consumo de bens não se inserem no quadro de relações sociais formado pela propriedade privada e pela economia política capitalista. A sua aplicação abusiva às sociedades primitivas leva os economistas burgueses a reinterpretar o mundo segundo a imagem - falsa e etnocêntrica - dos homens de negócio burgueses: «Em termos gerais, trata-se de escolher entre a perspectiva do Negócio, pois o método formalista é obrigado a considerar as economias primitivas como versões subdesenvolvidas da nossa (economia capitalista), e um estudo cultural que, por norma, honra as diferentes sociedades pelo que são» (Sahlins). Quando escreve que o seu livro é substantivista, Sahlins toma partido pela linha de pensamento substantivista de Karl Polanyi e de George Dalton para logo a seguir se aproximar do marxismo estrutural tal como foi protagonizado por Maurice Godelier, Emmanuel Terray e Jonathan Friedman, cuja retoma da definição clássica de economia se deve aos economistas dissidentes do marginalismo, dos quais o mais importante foi Piero Sraffa que, em 1951, editou The Works and Correspondence of David Ricardo e, em 1960, o seu livro Production of Commodities by Means of Commodities. A antropologia económica de orientação marxista analisa e explica as formas e estruturas dos processos da vida material das sociedades com a ajuda dos conceitos elaborados por Marx, em especial dos conceitos de modo de produção e de formação social e económica. Sahlins é peremptório quando descarta a economia formal: «Como encarnação da sabedoria das categorias burguesas originais, a economia formal desenvolve-se dentro como uma ideologia e fora como um etnocentrismo». O homem económico - concepção subjacente à economia formal que legitima a colonização capitalista da sociedade, da personalidade e do mundo da vida - é uma invenção burguesa: «Foram as nossas sociedades ocidentais que, muito recentemente, fizeram do homem um "animal económico". Mas, por enquanto, nem todos somos seres desse género. Entre as nossas massas e as nossas elites, o gasto puro e irracional é de prática corrente, sendo ainda característico de alguns fósseis da nossa nobreza. O homo oeconomicus não está para trás, está sim na nossa frente; como o homem da moral e do dever; como o homem da ciência e da razão. O homem foi, durante muito tempo, outra coisa; e não há muito tempo que ele é uma máquina, uma complicada máquina de calcular. Aliás, nós estamos - ou estávamos? - ainda afastados, felizmente, deste constante e glacial cálculo utilitário. (...) Talvez seja bom que existam outros meios de gastar e de trocar, para além da pura despesa. No entanto, na nossa opinião, não é no cálculo das necessidades individuais que se encontrará o método da melhor economia. Devemos, creio eu, mesmo enquanto quisermos desenvolver a nossa própria riqueza, ser mais do que puros financiadores, tornando-nos sempre melhores contabilistas e melhores gestores. A perseguição brutal dos objectivos do indivíduo é prejudicial para os objectivos e para a paz do conjunto, para o ritmo do seu trabalho e das suas alegrias e - pelo efeito de retorno - para o próprio indivíduo» (Marcel Mauss). A economia antropológica das sociedades primitivas pode ensinar-nos muita coisa sobre a natureza da troca, para além de apontar os limites da economia capitalista que invade todas as zonas não-capitalistas, tendo em vista a optimização do lucro e dos rendimentos privados. Sahlins termina o seu belo livro com a elaboração de uma teoria do valor de troca que iremos analisar numa outra oportunidade: a economia antropológica fornece-nos as grelhas conceptuais necessárias para nos libertarmos da ideologia burguesa do homem económico que não nos deixa viver com serenidade a nossa vida breve. O capitalismo é, na sua essência, um sistema irracional e destrutivo. (O objectivo deste texto foi apresentar a obra de Sahlins: a análise do seu conteúdo fica para outra oportunidade. Quando penso no capitalismo, fico com vontade de radicalizar Rousseau!)
Anexo: Greve ao consumo. Os portugueses e os europeus deviam começar a consumir o mínimo possível, de modo a levar o capitalismo à falência. Os povos primitivos constituem um modelo exemplar de uma vida sem angústia e, de certo modo, foram felizes desejando pouco. O capitalismo impôs-nos um sistema de exploração monstruoso, obrigando-nos a trabalhar para sobreviver. Não vale a pena viver para alimentar este monstro capitalista que nos nega a vida: Acorda e não consumas. Unidos nesta greve ao consumo vamos liquidar o capitalismo. Diz Não ao cartão de crédito! Diz Não ao carro! Diz Não ao telemóvel! Diz Não ao consumo! Diz Não aos pequenos luxos! Diz Não ao trabalho! Torna-te Homem e ousa desafiar o poder instituído! Faz Greve Total! Não queiras alimentar com o teu sangue os vampiros capitalistas! Sem o teu dinheiro eles ficam pobres! Deixa de ser tolo, fingindo seres aquilo que não és! Assume a tua pobreza e não consumas para além do mínimo de sobrevivência! Portugal é um país pobre! Não queiras fazer dos ricos mais ricos do que já são! Não alimentes a sua gula! Faz Greve ao Consumo!
J Francisco Saraiva de Sousa