sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A Herança Estética de Marx

Lyonel Feininger: Arquitectura II, 1921
«O mundo capitalista industrializado, comercializado, tornou-se um mundo exterior de relações e conexões materiais impenetráveis. O homem que vive em tal mundo aliena-se dele e de si próprio. É frequentemente dirigido à arte e à literatura moderna a acusação de "destruírem a realidade". Tendências destrutivas existem; porém, de facto, não são os escritores e os pintores que aboliram a realidade. Uma realidade pertencente a um passado mais ou menos remoto e há muito tempo transformada no seu próprio fantasma conserva-se artificialmente endurecida em frases feitas, preconceitos e hipocrisias. O produto final de pesquisas mecanizadas, investigações, análises, estatísticas e relatórios é uma grotesca caricatura do real, é a corporificação de um mundo ilusório que é de todos e não é de ninguém. A ilusão coloca-se no lugar da contradição. A multiplicidade dos diversos "pontos de vista" mal encobre uma pavorosa uniformidade de mentalidades. As respostas precedem as perguntas. Alguns clichés - diversos dos que foram há tempos reflexos da realidade - são habitual e exaustivamente utilizados. Tais clichés acham-se hoje tão próximos da realidade quanto um tubarão do petróleo de uma pintura sagrada.» (Ernst Fischer)

O capitalismo é completamente avesso à cultura: Goethe, Hegel, Marx e Lukács já sabiam que não há verdadeiramente uma cultura capitalista. O ódio que o romantismo nutria pelo capitalismo justifica-se. em parte, pelo facto deste sistema social destruir a cultura. O romantismo funcionou como uma espécie de escola de preparação para o marxismo. A noção de perda da realidade - que prefiro traduzir por desmundanização da arte - é uma noção romântica, que Lukács retomou para condenar a arte de vanguarda. Marx, que tinha a intenção de escrever uma obra sobre Balzac, teve três grandes herdeiros que levaram a cabo a construção da estética marxista: Georg Lukács, Walter Benjamin e Theodor W. Adorno. Mas a lista de estetas marxistas não se esgota nestes três nomes, aos quais podemos acrescentar tantos outros nomes, tais como Erich Auerbach, Herbert Marcuse, Ernst Fischer, Ernst Bloch, Terry Eagleton, Peter Bürger, Christoph Menke, Galvano Della Volpe, Antonio Gramsci, Bertolt Brecht, Pierre Francastel, Arnold Hauser, Max Horkheimer, Agnes Heller, Jean-Paul Sartre, Raymond Williams, Marshall Berman, P. Macherey, Lucien Goldmann, Mikhail Bakhtin, L. S. Vygotsky, George Thomson ou Henri Lefebvre. Ernst Cassirer era demasiado kantiano para compreender o nascimento da estética: Della Volpe traça uma outra história do gosto, recuando até ao conflito original entre Platão e Aristóteles, mas a melhor abordagem da ideologia estética foi realizada mais recentemente por Eagleton. O itinerário intelectual de Lukács exemplifica claramente o laço que une o romantismo e o marxismo. Para mim, a importância do romantismo para o desenvolvimento de uma verdadeira cultura anti-capitalista é de tal modo evidente que penso ser legítimo afirmar que os países privados de uma forte cultura romântica não conseguiram atingir o nível cultural da Alemanha. Os filósofos alemães têm razão quando afirmam que, depois de ter falado grego, a filosofia fala alemão: o grande pensamento filosófico moderno é predominantemente alemão. O inglês é a língua comercial do mundo, mas não é a sua língua cultural. A lei do coração de Eagleton - a trilogia Shaftesbury, Hume e Burke - é demasiado pobre quando confrontada com o imaginário kantiano e, sobretudo, com a hegemonia de Schiller: a história da estética é, quase toda ela, alemã. Hegel e Marx eram alemães, e os seus principais seguidores - Benjamin, Adorno, etc. - também foram ou são alemães. Em Portugal, a cultura romântica nunca foi bem recebida: os zombies portugueses tudo fizeram para destruir o fortalecimento do romantismo. O esquecimento activo da cultura romântica portuguesa é responsável pela anemia cultural nacional. A malvadez dos portugueses amputa o país das suas fontes geniais, e a sua inveja patológica priva Portugal da sua própria história. A verdadeira história de Portugal ainda não foi escrita: o seu primeiro acto devia ser liquidar os malditos que a obscurecem. As ideias esboçadas neste texto apontam para a realização de um desejo: Agosto será o mês da onda estética e artística.


Anexo: O berço da estética de Marx encontra-se n'O Capital, como é evidente, mas as melhores intuições estéticas de Marx foram formuladas nos Grundisse der Kritik der politischen Ökonomie. A hipótese de trabalho que alinhavei neste texto deixou no ar uma ambiguidade, cuja resolução pode implicar ir mais além de Marx e dos seus seguidores, mas, para todos os efeitos, a cultura é vista como uma criação contra o capitalismo. 


J Francisco Saraiva de Sousa 

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Marxismo Cultural? Claro, fora do marxismo, não há cultura: a Direita é, por natureza, anti-cultura. É feia, má e burra!