segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Marxismo e Geografia Humana

«Os homens fazem a sua própria história mas não a fazem arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas antes sob as condições directamente herdadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações passadas pesa inexoravelmente sobre a consciência dos vivos. E mesmo quando parecem ocupados em transformar-se, a eles e às coisas, em criar algo de absolutamente novo, é precisamente nessas épocas de crise revolucionária que se evocam respeitosamente os espíritos do passado, tomando-lhes de empréstimo os nomes, as palavras de ordem, as roupagens, para surgir no novo palco da história sob esse respeitável disfarce e com essa linguagem emprestada».  (Karl Marx)

Quando deixou de estar em voga na economia, na sociologia e na filosofia, o marxismo emergiu no seio da geografia humana, precisamente durante o período em que os profetas da desgraça anunciavam o triunfo definitivo do malvado neoliberalismo. A geografia humana foi provavelmente a última ciência social e humana a levar a sério o marxismo, mas, quando o fez, pelo menos no mundo anglófono, foi para mostrar o carácter marcadamente ideológico do discurso económico burguês: a leitura da economia feita pela geografia humana é completamente distinta da leitura feita pelos economistas burgueses. A ideia de que novas circunstâncias exigem novas teorias, aliás uma ideia bem tematizada pelo próprio Karl Marx, foi rejeitada por David Harvey, o grande geógrafo que aplicou a economia política marxista à geografia humana. Os geógrafos marxistas não negam as mudanças superficiais sofridas nas últimas décadas pelo capitalismo: Minsky (1989) cunhou o termo capitalismo administrador-de-dinheiro para designar o novo capitalismo em que a economia "simbólica" da moeda e do crédito domina a verdadeira economia de bens e serviços. Neste novo sistema, o dinheiro e as finanças foram protegidos, negociados e especulados nas bolsas em busca de lucro fácil. Apesar de não estarem vinculados à produção de bens e serviços, o dinheiro e as finanças continuaram a exercer uma influência fundamental sobre a produção. É certo que o capitalismo mudou de modo não previsto pela teoria marxista, mas estas mudanças não afectaram a própria validade da teoria marxista. Segundo Harvey, as mudanças sofridas pelo capitalismo estão confinadas à "aparência de superfície" do sistema, não podendo ser confundidas com uma alteração radical das suas "leis estruturais de movimento", tal como foram descobertas por Marx. A crítica que Callinicos fez do pós-modernismo encontra aqui um suporte geo-económico: o mundo em que vivemos continua a ser dominado pelo capitalismo e, por isso, os princípios da economia política marxista não estão a ser enfraquecidos pelas mudanças de superfície que estão a ocorrer. Mas este não é o lugar para analisar o materialismo geo-histórico de Harvey e seus discípulos: o que interessa aqui acentuar é que os novos geógrafos marxistas descobriram que os homens fazem não só as suas próprias histórias, como também as suas geografias. A célebre frase de Marx parece ter sido reformulada, como se ele tivesse privilegiado o tempo em detrimento do espaço. Ora, a geografia humana de orientação marxista mostrou - nas suas diversas áreas ou subdisciplinas: geografia económica, geografia social, geografia política, geografia cultural e geografia urbana - que O Capital explicita uma teoria das temporalidades - a que mais chamou a atenção dos filósofos, em especial a de Althusser - e das espacialidades (Lefebvre). O conceito leninista de desenvolvimento desigual, já presente na obra de Marx, permitiu-lhes elaborar uma teoria marxista da globalização que destaca a geografia da região. Há, portanto, uma geografia - uma geografia do capital-poder - delineada por Marx na sua obra fundamental - O Capital.


J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Logo que possa concluo este post, em simultâneo com o de cima.