A hipótese que guia os estudos de Henri Lefebvre sobre o fenómeno urbano e a nova racionalidade urbana é muito simples: a história da sociedade mais não é do que um movimento para a sua progressiva urbanização, de resto impulsionada pela industrialização. A urbanização completa da sociedade constitui um objecto digno de análise científica e, ao mesmo tempo, o objectivo primordial de uma nova praxis política. As dimensões temporal e espacial do fenómeno urbano são estudadas mediante a articulação diacrónica da sequência dialéctica de três épocas da história social - a agrícola, a industrial e a urbana - e dos tipos históricos de cidade. O primeiro tipo de cidade depende do poder que actua como uma entidade estranha e hostil ao mercado. A cidade política (1) é marcada pela heterotopia do mercado e dos grupos sociais que praticam a arte do comércio. Num determinado momento de ruptura, o mercado vence o fórum público e a cidade política é suplantada pela cidade comercial (2): o espaço de encontro de pessoas e de coisas, ou melhor, o lugar da troca que se tornou a função urbana por excelência. A cidade comercial deixa de estar isolada do território exterior, subordina a si todo o território que a circunda, incluindo o campo, e rompe a relação directa que unia o homem à natureza. Surge uma nova forma social que, com a transformação do capital comercial em capital industrial, cede o lugar à cidade industrial (3): a indústria situa-se perto das fontes de energia e, por isso, é parcialmente indiferente à cidade, usando-a como um instrumento que submete ao seu próprio desenvolvimento. O corporativismo da cidade comercial não resiste ao choque da industrialização: a indústria representa a anti-cidade que invade todo o espaço urbano até o fazer estalar. Depois da industrialização, o crescimento extensivo da cidade e a proliferação do espaço urbano - o tecido urbano - conduzem à dissolução da cidade: as periferias, os subúrbios e as cidades satélites representam o espaço material concreto de uma nova fase histórica - a era da sociedade urbana (4) preparada pela cidade industrial. Com a elaboração do conceito de sociedade urbana dotado de uma dimensão planetária, Lefebvre começa a afastar-se das análises de Marx, Engels e Weber: a industrialização produziu, após um certo crescimento, a urbanização integral que já não pode ser reduzida à questão do alojamento ou da habitação estudada por Engels. A crise da cidade é mundial e implica toda a sociedade numa crise de transformação crítica: a própria indústria é submetida à urbanização que provocou e a explosão/implosão da cidade levará à revolução urbana e esta desembocará na nova era do urbano e do fim da história. O esboço de Lefebvre da evolução da cidade através do tempo histórico contrasta com a visão mais pessimista e quase kafkiana apresentada por Lewis Mumford que retoma a interpretação de Patrick Geddes do ciclo urbano de crescimento da aldeia (eópolis) à megalópolis e à necrópolis: "(O) mundo metropolitano é, portanto, um mundo onde a carne e o sangue são menos reais do que o papel, a tinta e o celulóide. É um mundo em que as grandes massas humanas, incapazes de ter contacto directo com meios de vida mais satisfatórios, passam a viver por procuração, ora como leitores, ora como espectadores, ora como observadores passivos. Assim vivendo, ano após ano, de segunda mão, desligados da natureza que está fora deles e não menos desligados da natureza íntima, não admira que se afastem cada vez mais das funções da vida, até mesmo do pensamento, para as máquinas que os seus inventores criaram. Neste ambiente desordenado, apenas as máquinas têm uma parte dos atributos da vida, ao passo que os seres humanos são progressivamente reduzidos a um feixe de reflexos, sem impulso próprio de saída nem meta autónoma: o homem behaviorista" (L. Mumford). A crítica da vida quotidiana de Lefebvre tinha mostrado que a exploração do homem pelo homem, a heterodirecção e a apatia política constituíam aspectos endémicos da vida quotidiana dos habitantes da metrópole: as condições da urbanização capitalista mutilam a personalidade, inibem a formação comunitária, minam a ocupação e o envolvimento sociais e conduzem à apatia, à alienação, à ilegalidade e à criminalidade. Como resultado da segregação social e de outros mecanismos de manipulação e de controle, os indivíduos das metrópoles afastam-se uns dos outros no espaço e, deste afastamento, resulta a dissolução das relações sociais. Num estudo empírico de uma pequena cidade denominada Middletown, Robert Lynd & Helen Lynd observaram uma apatia política idêntica à exibida pelos habitantes das grandes cidades: indiferença generalizada e fraca propensão para as responsabilidades públicas. Além disso, a corrupção política em si não afectava os cidadãos de Middletown. Para eles, a política local era um jogo da trapaça e, por isso, recusavam entrar no jogo das autoridades municipais e dos magistrados locais. Os teóricos do urbanismo estão de acordo quando afirmam que o destino do mundo ocidental tem sido o empobrecimento da vida pública, a falta de participação na vida política, a intelectualização e a racionalização impulsionadas pela economia monetária e o desencantamento do mundo. No entanto, os marxistas que recorreram ao conceito de hegemonia de Gramsci tendem a destacar o papel das cidades como "centros de dominação" da burguesia (Frank), esquecendo que o espaço urbano também promove experiências intensificadas de individualidade, a diferença e a liberdade, como mostraram Baudelaire, Edgar Poe, Benjamin e Simmel. A grande cidade é vista como o lar da burguesia nacional, regional ou internacional, cujos elos e alianças fortalecem a cadeia da expropriação do território satélite para a metrópole dominante, ao mesmo tempo que inibem a consciência de classe dos oprimidos e explorados, desviando-os da sua missão histórica: lutar por um mundo melhor. Por isso, Fromm, Marcuse, Mills, A.G. Frank e Fannon não vêem na urbanização uma condição indispensável para a transformação qualitativa da sociedade. Ciente das contradições profundas da vida urbana, Lefebvre vai noutra direcção: Marx e Engels possibilitam uma interpretação correcta da problemática urbana, até porque Marx valorizou de modo implícito a cidade como sujeito da história; a cidade não só permitiu o surgimento do capitalismo (Pirenne), como também facilitou a divisão do trabalho. A cidade é simultaneamente produto e produtora, no sentido de permitir e facilitar a acumulação e a circulação do capital. A cidade capitalista que cresceu extensivamente à escala planetária transporta no seu seio as sementes da sua negação: a cidade do capital anulou as diferenças entre cidade e campo e, da sua dissolução, resultará a afirmação do urbano. A sociedade urbana - ainda virtual - será, na perspectiva de Lefebvre, uma sociedade socialista democrática ou associativa. O conceito de sociedade urbana e a sua realidade compreendem um conjunto de problemas - a problemática urbana, que exige uma nova teoria capaz de a dominar e de uma praxis urbana capaz de a orientar. A estratégia urbana que reconcilia conhecimento crítico e praxis permite desvelar a ordem que se esconde na desordem urbana, mas, para atingir essa inteligibilidade, deve proceder à crítica das diversas versões da ideologia urbanística e romper com as abordagens fragmentárias do fenómeno urbano. Henri Lefebvre procurou elaborar, ao longo de diversas obras dedicadas à questão urbana, uma filosofia do urbano e não uma mera sociologia urbana, trabalhando as diferenças que distinguem a sua teoria das teorias fragmentárias, tais como a funcionalista, a de Spengler, a de Tönnies, a de Simmel, a de Weber e a de Wirth, ou mesmo a de certos marxistas, tais como Fromm, Marcuse, Mills e Fannon. Cada um dos teóricos do urbanismo teve (e tem) o seu modelo de cidade ideal: a cidade medieval serviu de modelo à solidariedade orgânica (Durkheim), à fusão da vida pública e da vida privada (Weber) ou à organização comunitária (Tönnies). Ora, segundo Lefebvre, estes modelos que anseiam pelo retorno à antiga comunidade citadina grega ou medieval, bem como os modelos que pretendem optimizar a industrialização e as suas consequências ou que deploram a alienação da sociedade industrial, constituem meras variantes da ideologia urbanística. Para pensar o urbano na sua totalidade não-fragmentada em movimento e transformá-lo, Lefebvre ajusta o conhecimento e a praxis política numa única estratégia - a estratégia urbana, com o recurso à utopia e à imaginação. A estratégia do conhecimento visa a crítica radical do urbanismo, da sua ambiguidade e das suas contradições, tendo como objectivo primordial a elaboração de uma ciência do fenómeno urbano, enquanto a estratégia política procura colocar a problemática urbana na vida política ou, pelo menos, na agenda política, de modo a defender a auto-gestão generalizada e o direito à cidade: a sociedade urbana do futuro - a realidade urbana integral como receptáculo do valor de uso, gérmen de um predomínio virtual e de uma revalorização do uso - concretizará o domínio da liberdade e a afirmação de um novo humanismo, através da conversão da vida quotidiana na cidade em obra, apropriação e valor de uso. A cidade entendida como centralidade tem sido degradada e destruída pelo capitalismo, e esta degradação urbana deve-se fundamentalmente ao conflito entre o valor de uso e o valor de troca. A cidade e a realidade urbana sempre dependeram e dependem do valor de uso, mas o domínio do valor de troca e a generalização da mercadoria produzidos pela industrialização tendem a destruir, subordinando-as, a cidade e a realidade urbana: a degradação da estrutura social da cidade deve-se não só à busca privada de lucro e à especulação imobiliária, mas também ao entendimento analítico que uniformiza e reduz a cidade a uma mera adição de elementos unifuncionais, sem levar em conta nas suas projecções o carácter afuncional do urbano, isto é, a confrontação e o contraste entre o funcional e o gratuito. O urbano é, para Lefebvre, o resultado da combinação de três traços interligados: o transfuncional - representado pelos monumentos, expressão da criatividade colectiva e da tensão utopista da cidade, o multifuncional - expresso pelas ruas e outras artérias, os fundamentos da sociabilidade e do teatro espontâneo, e o lúdico - o momento omnipresente e difundido no espaço urbano para além do tempo e do comportamento recreativo pós-laborais. O entendimento analítico de tipo funcionalista ou racionalista mina o substrato da espontaneidade social, sem o qual as estruturas arquitectónicas e urbanísticas projectadas e construídas perdem o valor recreativo, gratuito e lúdico que caracteriza essencialmente o urbano. A linguagem da arquitectura pós-moderna (Charles Jencks) exemplifica facilmente não tanto a morte da arquitectura moderna que morreu em St. Louis, Missouri, no dia 15 de Julho de 1972, às 3.32 da tarde, quando os módulos do projecto Pruitt-Igoe foram dinamitados, mas a contracção do espaço lúdico-urbano - o palco da espontaneidade social, levada ao extremo com a terrível invenção dos condomínios fechados e dos grandes centros comerciais que roubam vida, animação, comércio ou mesmo segurança às ruas nocturnas das baixas das grandes cidades (Cf. Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol). Na actual situação de desordem urbana, o espaço perdeu o seu carácter de indiferença, o qual derivava da sua função residual de mero contentor de objectos produzidos pelo sistema industrial: a cidade-exposição, a cidade das galerias de Baudelaire e de Benjamin, que, em Portugal, deixou marca nos projectos das galerias da cidade do Porto e no seu Palácio de Cristal. O desenvolvimento social das forças produtivas determina a produção social do espaço, aliás um facto histórico antigo: as classes dominantes - as actuais classes dirigentes - plasmaram sempre o seu espaço urbano, com o objectivo de exercer um controle político eficaz sobre as classes dominadas. Mas o desenvolvimento capitalista das forças produtivas usa actualmente o espaço para produzir mais-valias. O capitalismo apropriou-se das cidades históricas, manipulando-as em função das suas própria exigências económicas, políticas e culturais e transformando-as em centros de decisões e de benefícios privados: o espaço urbano - vias de comunicação e edifícios - é objecto não só da especulação imobiliária, como também do consumo produtivo que emprega uma grande quantidade de força de trabalho. A nova estratégia do capital revela-se no tipo de expansão irracional, desordenada e caótica do tecido urbano: os arredores e as periferias que se multiplicam em torno dos centros históricos possuem uma baixa composição orgânica de capital e, por isso, promovem a formação de mais-valias chorudas. Para Lefebvre, o urbanismo que preside a esta formação e divisão do espaço urbano é uma ideologia manipuladora que encobre essa nova estratégia do capital, dissimulando a sua finalidade real. A acção urbanística projectada e planeada oprime os utentes da cidade, esquece as suas necessidades sociais, e, dado ser vítima do fetichismo do espaço, ilude-se quando cria espaço, com o pretenso objectivo de controlar cada vez melhor a qualidade de vida e de produzir novas relações sociais entre os habitantes da cidade. A "mitologia do arquitecto" (Cf. Aldo Rossi, Leonardo Benevolo) usada para dissimular a sua função real acaba por revelar o carácter de classe do urbanismo ou os interesses que o movem: as obras arquitectónicas e urbanísticas limitam efectivamente a prática do valor de uso. O uso foi reduzido em todo o território pelo desenvolvimento do valor de troca e do mundo das mercadorias. O urbanismo mais não é do que a superstrutura ideológica da sociedade tecnoburocrática de consumo dirigido, que organiza o espaço habitado à luz de uma racionalidade que afirma a neutralidade de um espaço que é, em última análise, espaço político. O espaço adquire um valor de troca e converte-se em mercadoria que, tal como outras mercadorias, bens e serviços, pode ser trocada no mercado: os lugares adquirem um preço que se relaciona directamente com o seu custo-tempo de produção. A projecção de habitações, a construção de edifícios ou mesmo outras escalas da organização do território - infraestruturas, auto-estradas, serviços públicos, ambientes naturais -, obedecem à mesma economia política do espaço, cujo plano geral diz obedecer a exigências técnicas quando, na verdade, está ao serviço do capital. Prisioneiros deste plano geral, os arquitectos e os urbanistas são meros funcionários de um sistema burocrático, obrigados a reduzir a realidade que pretendem representar à imagem dominante - e superiormente imposta - do habitat. Os habitantes das cidades não escapam a este controle central e, como seres reduzidos a corpos segregados, deslocados e condensados, são forçados a viver em nome de uma quantificação racional que é, em última instância, económica e financeira. (CONTINUA com o título "Henri Lefebvre: Crítica do Urbanismo 2".) J Francisco Saraiva de Sousa
50 comentários:
Fotografia do edifício da CMunicipal do Porto, tirada do seu site: Avenida dos Aliados.
A crítica da vida quotidiana de Lefebvre aceita analisar o quotidiano, mas de modo crítico. Não se trata de um regresso do quotidiano, aquele que é actualmente fomentado pelos mass media contra as forças criadoras e elitistas da cultura superior. A apologia do quotidiano é ela própria uma patologia: o animal metabolicamente reduzido fala como se fosse ele o autor das falas dos outros! Parece um paradoxo mas não é; é regressão cognitiva e civilizacional. :(
A crítica do jornalismo medíocre - aquele que vemos nas reuniões interjornalistas nos canais de TV - só é possível a partir da crítica do regresso do quotidiano: além da opinião metabolicamente reduzida e histérica, as notícias referem-se às opiniões de criaturas vulgares e alienadas. A TV é actualmente um delírio opinativo: criaturas vulgares e feias emitem sons vulgares... Há uniformização total: jornalista ou homem de rua vulgar são a mesma coisa - seres medíocres!
Sim, até porque o quotidiano se "institucionalizou", n há maneira de ser visto uma resistência, como quis Certeau.
A teoria urbanista de Lefebvre é interessante, sobretudo no que diz respeito à compreensão da "urbanização do capital", mas n tanto no que diz respeito à urbanização da consciência, isto é aos efeitos psíquicos e existenciais da urbe. Aí considero mais interessantes e profundos, porque intuitivos, Simmel, Spengler, Virilio.
*n há maneira de ser visto como uma resistência
Ya, Lefebvre vacila em momentos importantes, mas deposita esperança na cidade. Sim, emergem fenómenos novos que decorrem daqueles analisados pelos grandes mestres. Teria de fazer pesquisa e aprofundar muito o assunto...
A essa institucionalização do quotidiano podemos chamar patologia da (pseudo)normalidade: da crítica radical da psiquiatria resultou a institucionalização da patologia, o que é sinal de degenerescência genética (Lorenz). E a esquerda tende a fazer a apologia desse movimento de patologização, como se isso fosse cultura de esquerda. Penso que Lefebvre capta noutra linguagem esse fenómeno que me preocupa...
Sim, precisamente, a atitude blasé, que descreve Simmel, é a apatia que fala Virilio - no último caso, deriva da humilhação de ter sido invadido o nosso espaço/território social, a noção de proxémia de psicologia social. Por exemplo, no facto de vivermos todos juntos uns com os outros, hora de ponta, etc., Todavia, isto n é suficiente, porque a cidade medieval, as medinas árabes, etc., também proporcionavam esta promiscuidade de espaço, e a apatia n se verificava. Podemos então recorrer a Simmel, e à função pecuniária. O dinheiro como pedra-de-toque de tudo, denominador comum de todos os valores, converte-se numa aviltamento de tudo, logo numa indiferença diante de tudo, um para além do bem e do mal, no sentido mais temível. Por outro lado, o facto de estarmos continuamente a ser estimulados, a procurar o prazer, leva ao esgotamento e novamente à indiferença e incapacidade de discernimento na escolha e decisão.
Enfim! Algumas vias. Este tema interessa-me e estou neste momento a trabalhar nele, por isso foi interessante ver o seu ensaio.
O que quer dizer com "institucionalização da patologia"? Com controlo do corpo, à Foucault?
Ya, e essa atitude explica a abstenção nas eleições e na participação na vida da cidade...
Sim, Simmel na filosofia do dinheiro retoma Marx, porque tudo isso está n' O Capital e na Ideologia Alemã, exercendo grande influência sobre Weber e a Escola de Chicago: Lukács apreende bem essa conexão, até porque foi aluno de Simmel e de Weber! A proxémia estuda-se melhor numa perspectiva antropológica: Hall mostrou-o, confrontando-nos com os árabes...
Boa, Stuart Hall? Vou ver. :)
Não, Foucault não, porque o seu pensamento contribuiu para esse desvio da esquerda das suas causas nobres! A institucionalização da patologia é a aceitação arbitrária desta libertinagem espontânea das pessoas avessas ao esforço e à cultura - ente outras coisas. Em nome de princípios que extravasam o seu domínio, somos forçados a aceitar os outros, mesmo que tenhamos consciência das suas perturbações... Isso revela-se na vida sexual, na vida familiar, escolar, política, do trabalho, no espaço público, etc....
Edward T. Hall, n é?
"somos forçados a aceitar os outros, mesmo que tenhamos consciência das suas perturbações"
Hmmm... pensei q fosse o oposto: abuso do termo patologia, e de categorias clínicas. É fácil e tentador atribuir perturbações aos outros, e nota-se no dicurso quotidiano psicologizante. Tornámo-nos todos pseudo-psicólogos com pseudo-perturbações. Acho q é o contrário, então.
Sim, é Edward T. Hall.
O calor voltou para me estragar o plano de concluir este post.
Basta assistir a um programa de comentário político ou desportivo (?) para detectar essa patologia opinativa que se normaliza: sindrome complexa e difusa.
A proibição de recorrer a categorias clínicas faz parte dos sinais de alarme. Devemos aceitar coexistir com abusadores de todo o tipo só porque... nem sei o quê! Outro sinal é o igualitarismo. Não somos todos iguais e ainda bem!
"A proibição de recorrer a categorias clínicas"?? Mas qual proibição? O q há é uma profusa recorrência a esses termos, que de resto o Francisco, talvez por defeito de formação, também o faz.
Os médicos, os psis, tornaram-se os salvadores da alma humana, prescrevendo-lhe calmantes e anestesiantes, de modo a ficarem ainda mais presos a esse estado de estupor. Enfim, n concordo em absoluto com o q diz. Essa tentação de ver em todos, doenças mentais que têm de ser curadas mas cuja terapêutica se prolonga ad infinitum, logo prolonga-se o estado de dependência e heteronomia, é um ponto de vista mecânico e por isso tão redutor como o ponto de vista do quotidiano que quer criticar. Além de que para se detectar patologia, tem de haver um ponto cego de salubridade - e quem determina isso? sob que critérios? Isto sim torna-se ideológico!
Tem estado calor aí à noite no Porto? Espero q sim, até 3ª feira, pelo menos.
Os analgésicos (nao anestisiantes - enganei-me) só prolongam essa vida dormente, indolente, behavourista, como o autor q citou!
Calor? um forno, isso sim...
Bah... A tirania da normalidade é uma ideia que vem de Espinosa e que foi retomada, entre outros, por Frommm. A "normalidade" não é uniforme, mas diferencial. E, sem padrões de normalidade diferenciais e saudáveis, a sociedade não pode funcionar; pelo contrário, regride. A normalidade impulsiona a humanização; a uniformização conduz à mera animalidade: o homem satisfeito com aquilo que come e "caga"! A normalidade estabelece metas e a sua realização implica cooperação, precisamente o que falta no nosso tempo: projectos que arranquem as pessoas da sua vidinha medíocre e pálida.
Ah, a indústria farmacêutica funciona de acordo com as leis do mercado capitalista e, tal como outras indústrias metabólicas, exploram completamente o homem, tornando-o dependente, apático, inútil... Mas isso é outro aspecto do problema.
Que foi detectado por Marx quando disse que metade da humanidade explora a outra metade. Ou seja: no nosso tempo indigente, já não se explora apenas a força de trabalho e o trabalho, mas o próprio organismo e o seu metabolismo. Se reparar bem, com o deslocamento das indústrias para outras regiões do planeta, a Europa vive da manipulação de necessidades e desejos das pessoas: cada órgão do corpo é explorada. A nossa economia consiste em explorar o corpo humano e é nesse sector que há emprego. Triste mas é a verdade..., da qual nem os cadáveres escapam, dado serem comercializados.
"A normalidade impulsiona a humanização; a uniformização conduz à mera animalidade"
Não percebe que é isto é uma contradição nos termos? Normalização é igual à uniformização!!
E tal qual como a indústria farmacêutica, essa dicotomia patológico/saudável é igualmente capitalista. É a famosa ideologia sanitária, que de vez em quando reaparece para fazer limpezas, necessárias aos excessos que o movimento capitalista produz. N percebo pq compactua com esse tipo de linguagem absolutamente reaccionária, hipócrita e ela própria esquizofrénica - o capitalismo é esquizóide, i.e. parodoxal, aludindo à tese de Deleuze e Guatarri.
Além disso, não pretendo hospitalizar ninguém: não é nesse sentido que vejo a patologia da (pseudo)normalidade; a mudança é terapêutica e defendo a mudança de paradigmas no sentido de uma sociedade mais humana e competente.
"já não se explora apenas a força de trabalho e o trabalho, mas o próprio organismo e o seu metabolismo" - sim, isso é a tese biopolítica de Foucault, Hardt, etc.
Ui, se abolir qualquer tipo de distinção entre normal e patológico, é forçada a aceitar tudo, incluíndo os homicídios e a pedofilia mais terrível ou o canibalismo. Há contradições como por exemplo explorar o corpo de uma criança em anúncios publicitários e querer penalizar a pedofilia ou sexualizar o corpo da criança e condenar a pedofilia.
Se a criança já nasce com esse direito ao sexo, então quando adolescente ela sente atracção por pessoas mais velhas, pelo menos durante determinado período. As indústrias capitalistas exploram essas contradições, mas a sua moralidade é obscena e hipócrita.
Hummm... não me revejo na biopolítica de Foucault, porque os pressupostos são diferentes, além das abordagens.
Os que eram ontem contra as políticas higienistas são hoje higienistas. Infelizmente, a Esquerda é hoje higienista, como se viu no falso debate contra o tabaco. O tabaco foi eleito como adversário da saúde e porquê? O tabaco tem uma outra história mais interessante.
Estamos a articular os conceitos de modo diferente: vejo na articulação de Deleuze uma ameaça à humanidade e um mau serviço prestado à cultura da mudança qualitativa.
Como pode o capitalismo ser esquizóide? O capitalismo é um sistema social e chamar-lhe esquizofrénicar é transferir a clínica da pessoa para a sociedade. Mera metáfora que o capitalismo assimila - e com lucros acrescidos!
O que significa a paralisia da crítica e da oposição política ao capitalismo e à sua falsa-cultura! A crítica radicalizada neutraliza-se a si mesmo: fica impotente, fazendo o jogo da economia capitalista e do seu princípio da equivalência avaliado pelo fetiche-dinheiro.
E sabe por que razão a esquerda (intelectual) se desviou do seu caminho? Devido à recepção de Nietzsche e de Heidegger que, em vez de serem lidos com espírito crítico, foram vistos erradamente como inovações ou caminhos para o futuro. Ora, eles são regressivos: olham para trás!
Daí que a cultura urbana não possa ser analisada a partir da personalidade urbana, como faz Simmel: é preciso reler e retomar Marx, para fazer a recepção de Simmel.
Enfim, a nossa diferença é esta:
A Papillon nega a psicologia ou a medicina, mas fica prisioneira dela e da sua clínica, tal como Deleuze foi escravo de Freud. Eu uso a psicologia - a mediação psicológica, mas não estou prisioneiro dela ou da socioclínica. Sou apenas guardião do ocidente: eis a minha missão em termos spenglerianos.
Nietzsche n é regressivo, Heidegger talvez. De qq forma, as recepções é q poderiam ter sido regressivas, no caso do 1º. Marx é uma boa fonte, mas n é a fonte da verdade límpida e cristalina. A sociedade moderna é mto complexa e n pode ser percepcionada de forma monolítica. De resto, esse trabalho, em termos de urbanismo, tem-no feito David Harvey, além do nomeado Lefebvre.
Eu n nego a psicologia e a medicina, nego a relevância q têm na nossa sociedade. Logo, n dispenso terminologia da psicologia, apenas n defendo a banalização q os termos têm vindo a ser sujeitos, pois perdem completamente o seu sentido.
A Else já reparou que podemos ler Sein und Zeit como uma apologia da comunidade aldeã?
Não, mas a crítica da técnica de Heidegger é muito simples e ingénua, quase idílica. Mas Heidegger acho q viveu a maior parte do seu tempo em refúgios campestres, por isso...
Essa crítica já lhe tinha sido feita por Adorno, mas os urbanistas retomaram-na... :)
As descrições dos arredores e da proximidade de Heidegger correspondem às experiências dos habitantes de burgos ou aldeias, mas não ao nosso universo metropolitano.
Sim Heidegger queria só saber do Reno. :)
Finalmente, o primeiro post desta série está concluído: o próximo vai tratar do direito à cidade e da centralidade urbana, ao qual se seguirá a produção do espaço, talvez com outro título. :)
Fiz novos acrescentos para clarificar algumas noções e falar tb do Porto. :)
Ah, as alterações-adições estão no início do último parágrafo e final do anterior. O Palácio de Cristal foi demolido e substituído pelo actual Pavilhão Rosa Mota que já não tem o mesmo significado: os empresários do Porto deixaram a cidade entregue a degradação e exploram as suas periferias. Perderam aquela nobreza que já caracterizou o espírito empresarial do Porto! Sinais decadentes do neoliberalismo! :(
A alucinação patológica em que vivem mergulhadas as pessoas tem levado os pais a esquecer os bebés nos carros e, quando se lembram, já estão mortos. Preocupante este comportamento parental! Mais outro sinal de alarme: a cabeça das pessoas não anda bem de saúde!
Parabéns, ta ficar optimo :)
Pelas minhas preferencias, inclinar-me-ia por uma abordagem mais pela optica situacionista - admiro a vertente intuitiva q demonstraram -, mas esta sua reflexão e explanação tb tão excelentes.
Sem querer influenciar, por acaso n quer meter tb uns bitaites assim tipo burroughs-deleuze-foucault, com, por ex, aquela cena da sociedade disciplinar=> sociedad de controle e tal... Isso é q era! :))
Ah!
Ainda n tive mt tempo para explorar este excelente blog, mas, sem querer abusar, pode-me indicar por aqui ou link para qq post seu onde se possa avaliar os seus gostos musicais e artisticos em geral? :)
Thx
Um dos melhores do ano: Riceboys Sleep
http://www.youtube.com/watch?v=Y_WibI-UXg4
Bom feriado
Cumps 0/
Riceboy Sleeps*
http://www.popplagid.com/graphics/jonsi_og_alex_somers_book.htm
:)
Sr
Penso que já editei aqui algo sobre a sociedade disciplinar de Foucault, talvez mais na perspectiva da comunicação. Já são muitos posts e não me lembro do título. Através dos tags talvez seja mais fácil localizar esses temas ou pela via da pesquisa aqui no blogue.
Sim, também gosto: Riceboy Sleeps. De um modo geral, aprecio a qualidade das obras independentemente das épocas ou dos estilos e correntes. E penso que a filosofia deve estar atenta à arte contemporânea, mesmo à mais comercial ou popular. A situação não é boa, mas, se desistirmos, perdemos a oportunidade de dar alguma inteligibilidade crítica a essas obras, tais como a fotografia ou o cinema. Não devemos ser demasiado fechados e elitistas. Gosto de música alternativa, entre outros géneros ou tipos.
Filosoficamente, sou um teórico crítico, embora seja mais receptivo a outras linhas de pesquisa do que os mestres.
Filosoficamente, sou um teórico crítico, embora seja mais receptivo a outras linhas de pesquisa do que os mestres.
Cool! Deve msm ter sido isso q me levou a ir tb parando por aqui. Isso e a multidisciplinaridade :) Por falar nisso, depois tb quero ir cuscar os seus textos sobre ciber e ciencia*
Então, e já q é suficiente/ aberto a todo o tipo de produção cultural, deixo aqui tb um xeirinho do maior e mais recente evento de musica electronica, o Sonar 2009, na vertente dubstep, q é um dos estilos q mais tenho seguido ultimamente o.O
http://www.youtube.com/watch?v=fL3VK5cK5Us
http://www.youtube.com/watch?v=6NFdRDjXzBs (este Gaslamp Killer ainda é mt pouco conhecido mas axo-o tocado por aquela genialidade intuitiva e dramatica, mt ao jeito do q vimos no Amadeus, do Milos Forman:)
Por ter axado tb mt interessante (talvez tb ainda n conheça), deixo-lhe esta Beatriz Preciado e a sua t do genero
http://www.youtube.com/watch?v=W8wfc2JNMd4
Bom fim de semana 0/
Da beatriz, lembrei q tinha aqui link pro Multidoes queer http://www.4shared.com/file/103948018/f28dc85a/MULTIDES_QUEER.html
0/
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