«Que cada homem diga o que considera verdade, e deixe ao cuidado de Deus a verdade em si!» (Lessing) A Internet «alenta a esperança de que, após muitas revoluções transformadoras, virá por fim a realizar-se o que a Natureza apresenta como propósito supremo: um estado de cidadania mundial como o seio em que se desenvolverão todas as disposições originárias do género humano». (I. Kant) O nosso planeta Terra é uma esfera, na superfície da qual permanecemos e nos movemos. Não temos outro lugar para ir e, por isso, enquanto seres mortais na/da Terra, estamos destinados a viver para sempre na vizinhança e na companhia dos outros. Em 1784, Kant observou que o nosso movimento em torno da superfície terrestre acabará por reduzir a distância que nos separa uns dos outros. Isto significa que a perfeita unificação da espécie humana por meio de uma cidadania comum é o destino que a Natureza nos reservou ao colocar-nos na superfície esférica do nosso planeta azul. A unidade da humanidade constitui o derradeiro horizonte da nossa história universal, um horizonte que devemos tentar alcançar plenamente e que, graças às novas tecnologias da comunicação, podemos realizar, levando em conta que a Natureza nos obriga a uma visão da hospitalidade. Em tempos sombrios, como o tempo do Terceiro Reich ou mesmo o nosso tempo metabolicamente reduzido, a emigração interior é um fenómeno muito frequente, porque as pessoas, perante uma realidade intolerável e inumana, tendem a trocar o mundo e o seu espaço público por uma vida interior. Quando a emigração interior toma a forma radical de uma existência que ignora o mundo real em proveito de um mundo imaginário "como deveria ser" ou como "tinha sido" em tempos remotos perde necessariamente relevância política, isto é, autolimita-se em termos de capacidade de levar a cabo a tarefa política de transformar qualitativamente o mundo. As pessoas que fogem deste modo ao mundo em tempos sombrios tornam-se impotentes e incapazes de confrontar o poder estabelecido, fazendo-se "exiladas interiores". Deste modo, não se libertam do cativeiro do consumismo que reduz o mundo da vida a uma província da economia capitalista especulativa. Porém, a emigração interior é potencialmente um fenómeno ambíguo: significa, por um lado, que as pessoas se comportam como se já não pertencessem a um país, onde se sentem como emigrantes ou estranhas, e, por outro lado, que essas pessoas, sem emigrar realmente, se refugiam num domínio interior, na invisibilidade do pensamento e do sentimento. Em qualquer um dos sentidos, a emigração interior constitui uma forma de exílio ou de existência à margem da ordem estabelecida, que, no caso em que ignora o mundo real, se converte numa fuga ao mundo, portanto, em alheamento do mundo. Contudo, graças às novas tecnologias da comunicação, em especial à Internet, esta fuga ao mundo estabelecido pode deixar de ser privada e tornar-se pública: o mundo público dominante pode ser questionado e discutido neste novo mundo virtual, no qual germina possivelmente a verdadeira cidadania mundial num processo dinâmico, interactivo e participado de conversação constante e interminável. De certo modo, com a Internet emerge uma nova prática da filosofia: a Filosofia Mundial ou CyberFilosofia. Esta reavaliação do fenómeno da emigração interior pode ser clarificada mediante a análise política da blogosfera. Com efeito, a Internet, em especial a blogosfera, pode ser vista como a tecnologia que possibilita realizar plenamente a cidadania mundial exigida por Kant, dado ser potencialmente uma comunidade global, uma comunidade inclusiva, mas não exclusiva, que se ajusta à visão kantiana da perfeita unificação da humanidade. Com a Internet, e ao contrário do que sucede com os mass media tradicionais, torna-se possível tirar os actuais refugiados ou emigrantes interiores do vácuo sociopolítico a que foram relegados pelo poder estabelecido e pelo seu pensamento único, o economicismo. A Internet é, portanto, potencialmente uma tecnologia da libertação que convida todos os mortais a dialogar acerca do mundo que os oprime e os exclui. Com a criação de blogues, os emigrantes interiores transformam-se automaticamente em críticos do status quo e, num só e mesmo movimento, criam uma nova esfera pública liberta da tutela dos mass media tradicionais e dos poderes estabelecidos. A magia desta nova tecnologia da comunicação electrónica consiste em dar visibilidade àquilo que era invisível, o pensamento independente, o "Selbstdenken" de Lessing, que, ao formar-se num diálogo contínuo com os outros acerca do mundo off-line, isto é, do espaço-entre os homens, tende a tornar-se um pensamento global sempre em marcha. E o que é ainda mais promissor é o facto da Internet possibilitar aproximar pessoas perdidas para o mundo, os animais metabolicamente reduzidos, e levá-las em conjunto e organizadas em "associações civis moralizadas" (comunidades virtuais do protesto político) a exorcizar e a lutar contra o alheamento do mundo imposto pela dinâmica irracional da economia capitalista desregulada. Como nova esfera pública virtual, a Internet pode contribuir para a formação de um pensamento colectivo que comprometa as pessoas em relação ao destino do mundo raptado, colonizado e refeudalizado pelos mass media e pelos poderes económicos estabelecidos. (CONTINUA com o título "Internet e Cidadania Mundial") Este blogue vai fazer o seu primeiro aniversário no dia 27 de Junho, juntamente com o seu irmão gémeo "CyberPhilosophy": Veja AQUI.) J Francisco Saraiva de Sousa
103 comentários:
Começo interessante. Fins de semana sempre complicados para comentar. Dias de emigração interior :)
Amanhã é o dia da criança ;-)
Denise
Vai editar mais um post da sua série literatura também para a infância? Afinal, será dia da criança! :)
Vou tentar, F., mas as criaturas que nasceram do meu ventre andam muito usurpadoras da minha pessoa...
CyberAmigos
Não se esqueçam que este blogue faz um ano, o seu primeiro aniversário, dia 27 de Junho.
Vejam no final o link e deixem mensagem.
Um beijinho do Pai, eu mesmo.
Francisco, nao (este teclado nao acentua...) me esquecerei do aniversario do blogue. Gosto muito deste espaco, sobretudo porque encontrei amigos muito especiais.
Voce tem de se orgulhar do vosso filho!
André
Sou pai de uma criança, mas um pai esquecido do aniversário: fui lembrado a tempo.
Aguardamos o nascimento do seu blogue. :)
Francisco, nao sei qual nome darei a minha crianca. Provavelmente nao serei um pai presente! Quero ter um blogue para facilitar os nossos dialogos. (odeio escrever usando um teclado que nao me permite acentuar as palavras (...))
André
O nome é fundamental. Eu, quando criei os dois primeiros blogues, estava meio a brincar: este seria mais dedicado à política e cyberphilosophy, à teoria e ciberpesquisa; depois dupliquei-os e, com o tempo, reformulei: é difícil mantê-los todos ao mesmo nível de produtividade. Este tornou-se mais "popular" e acabei por o privilegiar.
Escolha o nome em função da temática que pretende destacar mais, ou então um nome mais generalista e/ou neutro, porque acabamos por ser forçados a falar de tudo. Os blogues mais específico têm outra função, mais discreta em termos de difusão.
Pretendo compartilhar os meus devaneios sobre filosofia, literatura, psicologia, etc. O mais importante e o dialogo.
Francisco, voce me indica algum nome (esta e uma pergunta). Nao tenho o sinal de interrogacao). Pensei em Agora Virtual, pois gosto deste nome. Certa vez, espontaneamente, lhe disse que o seu blogue era uma Agora Virtual. Acho que este nome nao e original.
Domingo, 1 de Junho de 2008 00H25m WEST
Regresso de um concerto onde se juntaram duas orquestras para interpretarem Wagner e Berlioz. A Sinfonia Fantástica do compositor francês fez-me pensar no simpático grupo que se reune neste espaço do Francisco. Se eu pudesse, dedicaria cada uma das partes a estes amigos. Assim:
I. «Rêveries, Passions», volátil e tempestuosa, para o André
II. «Un Bal», com harpa! e tão elegante, para valsar com o F.
III. «Scène aux Champs», que é o coração da sinfonia, para a Papillon
IV. «Marche au Supplice»,com o magnífico ribombar dos timbalos e o trémulo das cordas, para mim mesma
V. «Songe d'une Nuit du Sabbat», mágico, esfusiante e provocante, para o Manuel Rocha
Não esquecerei o aniversário, Francisco! Que pai babado! :))
André,
Óptima ideia, a criação do seu próprio blogue! A escolha do nome é fundamental. A constituição do eu enquanto eu é indissociável do nome próprio. Com um blogue assim também é. Ágora Virtual parece-me uma excelente escolha!
Siga em frente, André!
Bela escolha, Denise!
Que escolha, André?!
Denise, apesar da paixao dionisiaca(este teclado nao acentua) que faz parte do meu Ser, estou certo de que gostaria de valsar a Un Bal!
Lamento, André, mas já enderecei o convite ao Francisco :-P
Francisco,
Desconheço o rumo que seguirão as ideias subjacentes a este seu post. No actual estado da questão, partilho consigo a preocupação com a alienação do indivíduo, impotente, perante o mundo que lhe é exterior e interrogo-me, uma vez mais, sobre o que motiva cada um de nós a criar um espaço virtual e recriar-se no cosmos da blogosfera.
André
"Ágora Virtual" é um bom nome.
Denise
Então, vamos dançar a valsa. :)
Denise, estou a mencionar a vossa bela escolha
I. «Rêveries, Passions», volátil e tempestuosa, para o André
André, mas se quiser, pode acompanhar-me na marcha ao suplício! :)))
Ah, pois, André, é assim que o imagino! ;-)
Faço-lhe o gosto, Francisco, deixo-o conduzir! Ahah
Denise
Vou recuperar a seguir a noção grega de amizade e vou fazer dela uma nova base política, opondo-me à noção de fraternidade, tal como fez Lessing. Daí vou ao diálogo sobre o mundo e à humanidade da amizade e não da fraternidade, envolvida num diálogo plural constante.
Hmmm, agora fiquei mesmo muito curiosa. O que o leva a se opor à fraternidade? Está este conceito assim tão distante do da amizade? Aguardo, e olhe que dia 1 já é hoje! ;-)
Faço amanhã cedo... Mas pode ficar longo e penso dividi-lo. Fraternidade é um dos lemas da Revolução Francesa que se mostrou incapaz de eliminar o mundo inumano.
No entanto, ó Francisco, apesar de tudo, há que não eliminar todas as distâncias, nem tornar o pensamento absolutamente global. Isso reconduzir-nos-ia à condição dos metabolicamente reduzidos, não?!
Denise
Sim, depois vai ver como me safo: é uma proposta política que visa livrar-nos do metabolismo reduzido. Daí que tenha retomado a emigração interior que no fundo mais parece uma foga ao mundo do que um diálogo sobre o mundo: o espaço-entre homens. Vou criticar o estoicismo.
André
Tinha pensado num nome "O Mosteiro virtual" que propus à Papillon como blogue comunitário, mas ela rejeitou... O que pensam dessa ideia? afinal, tb vou tratar da reinvenção da comunidade humana associada à liberdade.
No link que deixei no fim, se clicarem, poderão conhecer a Maria Árvore. Mais outra amiga!
Denise, a Valsa ao suplicio e uma velha conhecida minha, rs. Como e que voce me imagina (pergunta)
Francisco, gosto muito do Mosteiro Virtual, principalmente porque me agrada a existencia de uma comunidade pura, bela e casta.
Francisco,
Uma proposta política? Óptimo! Deixou-me verdadeiramente curiosa. Primeiro porque, ao contrário do F., eu não sou de esquerda (mas garanto-lhe que sou boa pessoa!); depois, porque, por vezes, cultivo o estoicismo.
«Mosteiro Virtual»?! Ui, entre o demasiado poiético e o demasiado padreco!
Prefiro «Ágora Virtual»
Vai-se meter pela Liberdade? Caminho sinuoso...
André,
A blogosfera estimula-nos a imaginação. Aprendemos a gostar de pessoas mesmo antes de as conhecermos.
Eu imagino o André volátil e tempestuoso, como a 1ª parte da sinfonia do Berlioz. Mas é de uma tempestuosidade contida e quase amena, e de uma volatilidade muito presente.
Imagino o Francisco uma pessoa elegante, com laivos de nervoseira desenfreada e um auto-controlo meticulosamente exercitado.
Imagino a Papillon uma menina muito bela, espontânea, simpática mas simultaneamente distante q.b.
Eu sou muito dada a imaginações, e nem me preocupo com eventuais desilusões
;-)
A Denise fez um comentário muito poético e belo.
Os homens ébrios de Deus foi uma obra que me marcou, mas quando falo de mosteiro não se trata de uma ordem religiosa mas de uma fuga para a frente: hospitalidade e pluralismo de opiniões, tento como objectivo descobrir novas alternativas sociais. A crise financeira americana vai fazer estragos no nossa sociedade e graves, muito graves... :(
Gosto da noção de hospitalidade associada à de mosteiro e peregrinação.
Saint Julien Hospitalier...
Denise, a sua imaginacao esta poeticamente ligada a realidade. Voce tracou um belo perfil dos seus amigos da blogosfera!
(e-me muito dificil escrever sem acentuar as palavras corretamente...). Maldito teclado!
Francisco, a crise financeira americana ja esta fazendo inumeros estragos aqui no Brasil.
Compreendo esse seu exaspero, André. A mim faz-me ruído visual ler acentos não colocados, mal colocados e todos trocados...
Denise
A liberdade começa por ser liberdade de movimente e é esta liberdade leva à acção, na qual experimentamos a liberdade no mundo. O estoicismo representa uma fuga do mundo para o eu, Lessing abre-nos o mundo do pensamento independente. Pensamento e acção manifestam-se no movimento e, por isso, a liberdade é comum a ambos.
(Não adianto mais. :))
Vou retomar a crítica da corrupção, porque é ela e o neoliberalismo selvagem que está a torna Portugal demasiado vulnerável a esta crise. Provavelmente, o mesmo pode ser dito do Brasil.
Ui, fiquei mesmo cheia de curiosidade!
Quanto ao estoicismo, admito: é a minha forma de fuga à dor. Repudio-a e não lhe dou voz.
A comunidade virtual realiza a essência da amizade dos gregos, porque, segundo eles, esta reside no diálogo: só a conversação pode unir os cidadãos numa polis. A Internet é precisamente conversação sobre o mundo (excluo certos tipos de blogues metabolicamente reduzidos): nela revela-se a philia, a amizade entre cidadãos do mundo. E eis novamente Kant.
Francisco, nao estou certo de que o estoicismo representa uma fuga do mundo para o eu.
Li alguns artigos de J.P. Vernant sobre o estoicismo e cheguei a conclusoes diversas. O estoicismo pode ser um meio de superacao do eu metabolicamente reduzido. Esta tese demanda maiores esclarecimentos.
Em Seneca (Cartas a Lucilio), o estoicismo adquire caracteristicas muito interessantes.
Sim, há esse aspecto a levar em conta, ao qual chamei êxtase noutro post e outros nomes: é necessário libertar a força da oposição, criar a subjectividade rebelde, mas ainda não consegui unificar esses aspectos.
Ah, Assim fico mais descansada com o meu estoicismo, André! Muito obrigada!
Francisco,
É no diálogo que reside, efectivamente, o exito de qualquer relação. real ou virtual. pessoal ou social.
Aqui sigo Lessing quando diz que a essência da poesia é a acção e estou a pensar na formação de um grupo de fusão ou de militância política contra a ordem estabelecida. Talvez a tarefa dessas primeiras células seja libertar os outros do seu self reduzido e reintroduzi-los no mundo, após se terem convertido (mudança de paradigma).
E o estoicismo falou da cidadania mundial, ideia que prefiro retomar de Kant.
Acho que a mudanca de paradigma e uma grande tarefa!
A mais complicada, sem dúvida, porque as classes médias não desejam perder direitos adquiridos. Mas neste ponto estou mais preocupado com os desempregados e os pobres do que com a classe média: esta sobrevive, mas os outros estão sem-abrigo. A justiça deve ser para TODOS.
Em vez de Vernant, quis mencionar Pierre Hadot.
Vou dormir para acordar cedo e concluir o post. Já não consigo olhar para o monitor.
Boa noite, amigos (philia), não irmãos (fraternidade), do nosso nicho virtual. :)
Vernant é mais da cultura grega: um excelente pesquisador da Antiguidade Clássica Grega.
Francisco, ontem fui encontrar um amigo. No caminho, deparei com um mendigo ebrio deitado na rua. As pessoas olhavam com asco para o pobre e passavam por cima dele, como s ele fosse um mero obstaculo. Senti-me abismado com tamanha indiferenca. O que mais me preocupa e o descaso das pessoas. Olham para os pobres como se eles fossem um insulto. Estao severamente doentes...
Boa noite!
Também vou morrer um bocadinho. Amanhã os meus gémeos exigirão muita energia da minha parte :))
Boa noite, moçoilos ;-)
P.S. Hoje é o Dia da Criança, mas é também o Dia da Mãe da Papillon! Muitos parabéns e um beijinho para a sua mãe, amiga esvoaçante!
Há uma animação de um realizador russo que retrata assim o mundo: a lua é catapultada para uma espécie de máquina de triturar carne para criar uma espécie de credo entre os homens. Há assim diferentes prismas sobre o mundo em que vivemos. Há homens supersticiosos - os condenados a uma vida de vícios. Mas convém não imiscuí-los com os homens animosos, que sentem o mundo de forma salutar. Para estes últimos, o mundo conta com os factos históricos através de um processo de compressão do real. Já o emigrante do interior, réprobo de um mundo estritamente ligado aos cidadãos que ousam confranger a sua vida de poucas tradições (lembre-se que a «tradição» tem um sentido estrito, que não pressupõe literalmente uma vida de «hábitos» nem ligados a «costumes» ditos tradicionalista; «tradição» consiste em relegar o conhecimento a um patamar plausível e revelar a verdade entre aqueles que compreendem o mundo com um juízo contemplativo), daí que o emigrante sinta o constrangimento das questões puramente históricas, já para não mencionar dos refugiados. Mas mais do que uma simples definição desta figura, a do caro amigo é deveras elucidativa e muito convincente. Está muito bem.
Papillon
Os votos da Denise são os nossos votos: Feliz aniversário, o nosso desejo para a mãe da Papillon.
Googly
Tornou-se patente neste diálogo entre cyberamigos que a minha concepção da emigração interior apresenta algumas dificuldades. Em minha defesa direi apenas que vejo os emigrantes interiores como pessoas excluídas da sociedade metabolicamente reduzida ou, pelo menos insatisfeitas: sentem-se estrangeiras na sua própria pátria.
Ora, a Internet, em especial a blogosfera, pode aglutinar essa insatisfação em torno de uma conversação acerca do mundo. Nisso reside a potencialidade negativa da Internet: funcionar como palco virtual da cidadania mundial que exige a mudança social qualitativa.
Cyberamigos
Este post está concluído, embora a sua temática vá ser retomada e aprofundada num novo post, "Internet e Cidadania Mundial". Acrescentei algumas ideias clarificadoras da tese que apresento, de resto sublinhada em negrito e presente na epigrafe que refere Kant.
Adicionei o blogue do nosso amigo mais recente, Goggly: "Guerra e Morte", repleto de textos muito profundos.
Na blogosfera, a política dos links significa estabelecimento de elos de amizade: uma constelação de nós entregues a uma conversação permanente sobre o mundo, aquilo a que chamo cyberfilosofia ou filosofia mundial: pensamento que assume responsabilidade pelo mundo.
Denise,
Adoro a Symphonie Fantastique do senhor Berlioz, e é tão rica em texturas, que só poderão desencadear belas viagens da imaginação!
E uma alma sensível e generosa poderia imaginar as almas dos seus amigos a animarem-se pelos movimentos da composição!
A Denise é realmente muito atenta e amável, que até se lembrou da minha rainha-mãe que faz hoje anos!
Agradeço e dedico-lhe a minha valsa preferida, Waltz #2 Jazz Suite de Shostakovich
para dançar, dançar, dançar e viver e morrer e renascer dançando!
Um CyberAmplexo!
Francisco,
Obrigada! E parabéns pelo aniversário dos seus blogues e pelo trabalho que tem vindo a realizar através deles!
Papillon
Hoje mais parece uma valsa! Pensei que ia fazer uma crítica... Entrei em depressão racional: pensamento a fluir constantemente. :(
Finalmente de volta ao meu computador! Este teclado acentua as palavras :)
Francisco, acabei de ler o seu último texto. Gostei muito dele.
"A Internet é, portanto, potencialmente uma tecnologia da libertação que convida todos os mortais a dialogar acerca do mundo que os oprime e os exclui".
Seu texto demonstra que é possível, por meio da Internet, submeter o obscurecimento do mundo metabolicamente reduzido às riquezas da philia e da troca de idéias.
A Internet vista como uma tecnologia da libertação é um fenômeno novo para mim. Antes de freqüentar este blogue, não acreditava na possibilidade de fazer da Internet uma arma contra a banalização do mundo e do ser humano.
A concepção de emigração interior é muito bela. Vejo-a com bons olhos.
Francisco, nunca vi uma depressão racional gerar frutos tão grandiosos :)
André
Os meus médicos ficam doidos com as minhas depressões racionais: submetem-me a ressonância magnética e TAC, mas não descobriram nada. De resto, é uma sensação desagradável, porque fico paralisado com o fluir do pensamento e tento fugir de mim mesmo, do mundo, enfim de tudo mas sem sucesso: está tudo dentro do pensamento.
Sim, a Internet é potencialmente uma tecnologia libertadora, porque foi criada assim pelos seus criadoreas. Mas começam a surgir tecnologias de controlo (cookies, passwords e processos de autenticação), tecnologias de vigilância e tecnologias de investigação, as quais usam encriptação, e com as quais lidamos constantemente. Porém, acredito no potencial negativo da Net: muitos utilizadores usam-na para fugir ao mundo mas acabam por ser contactados e tocados, porque a rede é um espaço social.
Esta sua depressão racional é muito misteriosa. Mas, mesmo sob o efeito dela, você consegue produzir.
Também acredito no potencial negativo da Net. Este é muito fácil de verificarmos.
Francisco,
Eu sou uma valsa.
Lamento pela sua depressão racional. :(
Este mês vou ver se edito um post já feito sobre bloscience para rematar este tema.
Sim, a philia como conversação que une os cidadãos da polis, neste caso os cibernautas, é o oposto da conversa íntima a la Rousseau. Ora, a Internet é conversação e esta conversação torna o mundo humano. Da philia vamos por este caminho à philantropia: a vontade de partilhar o mundo com outros homens. A philantropia opõe-se à misantropia dos homens metabolicamente reduzidos, incluindo sobretudo os lideres que, com o seu economicismo, excluem os outros da partilha hospitaleira do mundo sem alegria.
É evidente que esta concepção libertadora da Internet, em especial da blogosfera, é um projecto político de sedução on-line. Nem todos os utilizadores da Net são capazes de libertarem-se da condição metabolicamente reduzida: são os utentes vagabundos, turistas e jogadores da Internet. Os seus blogues são refúgios de um self perdido para o mundo: conversa íntima.
Sobre este tema das possibilidades da Internet, já o discutimos por variadas vezes.
A fuga ao mundo que constitui a Internet é, realmente, uma falsa fuga, pois aqui é possível estabelecer relações e criar mundos possíveis e negá-los simultaneamente.
Por aqui se reunem terroristas e artistas, investigadores e cidadãos e o anónimo líquido e amorfo.
Já lhe dei também a minha opinião, e reitero-a: a internet pode constituir um meio eficiente, mas como fim, o seu dividendo é nulo.
Papillon
Porém, a nossa vida está cada vez mais ligada à Internet: vivemos numa sociedade em rede e a economia e o trabalho dependem cada vez mais da Internet. E a cultura também: a cyberphilosophy visa dar conta disso e combater as possíveis evasões ou alienações.
Assuntos a debater; penso que a Internet traz uma mais-valia indentitária e não só às nossas interacções face to face quotidianas.
O nosso amigo Fernando Dias abandonou-nos... :(
Não vejo a Internet como órgão vital e independente.
Sou uma nihilista da Internet: o meu blog, que não é uma "conversa íntima", pois não tem íntimo - sendo que íntimo significa o que me é mais profundo - , espelha a mudez, o intraduzível, o nada, a pura negação de quem já não espera nada do mundo e que já não tem força para condensá-la num grito.
Penso que a Internet possibilita ao ser-rastejante apegar-se ainda mais ao chão e à lama.
E eu consigo ainda erguer-me de cócoras e rir...
Papillon
Vejo o seu blogue como uma provocação que convida à reacção. E não é uma conversa íntima.
Sim, é mesmo em Rousseau que penso quando critico a concepção de amizade como conversa íntima com "amigos". Esta é uma concepção/prática frequente entre animais metabolicamente reduzidos, com a fiferença de que agora se partilham infelicidades em monólogos opostos uns aos outros em registo de gritaria.
Esta falsa intimidade está ligada à misantropia: o homem metabolica/ reduzido não partilha alegremente o mundo com outros; fala de si mesmo como se fosse o centro de alguma coisa. Já não se conversa sobre o mundo: este individualismo é falso, porque não há self mas algo "devorador".
Porém, reveja as suas palavras:
"(...) o meu blog, que não é uma "conversa íntima", pois não tem íntimo - sendo que íntimo significa o que me é mais profundo - , espelha a mudez, o intraduzível, o nada, a pura negação de quem já não espera nada do mundo e que já não tem força para condensá-la num grito."
Papillon, quem assim fala está a dar um grito, até porque estamos a conversar. Quem não espera nada do mundo, refugia-se nalgum nicho da Internet e acaba por ser descoberto por outro fugitivo. Trava-se um diálogo entre fugitivos e esse diálogo mostra ou exprime insatisfação com o mundo tal como o conhecemos: é protesto contra a ordem estabelecidade. E é também sonhar para a frente com um mundo melhor. A Internet é política de oposição. Por isso, os Estados procuram regulamentá-la...
Francisco,
Não me zanguei. Estou a meditar…
Estou a praticar o que diz no seu post:
Imigração interior. Só que é com ‘i’
Em vez de ser com ‘e’.
Estou a praticar a misantropia, digamos,
A tentar emitar Herberto Hélder.
Veja a babel linguística das minhas últimas publicações.
Refúgio total.
Uma espécie de barata escondida atrás de uma caixa de fósforos.
Já era misantropo das celebrações e solenidades,
Do cocktail e da vernissage.
Agora estou a tentar ir mais longe.
E vou mais longe: o jornalismo manipulativo e as notícias por ele produzidas são pura misantropia, porque fazem da infelicidade dos outros tema de notícia. O mundo que criam é inumano e inóspito.
Ora, aqui na blogosfera liberta, somos criadores: não precisamos estar submetidos às práticas de agenta-setting dos media tradicionais; criamos a nossa própria agenta e conversamos sobre o mundo. Esta conversa humaniza o mundo. Somos amigos do mundo e da philanthropia. :)
Fernando Dias
O conceito de imigração interior com "i" merece estudo. Sim, pode ser associado à misantropia e à fuga do mundo.
Vi os seus posts... Mas fico feliz por saber que a sua imigração mostra abertura ao mundo, isto é, ao diálogo acreca do mundo. :))
Penso que esteja a confundir alguns conceitos: "conversa íntima" difere de diálogo. A conversa é mais empática, recíproca, flui entre um interlocutor e o outro de forma equilibrada; o diálogo fundamenta-se logicamente e o desiquilíbrio é provocado, fazendo com que o discurso tenha de avançar ou recuar, enfim, evoluir.
Para mim ambas as formas são necessárias à realização de um ser humano.
Tenho conversas íntimas com amigos que são reveladoras de verdade, tal como o fim expresso de um diálogo. A condição necessária para o sucesso quer na conversa, quer no diálogo é ouvir com atenção; este exercício é difícil e, concordo consigo, é absolutamente defectivo neste nosso mundo. Percebemos que as pessoas são muito precipitadas a chegar a conclusões, é doloroso ter portas e janelas abertas no pensamento, são como chagas que se querem curar a toda a pressa.
«A toda à brida», é a ordem!
Por fala em "brida", lembrei-me do Manuel!
Manuel,
como vê, mudei de imagem de perfil, mais harmoniosa... ;)
F. Dias,
Sempre surpreendente! Também uso o grego no meu blog, como puro jogo de percepção... "intraduzível", mais uma vez.
Volte sempre, o seu olhar é sempre precioso para nós. :)
Francisco,
Daí que eu acabasse a dizer que apesar de ser "ser-rastejante", sou como o escorpião, empunhando a arma para a última estocada... do alto do meu baixo ainda vislumbro algo.
Papillon
Neste post recuperei Lessing e ele mostra-se contra todos os axiomas lógicos: afirma a pluralidade de opiniões em vez da Verdade que entrega a Deus. Ora, a conversação que somos enquanto cibernautas não visa a Verdade e procura não utilizar a coerção lógica. Estamos a conversar sobre o mundo.
Pessoalmente, prefiro os amigos com os quais debato o mundo e não meras revelações psi. Aliás, um amigo é aquele com quem posso partilhar a alegria e não apenas a desgraça, sabendo que ele não me inveja! :)
O Manuel perdeu-se no campo: desaparecido em missão! :(
Então, não concordo com Lessing. Para mim há possibilidade de haver verdades mais ou menos objectivas, independentemente da perspectiva de cada um. A lógica é estrutural para a Filosofia, e a busca da verdade é o objectivo. Se existe realmente verdade em-si pouco importa, as ideias servem-nos como guias do caminho da verdade.
Eu falo com os meus amigos, partilhando tristezas, alegrias, e todos os sentimentos intermédios, falando sobre o mundo em geral e sobre os nossos mundos em particular. O exercício da amizade é fundamental para mim.
Olhe, Papillon
Vá até Hamburgo e ao seu porto e vai ver que passa a gostar de Lessing...
Pappy, obrigada pela valsa! É a preferida dos meus filhotes. ;-)
(Conhece a Valsa da Dor do Villa Lobos?)
F., espero que esteja melhor da sua depressão racional. Não sei se concordarei em relacionar os blogues intimistas com a condição metabolicamente reduzida. O intimismo ultrapassa-a. É uma forma de auto-reconfiguração. Embora nem todos consigam o salto qualitativo.
Pappillon,
O seu blogue é um mistério e muito provocador. Eu gosto muito dele. Mas às vezes não dá para comentar e, outras, os comentários desaparecem!
Quanto ao exercício da Amizade, penso como a Pappillon. É, para mim, imprescindível.
E sim, até eu, coração de pedra, sinto saudades, tantas, do meu Vizinho...
Denise,
As suas crianças são alegres como eu! ;)
Não conheço essa valsa! Se tiver em mp3, envie-ma sff: aveugle.papillon@clix.pt
Não tenho, amiga, mas espreite aqui para ter uma ideia:
http://br.youtube.com/watch?v=v_r33XTYK28
É uma valsa intensa. Como eu ;-)
Denise
A Papillon deve estar a comer bolinho.
Giro as duas meninas serem duas valsinhas.
Estou num cybercafé a olhar para o mar.
Não, eu não sou uma valsa. Vou mudando, consoante as cores dos meus dias.
E o Francisco é um romântico pós-moderno ;-)
... também gostaria de estar à beira-rio.... :-(
Pós-moderno não sou muito; sou mais moderno virado para a frente. Olho o mar, mas o Douro é excessivamente lindo.
O Porto é banhado pelo rio Douro e pelo oceano Atlântico: estou a olhar para o mar abrigado do vento.
Mar e rio... mexem com a minha essência.
Quando fui ao Porto pela 1ª vez fiquei alojada na P da Juventude. Namorei a alma do Douro todas as noites. É lindo. Enche-me o peito de sentimentos que não sei.
Aqui tenho o mar (o Arade não tem grande poesia). Amo o mar.
Um ex-camarada de cyberjornada classificou os blogues desta maneira:
1. blogue tipo "gosto de comer amendoins",
2. blogue de distracção descerebralizadora,
3. blogue de exegese erótica,
4. blogue científico,
5. blogue político e
6. blogue comercial directo ou disfarçado).
Numa perspectiva política, o bloguismo é uma «arma política de grande eficácia».
Sim, Denise, o Douro é lindo; pena é que as obras em curso não tenham um fim rápido. Os reis da Noruega chamaram a atenção para um facto fundamental: a necessidade de recuperar os edifícios. O Fernando Dias editou uma foto bela do Porto.
Da Pousada da Juventude tem boa visão do Douro? Curioso, nunca entrei na P. da Juventude. Daí vez a foz do Douro, a outra margem mas dificilmente vê a Ribeira.
O Douro é lindo quando o acompanhamos até Espanha e à sua nascente. As vinhas..., as pontes..., as paisagens rebeldes... Já foi à Régua?
Também já fiz esse percurso de comboio.
Denise,
Que belíssima peça de música! Infelizmente a gravação é péssima, mas vou já à procura de melhor!
O meu blog é do tipo número 2.
"Exegese erótica"... :))) muito bom!
Papillon
O meu blogue é mais dos tipos 4 e 5, embora trate de sexo.
Zucka-zucka, zucka, zucka, zuca-zucka-zucka, zuckaaaaaaaaa...
Sim, os seus blogues são científicos e/ou políticos. O meu é de distracção descerebralizadora. O do Manuel é científico e político. O da Denise é uma mistura vária.
"Exegese erótica" são os blogues (geralmente de mulheres) que descrevem as aventuras sexuais, reais ou imaginárias, das próprias autoras...
Prefiro não colocar nenhuma etiqueta no meu. Criei-o influenciada pelo blogue Felizes Juntos e por tudo o que aprendi com a Profª Paula Morão acerca de Intimismo e Autoficção. Divirto-me com o meu blogue, entre a parvalheira disparatada, as tentativas literárias e algumas reflexões mais sérias. Mas do que eu mais gosto é das amizades virtuais que se foram consolidando bem reais.
ESta noite estou com insónias e vou adiantar a encomenda do F.
Durmam bem!
(Amanhã vou conhecer e almoçar com uma amiga leitora do meu RG. Na Galé. Onde fica a Galé? Acho que me vou perder...)
Denise
Galé é o nome de uma cadeia de hotéis, suponho. Pelo menos, há um no Porto...
Ok, depois vou ver a "encomenda". Agora doi-me a cabeça: devia ter tomado mais um café.
Caro amigo,
Só agora - depois da ablução vispertina - dei conta da referência ao Guerra e Morte no seu comentário. Agradeço-lhe encarecidamente. Acontece porém que o blogue está a passar por uma crise sintomática própria dos marginais consumidos pelo flagelo dos espíritos enfermos. Neste somenos, agradeço que passe em revista alguns dos contos que foi possível partilhar convosco - marginais ou simples almas devotas -, nomeadamente o «Filho atribulado», que gerou bastante controvérsia entre os leitores mais curiosos e argutos. Ao abordá-lo, não estou a discorrer com vaidade - longe disso; apenas lhe estou a anunciar o mundo dos homens ameaçados pela superstição e credo - algo que muito tem dilacerado os seus espíritos. Gostava de partilhar com o caro amigo outras abordagens ao tema do Guerra e Morte - um contributo para a insígnia russa -, mas por ora deixo o meu apreço pela sua compreensão.
Seu amigo,
Goggly
Obrigado Goggly
Amanhã vou ler "O filho atribulado". Afinal, já li e gostei das suas capacidades literárias.
Abraço
Enviar um comentário