terça-feira, 23 de junho de 2009

Prós e Contras: Portugal: Um novo turismo

Em directo das Minas de Sal-Gema, em Loulé, a 240 metros de profundidade e a 30 metros abaixo do nível do mar, Prós e Contras foi hoje (22 de Junho de 2009) dedicado ao turismo em Portugal. A grande questão - Que turismo queremos para Portugal? - foi debatida, entre muitos outros protagonistas do turismo português, por Manuel Pinho (Ministro da Economia), Pedro Almeida (ex-governante do PSD), José Carlos Pinto Coelho (empresário hoteleiro), Miguel Júdice (empresário hoteleiro), Rafael Anson (Presidente da Real Academia Española de Gastronomía) e Jean-Claude Baumgarten (Presidente do World Travel & Tourism Council).
Manuel Pinho expôs a concepção holística do turismo protagonizada e implementada pelo governo socialista. O holismo é qualquer abordagem de um fenómeno que procura estudá-lo no seu todo e controlá-lo como um todo, através de determinados métodos e procedimentos. Aplicado ao planeamento do turismo, o holismo recusa reduzir o turismo à comida, ou seja, "ao comer e ao beber", "à barriga e à boca", enfim, à gastronomia, como pareceu fazer Rafael Anson: o turismo deve ser encarado como um fenómeno social total (Marcel Mauss) e estudado e planeado nos seus diversos níveis, desde a formação de profissionais e a criação de escolas de hotelaria de qualidade, até à gastronomia, hotelaria, restauração, arquitectura, património, reabilitação urbana, requalificação da gastronomia tradicional portuguesa e cultura, passando pela facilitação dos acessos a Portugal e pela promoção internacional da marca de Portugal (Made in Portugal). A crise económica e financeira produziu uma queda de 8% do turismo português, um valor muito inferior ao sofrido por outros países europeus, incluindo Espanha. Manuel Pinho explicou este fraco efeito da crise sobre o turismo português pela aposta realizada no turismo de qualidade ou de topo, em detrimento do turismo de massas, e pela estabilidade governativa e das suas políticas de turismo. Um factor que contribuiu para a criação e a implementação da política do turismo foi a estabilidade. Antes deste governo socialista, nunca houve uma política do turismo: a maioria absoluta do PS garantiu a estabilidade necessária para definir os objectivos estratégicos do turismo português. O turismo de qualidade que distingue Portugal de Espanha ou da Turquia contou com os apoios dados pelo governo aos diversos sectores do turismo, a "rapidez na acção" e a criação de acessos. "Determinação, visão e ambição" são as palavras de ordem do governo socialista e do ministro da economia.
Alguns dos empresários do turismo - tais como Pedro Lopes, Jorge Rebelo Almeida e Mário Ferreira (empresário do Porto) - confirmaram a eficácia do governo socialista: o turismo português cavalga uma "onda positiva" (Rebelo Almeida) e as "curvas do Douro" (Mário Ferreira) seduzem turistas americanos, ingleses, nórdicos e australianos. O Douro é, de facto, a melhor marca do turismo português de qualidade: não se trata apenas de enoturismo - as rotas do vinho do Porto e as vinhas que sulcam as encostas do rio Douro -, mas fundamentalmente de um novo tipo de turismo paisagístico, histórico e cultural (autarca de Baião), aliás muito apreciado pelos japoneses ou pelos chineses e pelos turistas mais inteligentes. A marca Douro deve ser fortemente apoiada pelo governo, porque é na imensa e sublime rota do vinho do Porto que culmina na cidade do Porto e nas caves de Gaia que reside o maior património cultural, histórico e natural português: um património genuíno, distinto, egrégio e ímpar que articula numa figura dialéctica serena azul anímica - paisagem, literatura, filosofia, arte, gastronomia, saúde e estados intensos de consciência cósmica. O turismo do Douro com epicentro na Cidade Invicta - Porto - constitui a melhor aposta que o turismo português pode fazer depois da crise económica, não só porque possibilita o desenvolvimento económico e cultural de três distritos (Porto, Vila Real e Viseu), mas também porque é a região com mais potencialidades para promover um turismo de qualidade: o Douro é património histórico, cultural e paisagístico e é por isso que atraí turistas exigentes e inteligentes, não turistas de tanga que invadem as praias portuguesas em busca de sensações massificadas e embrutecidas que alimentam os noticiários nacionais e mundiais, dando uma má imagem de Portugal. Turismo do Douro, turismo do Porto Património Mundial da Cultura, abre portas a um novo modelo de turismo - o turismo de alta qualidade procurado pelo sector elitista dos turistas exigentes.
Apesar do consenso alcançado por todos os convidados presentes quanto à racionalidade e ao sucesso das políticas governamentais, dois deles - Pinto Coelho e Pedro Almeida - tentaram, como seria de esperar, introduzir alguma dúvida e inquietação. Pinto Coelho teceu um discurso lamentável e contrário ao interesse nacional. Queixou-se dos "encargos fixos", criticou as grandes obras públicas, embora tenha defendido a construção da linha de alta velocidade (TGV) que ligará Lisboa a Madrid, precisamente aquela que será menos lucrativa e estrategicamente menos interessante, já que dará maior centralidade à capital de Espanha, pediu mais ajudas financeiras ao Estado, procurando intimidar e ameaçar o governo com o problema do desemprego, e incentivou a "paragem" do turismo por causa da crise económica. "Parar para observar": eis as suas palavras! Manuel Pinho demarcou-se claramente destas posições negativistas e oportunistas: o turismo "não pode parar", os agentes do turismo devem continuar a agir de modo a conquistar novos mercados, tal como faz Mário Ferreira, e o país não precisa de mais estudos, mas sim de "mais acção". A alta velocidade é fundamental para o futuro de Portugal, até porque permite combater a nossa periferia e dinamizar os nossos contactos económicos e culturais, sobretudo através das ligações de alta velocidade Lisboa-Porto-Vigo ou Aveiro-Salamanca, sem contribuir para a centralidade madrilena. Portugal está cansado de empresários deste tipo pedinte que vivem na dependência do Estado até mesmo para realizar as suas mais-valias. Requalificar o património e os centros urbanos é uma tarefa nacional fundamental, não só para cativar mais turistas, mas sobretudo para promover o desenvolvimento económico e cultural de Portugal. No entanto, os nossos empresários não contribuem para essa tarefa nacional: os edifícios que mandam construir - com excepção dos seus luxos privados - são uma vergonha nacional e degradam o nosso património histórico e arquitectónico. Esta atitude vergonhosa dos nossos empresários egoístas e negativistas contrasta com a atitude orgulhosa dos empresários estrangeiros. As sedes das grandes empresas ou dos bancos em New York ou Londres são edifícios que fazem história na arquitectura: o património não é apenas a monumentalidade do passado que, em Portugal, é desprezada a favor de construções periféricas destituídas de qualidade estética e urbanística, mas também a cidade do futuro. Os empresários nacionais tendem a ser absolutamente avessos à cultura, ao pensamento e à história: a sua acção e influência desqualificam Portugal e bloqueiam o progresso, até porque querem gozar de benefícios fiscais (e outros mais estranhos), sem os partilhar com os seus empregados que são mal pagos. Enfim, muitos empresários nacionais querem aumentar as suas mais-valias à custa do empobrecimento dos contribuintes, da exploração dos seus empregados e da miséria nacional!
Um acontecimento criou algumas sombras negras neste debate: uma agência mundial de turismo de qualidade retirou-se de Lisboa, porque considera que a capital portuguesa não obedece aos critérios elevados desse modelo de turismo. Ora, as razões que levaram a tal desqualificação de Lisboa não se prendem ao seu valor arquitectónico inegável, mas talvez a outra variável que merece ser pensada. Miguel Júdice afirmou que "Portugal precisa vestir uma mini-saia" para se tornar "mais sexy e atraente". Pedro Almeida apelou ao turismo gerador de sensações e de experiências cómodas, um conceito que parece seduzir os militantes e os dirigentes do PSD, apesar de ter sido desmentido pela praxis turística. Embora tenha ficado claramente chocado e frustrado com a experiência fracassada em directo de elaborar um "sorvete de laranjas do Algarve", Rafael Anson reconheceu que Portugal tem tudo para ser um sucesso turístico, incluindo a sua gastronomia tradicional única e "fantástica", aliás muito superior à gastronomia espanhola, mas "não sabe comunicar". Destas três sugestões excluo a de Pedro Almeida, porque penso que o turismo das sensações é o modelo que tem predominado nas praias do Algarve ou da Costa Vicentina, onde todos andam de mini-saia ou simplesmente nus sem trazer a Portugal uma mais-valia de mundo. Uma agente de turismo insurgiu-se contra a tese de Miguel Júdice, mas penso que ela abre a porta à tal variável que merece ser pensada. Interpretada literalmente, a tese da mini-saia não se refere tanto ao património português - cultural e paisagístico -, mas sobretudo aos próprios portugueses. Nas praias turísticas, os portugueses desnudam-se, mostrando os seus corpos pouco atractivos e quase sempre deformados por acumulações inestéticas de obesidade. Se andassem todo o ano de mini-saia, as pernas portuguesas exibidas afugentariam os turistas. Porém, o que está em causa não é o corpo, mas sim a maneira de estar-no-mundo dos portugueses: os portugueses não "são hospitaleiros" (Júdice) no sentido de serem destituídos de níveis razoáveis de inteligência cognitiva, emocional e social. Este défice generalizado de inteligência ajuda a compreender o fracasso da comunicação (Anson): os portugueses carecem de sensibilidade estética e cultural, e não sabem comunicar e cativar os turistas, mantendo com eles um diálogo produtivo e fecundo. Como pessoas humanas, os portugueses não têm nada para oferecer, excepto uma dose terrível de indigência cognitiva e de miséria corporal. Com a reformulação cognitiva e antropológica da tese da mini-saia, retomo um problema que me preocupa: o fracasso total e absoluto da educação em Portugal depois do 25 de Abril. O problema do turismo português está ligado à regressão cognitiva dos portugueses. De certo modo, Manuel Pinho e o governo reconhecem isso quando falam nos "erros governativos" cometidos nos domínios da educação e da cultura. O turismo cultural de qualidade exige não só a reabilitação das cidades - políticas diferenciais das cidades, mas também a introdução de rigor e de verdade nos sistemas de ensino e de educação. Precisamos apostar mais em nós mesmos para sermos mais atractivos aos olhos estrangeiros. Esta aposta antropológica e cultural em nós depende da reforma profunda da educação e só será verdadeiramente vencida quando tivermos eliminado os vícios de funcionamento interno, a corrupção e as teias de amigos - contactáveis por via do telemóvel-fetiche. Portugal precisa urgentemente de uma revolução cultural profunda e de renovação total das suas figuras públicas: a mudança radical de protagonistas é a única maneira de afastar os incompetentes dos centros de decisão nacional e de colocar Portugal no caminho do futuro. (As fotos foram tiradas de sites institucionais: as duas primeiras mostram a paisagem da cidade do Porto, as suas pontes e a Ribeira, e o última mostra a vinha algures na encosta do rio Douro.)
J Francisco Saraiva de Sousa

25 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hoje à noite começa a festa do S. João do Porto: uma festa popular da cidade que quebra magicamente as barreiras sociais. Na noite de S. João, todos são iguais, tal como sucede nas festas do Carnaval. :)

E. A. disse...

Muito bem, lá estarei para confirmar o dionisíaco nortenho.

Ontem vi só um bocado, e adorei o cenário. Deveria ser sempre assim. :)

E. A. disse...

Ui, 21ºC máx e 16ºC mínima. Vai estar frescote.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas o tempo começa agora a abrir: esperemos que não haja nevoeiro à noite, mas o fogo dispersa-o. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Compre um "martelo" e ponha na cabeça luzes de sinalização: sempre que lhe baterem com o martelo retribua a martelada! E evite passar nos corredores da martelada; por vezes, são incómodos e o alho é terrível! :)

E. A. disse...

Na cabeça luzes de sinalização, tipo pirilampo? lol
Sim, vou comprar um martelo! :)
O que de repente me lembra a queima das fitas aí no Porto, que tb pegamos na bengala e "abençoamos" com pancadas o finalista! No Porto gosta-se de bater na cabeça uns dos outros!

Unknown disse...

Obrigado pelos comentários, concordo consigo, temos que avançar e deixar de estudar os estudos... e acima de tudo creditar que é possivel, acreditando já teremos metade do percurso feito. Infelizmente ontem percebi que alguns dos meus colegas do Turismo não sabem o que é um twitter e só usam selos postais.

Unknown disse...

Aparece o nome Rui, mas na verdade é Mário Ferreira, só que estou noutro computador que já estava registado, desculpem. mario.ferreira@douroazul.pt

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Afinal, está mesmo atento ao fenómeno da Internet! Estou a partir do pressuposto de que é o Mário Ferreira que participou no debate. Obrigado pela atenção! E, como tenho andado a defender o Porto e o Douro, foi com especial atenção que o escutei. Espero que a sua acção - Douro Azul - traga verdade a esta região e - claro - muitos turistas!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já agora aconselho os meus amigos brasileiros a visitar o site Douro Azul, onde poderão ver magníficas paisagens do rio Douro e - quem sabe? - ficar com vontade de viajar pelo Douro. Especialmente o André que deseja vir passar férias a Portugal.

E bom S João para todos os leitores deste blogue! Até amanhã! :)

Futura 1ª Ministro disse...

Ainda bem que andei à "caça" de comentários sérios ao Programa Prós e Contras de ontem. Em 1º lugar fiquei a conhecer o blogue e vou começar a participar. Em 2º lugar ainda bem que não sou uma ET neste País da "treta". Em 3º lugar por alguém perceber que infelizmente os Portugueses (tirando rarissímas excepções de alguns "ETs")têm excatamente aquilo que merecem.

Iacobus disse...

Divirtam-se no S. João! Que traga mais diversão e menos frustração do que se viu no Sto. António :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bom dia a todos e obrigado pelos comentários!

Ainda estou com sono, mas aqui estou a blogar.

Futura 1º Ministro: Seja bem-vindo!

Tiago: A noite passada foi excelente!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sr

Também adoro a Ópera de Sidney de Jorn Utzon: um belo exemplar arquitectónico, um edifício-metáfora, um edifício-metafísica.

Fräulein Else disse...

Francisco, voltei da sua terra de gente encantadora e boa comida. Diverti-me bastante! Achei os balões lindíssimos; espero ter oportunidade, uma outra vez, eu própria lançar um e pedir um desejo. :)
N vi o fogo de artifício, pq estava dentro de um restaurante, num aniversário, mas em compensação comi um bife maravilhoso. Em Lx para se comer bem tem de se pagar muito. E às vezes paga-se bem e nem assim se come bem.
Bom, mas fiquei fã, voltarei. Ah o meu primo e os meus amigos qd queriam meter-se cmg, diziam aos transeuntes, "para nos darem com força (com os martelos) q eramos (eu e uma amiga) de Lisboa" e n é q as pessoas acorriam? Tontas! Entretanto, comprei um martelo e comecei a dar tb! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O fogo foi lindo! E andou no aperto?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya, bife é sempre bom: adoro carne! Dizem que a rtp1 transmitiu, com a apresentação da Tânia Ribas...

Yes, o S João é sempre bom, sobretudo vivido nas ruas com os martelos e os apertos. O fogo oferece sensações fortes, dado ser lançado na Ribeira com a ponte e o rio, entre as duas margens.

Estava para fazer um post, mas estou ensonado; fica para outra oportunidade, até porque seria curioso referir as quadras e as cascatas do S João. :)

Os brasileiros festejam o S João, usando alguns rituais nossos: a festa do S João do Porto data do século XIV, logo é uma influência directa do Porto. :)

Fräulein Else disse...

Não propriamente muito apertada. Qd íamos para a Ribeira, a multidão, sobretudo famílias, já se começavam a dispersar, pq o fogo já tinha sido a algum tempo.

Fräulein Else disse...

Mas os apertos são o q? lol

Fräulein Else disse...

Sim, eu tb estou muito cansada, sobretudo pq fui ontem e vim hj...

Mas tenho coisas para fazer. Boa noite!

Fräulein Else disse...

* há algum tempo

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A malta do passado diz que a festa não é o que era, por causa dos martelos de plástico e do fogo da Ribeira. Em miúdo lembro-me vagamente do percurso que eles identificam com a festa: Avenida, 31 de Jneiro, Praça da Batalha, etc. Mas eles continuam a existir, embora a Ribeira seja agora central: a festa dispersou-se pela cidade e até a Casa da Música dá festa...

Terá de regressar e viver o aperto...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ok, boa noite, embora ainda seja dia... :)

André LF disse...

Perdi a festa de S. João do Porto, Francisco :(
Espero passar férias a Portugal um dia. Vc também poderia vir ao Brasil!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya, André, o Brasil também tem boas e belas paisagens, embora eu seja mais antropológico, mas adoro a natureza selvagem. Só um pequeno aspecto negativo: adoro o frio e não o calor... :)