«A maiêutica da modernidade não funciona sem um certo utopismo. A ideia de um parto sem imensas dores da sociedade moderna e a hipótese segundo a qual o filósofo poderia diminuir essas dores do parto e estreitar a distância entre o que nasce e o que foi esperado, comportam uma parte de utopia. Um tal emprego da utopia distingue-se da má utopia». (Henri Lefebvre) O debate Prós e Contras (29 de Junho de 2009) dedicado à questão do trabalho em tempo de crise foi uma tremenda seca. O excesso de convidados e a rotatividade das mesmas figuras desinforma mais do que informa e esclarece a opinião pública, além de não acrescentar nada de novo. Fátima Campos Ferreira e a sua equipa são propensas a este estilo confuso de formato: os mesmos convidados, as mesmas opiniões, as mesmas visões, a mesma ausência de ideias e de imaginação utópica. O envelhecimento apoderou-se de Prós e Contras: o mundo está em crise e a moderadora insiste na repetição monótona da mesma receita - os mesmos temas, as mesmas figuras, as mesmas perguntas, as mesmas respostas, a mesma frustração de sempre, como se estivesse a ajudar a procurar alternativas e novos modelos. Prós e Contras está em crise: repete-se a si mesmo, semana após semana, durante anos. Vamos todos morrer e o país continuará a colocar as mesmas questões e a não saber como as resolver: os mesmos erros serão cometidos até ao fim dos tempos. Portugal é, de certo modo, um barco (Vítor Ramalho) que se afunda por causa dos buracos que os dirigentes nacionais fazem no seu casco: as figuras públicas portuguesas encontram o seu próprio rumo neste naufrágio e abandonam o barco depois de se terem servido dele. As classes dirigentes nacionais sacrificaram e continuam a sacrificar o futuro de Portugal à satisfação dos seus próprios interesses privados e, infelizmente, com a ajuda dos portugueses alienados nos sonhos do consumo e da exibição de falsa riqueza. O presente não se compreende exclusivamente a partir do passado, mas também e fundamentalmente a partir do futuro, como demonstrou Marx. Ora, Prós e Contras exibe semanalmente um desfilar de figuras nacionais que não têm nada a dizer sobre o futuro de Portugal, a não ser confiá-lo à deriva na história. O seu anti-utopismo é a prova mais visível da degradação da actividade política e pública portuguesa. O debate opôs no palco frente a frente dois representantes das entidades patronais, Francisco Van Zeller (CIP) e João Vieira Lopes (CCS), e dois sindicalistas, João Proença (UGT) e Manuel Carvalho da Silva (CGTP-IN). No entanto, na plateia estava António Chora (Comissão de Trabalhadores da Auto-Europa) que elaborou uma outra visão do problema mais pertinente e relevante para a tarefa de encontrar novas alternativas. Patronato e sindicatos são retrógrados: os sindicalistas e os trabalhadores procuram defender o que conquistaram após o 25 de Abril, enquanto os patrões querem reconquistar o que perderam. Ambos os grupos vivem alheios às novas mudanças sociais ocorridas, como se o mundo continuasse igual desde os tempos áureos do sindicalismo revolucionário. Embora não tivesse contado com o apoio de Carvalho da Silva e de Van Zeller, a visão de António Chora acabou por ser corroborada pelos convidados estrangeiros - Guy Ryder (CSI), em directo de Budapeste, e Raymond Torres (OIT), em directo de Genebra, bem como por outros convidados nacionais, tais como António Saraiva, Armindo Monteiro e Vítor Ramalho. António Saraiva foi peremptório: a crise que vivemos não é uma crise de continuidade, mas uma crise de ruptura. A sua superação exige uma mudança de paradigmas, porque, tal como disseram os convidados estrangeiros, há uma mudança de modelo económico. Armindo Monteiro chegou mesmo a equacionar o problema do trabalho não como um confronto entre patrões e sindicalistas, mas como uma tensão entre trabalho e empresas supostamente criadoras de riqueza. Van Zeller reconheceu que, na concertação social, se discutem unicamente as questões sociais: as questões económicas têm estado fora da agenda da concertação social. Isto significa que o diálogo tripartido que envolve o governo, os sindicatos e o patronato nunca incidiu sobre o modelo económico desejado e a busca de alternativas ao modelo dominante que foi posto em cheque pela actual crise financeira e económica, embora Carvalho da Silva tenha recorrido ao Pacto Mundial para o Emprego para mostrar que os trabalhadores fazem sugestões concretas nesse sentido, condenando a especulação financeira, a desregulação dos mercados financeiros, a submissão dos trabalhadores aos imperativos económicos, o neoliberalismo e as suas políticas ruinosas, a flexibilização do trabalho ou a diminuição dos salários, até porque a crise não foi despoletada pela suposta rigidez dos contratos de trabalho (João Proença). Vieira Lopes retomou a noção de António Chora nestes termos anti-maniqueístas: O mundo não se divide em bons e maus, sendo os trabalhadores os bons e os empresários os maus. É preciso ultrapassar este maniqueísmo que coloca o patronato no lado dos maus e os sindicatos no lado dos bons. A questão reside no sentido de como ultrapassar este maniqueísmo e, neste aspecto, os participantes exibiram escassez de novas ideias, amuralhando-se nas velhas ideias incapazes de apreender a nova situação e de pensar para além dela. Faltou-lhes ironia histórica e espírito de utopia. Van Zeller limitou-se a afirmar a velha ideia de que o diálogo tripartido é vital, como se o consenso fosse algo meritório. Vieira Lopes relembrou aos sindicalistas que é necessário aumentar o rigor dos deveres e do comprometimento, acabando por exigir uma cedência dos trabalhadores aos imperativos dos empresários: os direitos adquiridos ou as regalias sociais constituem neste momento crítico um obstáculo à superação da crise. João Proença lembrou que a crise não deriva da rigidez dos contratos de trabalho, mas da quebra do consumo: as pessoas não consomem e, por isso, as empresas não vendem. Nesta perspectiva surpreendente da crise económica, a solução não é diminuir os salários ou reduzir o número de postos de trabalho, mas mantê-los ou mesmo aumentá-los. Cavalho da Silva refugiou-se nas velhas ideias "comunistas", como se essa visão política fosse capaz de oferecer uma alternativa credível ao actual modelo económico: não só defendeu com afinco as regalias sociais adquiridas, como também exigiu o seu reforço. Carvalho da Silva é um arqueólogo: vive prisioneiro de um passado que já não é e que nunca foi o que era esperado dele. Porém, combater as políticas neoliberais que produziram a crise exige uma outra visão do mundo, para além da falsa alternativa entre liberalismo e comunismo. Vivemos num mundo desigual (António Saraiva), não somente ao nível nacional, mas também ao nível europeu e sobretudo mundial. Os sindicalistas ainda não compreenderam bem as novas desigualdades e desprezam aqueles que não têm direitos tout court (Armindo Monteiro), nem sequer direitos adquiridos: os desempregados e os inactivos. 70% das empresas portuguesas despediram trabalhadores nos primeiros seis meses deste ano. Em Portugal, meio milhão de portugueses estão desempregados. Das empresas portuguesas, apenas 860 são grandes empresas, as restantes empresas empregam 75% dos trabalhadores, mas carecem de saber (Van Zeller) e de qualificação empresarial (Armindo Monteiro), o que não lhes permite fazer uma boa gestão dos recursos humanos, sem recorrer aos despedimentos ou à redução dos salários. Enfim, tanto os patrões como os sindicatos entrincheiram-se em posições defensivas (Van Zeller) e Portugal continua igual a si mesmo: um país eternamente adiado e sem futuro. Com esta crise económica, inicia-se uma nova era de risco total: as gerações mais novas não vão desfrutar o mesmo bem-estar que as gerações grisalhas gozaram. A pobreza reaparece num horizonte já colonizado, caçado e capturado pela imbecilidade e pela regressão cognitiva, e, se quisermos tentar mudar alguma coisa, devemos começar por exigir a mudança de pessoas: as classes dirigentes portuguesas são patéticas e, dada a sua falta de imaginação política, incapazes de governar Portugal e de criar um futuro novo sem classes médias. J Francisco Saraiva de Sousa
17 comentários:
Meu caro Francisco Saraiva
A luta de classes existiu, existe e sempre existirá!
Tentar esbater esta realidade, é decalcar as teorias defendidas por Benito Mussolini, ilegalizar sindicatos e recriar um passado corporativista.
Chora, prestou-se ao papel de "Valeza" português com agradecimentos e aplausos dos patrãos.
Será inocente a cobertura e o endeusamento dos meios de comunicação social, a este representante da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa?
O tempo se encarregará de mostrar e provar, a quem esta criatura beija a mão!
Cumprimentos
Caro Beja Trindade
Como sabe, eu não sou comunista e impugno a interpretação inautêntica que foi feita da teoria de Marx. O comunismo não é uma alternativa à economia de mercado e a prova reside no seu colapso.
Se o PCP quiser continuar a defender os desfavorecidos, devia reler Marx a outra luz. O PCP já está abaixo do BE e isso devia preocupá-lo. Tem de arriscar uma outra imagem; caso contrário, será superado. Por quem? Pela Direita... O combate contra o PS leva a Direita ao poder e esta sabe domesticar os trabalhadores. A Esquerda devia pensar seriamente no que anda a fazer...
Cumprimentos
Ah, e é preciso ser realista: na óptica de uma estratégia revolucionária, trabalhadores satisfeitos ficam aburguesados e não votam na esquerda. Este é o aspecto animal da condição humana a funcionar: o sindicalismo pode ser contra-revolucionário a todos os níveis... :)
"O combate contra o PS leva a Direita ao poder e esta sabe domesticar os trabalhadores. A Esquerda devia pensar seriamente no que anda a fazer..."
Lá vem outra vez, a eterna cantilena do voto útil da esquerda no PS.
Quando o PS apoia descaradamente a economia de mercado, que esquerda se pode esperar do PS?
Será apenas a nomenclatura PS, que bastará para contentar a esquerda, ou serão antes as práticas políticas que identificam o rumo para uma verdadeira alternativa ao capitalismo?
Em jeito de comparação, dir-se-ia, que o governo PS teve aqui um papel de “cuco”, ao depositar os ovos no ninho da direita, pelo que ela agradece, como aliás, se tem verificado, a nível nacional e europeu.
Ser marxista, implica defender uma sociedade alternativa ao capitalismo, que eu saiba, amenos que me provem o contrário, a única alternativa será o socialismo.
Agora, que os detratores do socialismo queiram servir-se do colapso do socialismo no Leste europeu para fazer vingar a supremacia do capitalismo, estas teorias não terão sustentabilidade, porque os princípios do socialismo são justos, muito embora os homens falhem.
E por falar em sustentabilidade, o meu caro, Francisco Saraiva pelo que verifico, delirou com o simples facto do BE ficar à frente do PCP, como se estivéssemos perante uma qualquer mesquinha competição mediática, por aqui se vê o quanto de útil tem o BE, para evitar a rotura com estas estafadas práticas políticas da economia de mercado.
Embora as memórias sejam curtas, apenas lhe quero lembrar a história "empolgante" do extinto PRD, ou seja, sempre que o PS se vai "abaixo das canetas", aparece sempre ou inventa-se, através de largos tempos de antena, um qualquer PRD ou BE, protagonizado por um homem, para assim, dessa forma evitar o avanço do PCP.
Para terminar e já que referiu o BE
Para o PCP o seu maior obstáculo é a direita, porque esta sim, tem uma ideologia antagónica ao socialismo, mas, não é menos verdade o aparecimento daqueles que não se lhe conhece qualquer ideologia, ou seja, não são carne nem peixe, ficando-lhe o papel da provocação e da confusão, com frases de tipo "sindicatos retrógados", então qual é a coerência deste dito sindicalista.
O tempo se encarregará de mostrar e provar, a quem esta criatura beija a mão!
Sim, o PS cometeu erros de governação e tentou seguir outros que agora vão ser afastados do Poder. Mas quem vai conquistar o Poder é a Direita. Se o PSD vencer as eleições, o que será feito do "socialismo"? O PSD vai tentar reforçar os interesses da chamada classe média e esta é, como sabe, avessa à mudança. Aliás, o inimigo hoje é a classe média e os gestores e não tanto os empresários. Existem lutas entre empresários e gestores, como confirmam os casos nacionais.
Ora, o Estado tem sido usado para ajudar a ascensão das novas classes dirigentes, através de diversos meios, entre os quais a corrupção. A crise resulta muito dessa visão economicista fatalista imposta por essa classe sedenta de poder, de riqueza e de luxo. O socialismo deve estar atento a esse uso do Estado: um Estado burocrático leva à opressão.
Ah, eu não estava a zombar do facto do PCP ter ficado abaixo do BE. Afinal, o BE é apenas protesto sem projecto de poder. O socialismo que todos dizem defender cobre muitas acepções, mas sinceramente não sei o que se entende neste momento por socialismo, pelo menos enquanto não se libertarem da cartilha económica dominante que uniformiza o pensamento e mina a explosão das ideologias e das alternativas.
O sindicalismo foi criticado por Lenine: a mera luta económica sobrepõe-se à luta política. E Lenine tinha razão: as classes trabalhadoras aburguesaram-se e já não lutam contra o sistema. Neste momento, como se viu no debate, ninguém quer ou deseja a mudança social. Falha humana? Sim, mas essa falha dos homens deve ser pensada se queremos construir um mundo melhor.
Além disso, a construção do socialismo deve levar em conta que já não estamos sozinhos no palco do mundo: o Ocidente está em crise e pode ser engolido pela economia emergente da China. Não vejo vestígios socialistas na China! Pelo contrário, vejo uma ameaça à saúde do Planeta. Como pensar o socialismo neste novo mundo global? Que papel cabe à Europa?
Mas como se recordará, a China foi o modelo dito "comunista" mais elogiado pela nossa direita, em pleno PREC de 1975, agora o tempo veio mostrar a razão dos tais elogios.
Ah, e qual é a diferença entre o PS e PSD.
Estou em querer, que com este PS no poder, mais distante ficará o avanço para o socialismo.
Bem, não posso responder pela acção dos outros, mas penso que o PS tem uma cultura política que o PSD não tem.
Afinal, os responsáveis pelo agravamento da crise estrutural de Portugal foram as políticas de liberalização levadas a cabo pelos governos de Cavaco Silva, desde a economia até à educação, passando pela política e pela cultura. Essas liberalizações abriram o espaço à corrupção como estamos a ver actualmente. Manuela Ferreira Leite já disse que vai neutralizar tudo, como se a crise fosse um pequeno episódio passageiro. Ela disse-o na SICNotícias. O regresso ao liberalismo que protagoniza vai afundar-nos mais... Portanto, há uma diferença fundamental entre o PS e o PSD. Além disso, a crise mostrou ao PS os erros que cometeu e, por isso, vai evitá-los no futuro.
Manuela Ferreira Leite no governo e Cavaco Silva na Presidência vai ser um caos: retrocesso total e a Manuela defende a suspensão da democracia. Disse-o claramente..., mas o povo é que vai votar!
"Além disso, a crise mostrou ao PS os erros que cometeu e, por isso, vai evitá-los no futuro".
Não nos faça rir caro Francisco Saraiva.
O que fez o PS no poder com maioria absoluta para contrariar, as políticas implementadas por Cavaco Silva, como diz?
Não só, não fez nada, como ainda as agravou!
Isto, para não falar em corrupção, que alastrou, a olhos vistos, durante este governo que se reclama de esquerda, e para o qual tem dado um contributo muito negativo para toda a esquerda portuguesa.
Desiludam-se aqueles que julgam que com esta direcção do PS, algum dia virão melhores dias para os trabalhadores!
Então, não há nada a fazer, a não ser rir com a vitória do PSD. Vamos rir... :)
E com os despedimentos e as diminuições dos salários dos trabalhadores! Só nos resta rir, rir e rir com a vitória do PSD! :)
Bem, e, em vez de condenar os corruptos, vamos condenar os reguladores. Vamos rir, continuar a rir, porque em Portugal não se condenam os corruptos! Claro, estou a ser irónico!
Infelizmente nem corruptos nem reguladores são condenados, a ver vamos!
Se os corruptos são do PSD os reguladores são do PS, o que acontece na prática é que se neutralizam uns aos outros, assim não haja dúvida, que dá para rir.
Os reguladores são do PS? Acho que não é bem assim, mas a questão da regulação tornou-se pertinente com a crise, não antes da crise quando predominava a confiança a auto-suficiência da economia de mercado.
Mas podemos rir de mais coisas. Vamos rir com a privatização da Caixa Geral de Depósitos, do Ensino, da Saúde, da RTP, da Comunicação; vamos rir com o facto dos contribuintes irem pagar os prejuízos dos privados do BPP; vamos rir com a glorificação da corrupção; vamos rir com o enfraquecimento da democracia e a extinção da liberdade; vamos rir com o desemprego; vamos rir com a exploração; enfim, vamos rir com a miséria e a pobreza, isto é, com o triunfo do capitalismo sem regulação. Todo esse riso significa a derrota da Esquerda. :)
Curiosamente, parece que o PCP se ri muito com a sua própria derrota! É uma maneira de aceitar a própria extinção! Morrer a rir suaviza a dor ou talvez não... :)
A tão anunciada extinção do PCP, tão desejada pela direita, pelos vistos, também faz carreira nos desejos de gente do PS, já nada me surpreende para quem a luta de classes e o capitalismo não passam de uma "cassete" do PCP.
"Todo esse riso significa a derrota da Esquerda".
Haver derrota da esquerda, terão de se responsabilizar aqueles que se travestiram de esquerda, porque uma vez no poder com maioria absoluta, tudo fizeram para entregar o "ouro ao bandido".
Ah, por falar em extinção, estará a referir-se ao PS italiano e agora o francês?
Porque o PCP esse, está de boa saúde e recomenda-se!
Ya, é a vida: uns nascem e vivem, outros morrem, uns sobem, outros descem... Mas no final todos morrem! :)
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