Karl Wittfogel analisou a sociedade asiática, retomando, articulando-as, a noção liberal de despotismo oriental e a noção marxista de modo de produção asiático. A tese fundamental de Wittfogel afirma a existência de formas pré-industriais de sistemas de Estado totalitário. As formas de Estado despótico - o despotismo oriental de Locke e de Montesquieu - surgiram, no passado remoto, como resultado de controlar os recursos hidráulicos e as necessidades da agricultura de irrigação. O despotismo oriental é uma forma de dominação total, cuja essência reside no controle burocrático e administrativo de todas as instituições e actividades sociais, económicas, político-jurídicas e culturais. A forma de governo predominante é altamente centralizada, burocrática e arbitrária: a burocracia não só calcula e coordena, como também comanda, bloqueando o surgimento de associações e de grupos sociais independentes que possam limitar e contrair o poder político. Nas sociedades asiáticas, tal como Portugal Contemporâneo, as classes dirigentes - e os seus partidos políticos - são completamente fechadas e a burocracia instalada monopoliza o acesso aos meios de administração e aos centros de decisão. Este controle monopolista dos aparelhos de Estado, tanto dos repressivos como dos ideológicos, públicos ou privados, significa um monopólio do poder social real - político, jurídico, económico e ideológico, que não decorre da propriedade privada, mas do acesso aos meios burocráticos de controle centralizado e de apropriação corrupta. A sociedade asiática constitui um sistema sob controle total de um staff administrativo - as classes dirigentes -, que existe por causa do sistema de Estado. A teoria de Wittfogel relaciona o totalitarismo soviético com o seu fundamento agro-despótico pré-capitalista herdado da Rússia czarista, e, nesta perspectiva, permite-nos apreender as semelhanças desse totalitarismo com o totalitarismo neoliberal, tematizado como o fim da História por Francis Fukuyama ou como o choque de civilizações por Samuel Huntington. A chamada era da aldeia global (MacLuhan) caracteriza-se por uma tripla-revolução - tecnológica, económica e sociológica, cuja articulação impulsiona e dinamiza a mundialização da economia - a economia global e as suas empresas em rede (Manuel Castells), justificada e legitimada pela ideologia do pensamento único. A queda de Muro de Berlim e o colapso do "comunismo" fortaleceram o pensamento único, levando-o a reclamar a exclusividade. Doravante, reza a teologia do mercado (Marx) ou o fundamentalismo de mercado (Soros), a ideologia economicista de cunho fatalista desmentida pela actual crise financeira e económica, só é possível uma única política económica codificada nos manuais neoliberais de economia assimilados nas universidades pelos novos usurpadores subnutridos culturalmente do poder político: as sociedades que queiram sobreviver num planeta entregue à selva da concorrência devem submeter-se aos critérios do mercado e do neoliberalismo, nomeadamente os da competitividade, da produtividade, do livre comércio ou da rentabilidade. (:::) Revolução tecnológica. A revolução industrial substituiu no passado ainda recente os músculos pela máquina, e a revolução informática substitui actualmente o cérebro pelo computador. A cerebralização dos instrumentos de trabalho generaliza-se a todos os sectores da vida social, incluindo o sector terciário, sendo acelerada pela explosão das novas redes das telecomunicações e pela proliferação dos cibermundos (Howard Rheingold, Benjamin Woolley, Seymour Papert). Apesar das suas origens remontarem ao século XIX, a globalização da comunicação é um fenómeno típico do século XX: a partir da década de 1960, com o lançamento dos primeiros satélites de comunicação controlados na Terra, a comunicação por via electromagnética tornou-se verdadeiramente global. As mensagens começam a ser transmitidas através de grandes distâncias com relativa facilidade. As pessoas têm acesso à informação e à comunicação vindas de lugares distantes do globo e, com a separação entre o espaço e o tempo operada pelos meios electrónicos, o acesso à informação tornou-se instantâneo ou virtualmente instantâneo. As distâncias foram eclipsadas pela proliferação de redes de comunicação electrónica, permitindo às pessoas interagir umas com as outras no âmbito de estruturas de interacção quase mediada, embora possam estar situadas em diferentes lugares do mundo. (:::) Revolução económica. A revolução da nova economia é marcada pela mundialização e pela interdependência das economias de numerosos países como consequência das exigências do livre comércio e da aceleração tecnológica: a mundialização económica é protagonizada e dominada pelo sector financeiro que, além de impor às economias reais regras fixadas exclusivamente pelos mercados financeiros, procura capturar os Estados nacionais e os dirigentes políticos. Neste sentido, o pensamento único significa impor a economia ao poder político ou, mais precisamente, subordinar a actividade política à economia, convertendo-a em mera administração gerida pelos especialistas económicos. A economia de mercado coloniza todas as esferas da sociedade e da cultura e os seus arautos - mais os economistas do que os verdadeiros capitalistas - lançam-se à conquista do poder que lhes permite enriquecer fraudulentamente. (:::) Revolução sociológica. As revoluções tecnológica e económica produzem profundos efeitos sobre a sociedade, conduzindo à morte o poder político, a democracia, o trabalho e o pleno emprego. A globalização implica a mudança dos dois paradigmas sobre os quais repousava a estrutura dos Estados democráticos modernos: o paradigma do progresso que visava reduzir as desigualdades sociais e excluir a violência nas relações sociais é substituído pelo paradigma da comunicação, e o paradigma da máquina que encarava a sociedade nacional como uma espécie de relógio, constituído por peças funcionalmente solidárias na manutenção do todo, é substituído pelo paradigma do mercado. Castells tende a identificar esta dupla-mudança com um único processo de transformação do ser: a compressão temporal e espacial de David Harvey é interpretada como a vingança histórica do espaço, isto é, como a dissolução do tempo cronológico pelo espaço de fluxos. A desordenação da sequência dos acontecimentos não só torna os acontecimentos simultâneos, como também instala a sociedade na efemeridade eterna. (:::) Os teóricos da cidade global e da cidade informacional não são muito explícitos em relação à existência efectiva dos objectos teóricos que estipulam: Existem efectivamente cidades informacionais? A cidade global e a cidade informacional são geralmente definidas como processos: a cidade global é "um processo que liga serviços avançados, centros produtores e mercados numa rede global com intensidade diferente e em diferente escala, dependendo da importância relativa das actividades localizadas em cada área face à rede global", enquanto a cidade informacional é "um processo caracterizado pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos" (M. Castells). A cidade informacional não tem forma, isto é, carece de geometria, e, apesar de não estarem presentes nesse espaço informacional, os corpos ocupam lugares e comunicam quase em simultâneo ou de modo instantâneo com outros corpos que ocupam outros lugares no mundo global. O espaço de fluxos implica o espaço de lugares e a globalização promove a regionalização, de resto fundamental para fazer face à concorrência global. O espaço vinga-se sobre o tempo: espaço de fluxos e tempo atemporal implicam-se reciprocamente, embora os cibernautas continuem a ser corpos encarnados que habitam lugares do mundo inseridos em contextos práticos da vida quotidiana. No entanto, a vingança do espaço sobre o tempo constitui a nova lógica da dominação inventada e imposta a todo o mundo pelo capital global. A teoria da globalização é pura ideologia e é isto que ainda não foi captado pelos teóricos da sociedade em rede. No seio das sociedades contemporâneas, surgem novas contradições, novas desigualdades e novas polaridades: os executivos-de-colarinho-branco procuram controlar a sociedade, destruindo a cultura. O neoliberalismo produziu subnutrição mental e cognitiva e todas as obras que nas últimas três décadas lhe foram dedicadas indicam os sinais dessa síndrome de subnutrição mental e cognitiva. Os homens de carne e osso não vivem dos fluxos de informação: as suas necessidades fisiológicas precisam ser satisfeitas pela produção de bens essenciais. O sector dos serviços emprega e regula, mas não produz esses bens que estão a ser produzidos noutras áreas do globo, que, além da produção, querem ser centros de inovação tecnológica. O que significa isto? Significa que o Ocidente, em particular a Europa, está a perder terreno e, deste modo, não tem futuro, a não ser como área de consumo até ao colapso mental e corporal acompanhado pela invasão. O vector da colonização inverteu-se: A Europa que no passado foi uma potência colonizadora está, no presente, a ser cada vez mais colonizada. O tempo atemporal resultante da vingança do espaço é um opressor interno: a sua interiorização torna o corpo e a mente dóceis aos interesses do capital global e, dado aniquilar a cultura, faz do homem humano um mero animal obediente e passivo. Desmistificar o capital global exige o regresso à crítica da cartilha económica dominante: o economicismo é uma brutalidade! Com estas indicações provisórias, inicio uma crítica da ideologia da globalização - a ideologia do pensamento único, responsável pela actual crise financeira e económica, procurando mostrar que ela implica um regresso ao Ancien Régime, retocado por traços retomados dos modos de produção asiático e feudal e aclimatizado pelos novos escribas da tirania comunicacional chamados jornalistas. (Em Construção) J Francisco Saraiva de Sousa
16 comentários:
"A Europa que no passado foi uma potência colonizadora está, no presente, a ser cada vez mais colonizada"
A globalização é a derradeira estocada do espírito europeu! É a "colonização" do mundo, sob os seus ideais de igualdade e uniformidade, liberdade e liberalismo. Se isto se reverte num tiro pela culatra, é outro aspecto do problema. Agora, a Europa e o Ocidente por extensão, sob o signo do capitalismo, continua a ser colonizador. E a globalização é claramente uma ideologia, ela deve ser sobretudo entendida como política, mais até que economia.
Ya, a maior parte dos conceitos dos maluquinhos da globalização não resiste à análise crítica e ao bom-senso. A globalização e o seu pensamento único foram e são ainda o novo ópio do povo! Mas vou desmontar esse discurso com recurso crítico a Wittfogel, porque o que está a acontecer é a morte da democracia e a pauperização acelerada da maior parte da humanidade. Os Estados europeus são despóticos e vou demonstrar isso: a burocracia é igual em todo o mundo e em todos os tempos, tanto na ex-URSS como agora no chamado mundo livre. Os lacaios dessa ideologia monstruosa são essas figuras feias chamadas jornalistas e comentadores: os subnutridos mentais e cognitivos!
Sim, concordo consigo, o jornalismo é de facto muito mau. Talvez tenha sido a "arte" que mais tenha sofrido nos últimos tempos... É muito triste ler jornais ou ver telejornais. Aliás, nem dá pica.
"Pica" intelectual, bem entendido. :)
E o mais estranho é saber como é que certos jornalistas foram recrutados para exercer tais funções comunicacionais! Deve residir aí a retoma de um dos traços da era pré-moderna: a hereditariedade dos cargos, aliás visível.
Pois, talvez, mas há muitos licenciados em comunicação, muitas "meninas de comunicação". E muitos no desemprego.
Bem, são imagens de Silicon Valley e de São Paulo.
Papillon
Estive a falar com uns estrangeiros do Erasmus, uns dos quais italianos que já estão cá no Porto há seis meses, e não querem partir: completamente apaixonados pela beira-rio (Miragaia, Ribeira, etc.)! Dizem que é lá que habita a alma do Porto e muitos viveram e vivem nessa zona tão desprezada pelos portuenses e portugueses do poder central e local.
Até logo! :)
Ya, os "Erasmus" são uns óptimos difusores das cidades portuguesas, nomeadamente Lx e Porto! De resto, Lisboa ou Porto são óptimas cidades para passar 5/10 meses de férias. ;)
Ya, o nosso problema é não haver emprego nem para os de cá nem para alguns bons elementos de lá; caso houvesse emprego, seria bom incorporar algumas dessas pessoas na nossa sociedade, até porque vêem as nossas cidades com outros olhos, captando aquilo que é genuíno. Interessante a visão de um italiano sobre a city! Também conheço uns arquitectos italianos que passam geralmente cá férias e que estudam a nossa arquitectura. Ajudei-os a arranjar alguns livros e a conhecer a city e arredores! Também aprendi muito com a imagem que fazem do Porto!
Ya, e os nossos vão lá, para Milão. São bons estes intercâmbios. Estilos de arquitectura muito distintos. São bons estes intercâmbios.
Mas também é verdade que os estrangeiros não gostam de viver em Portugal, por causa dos portugueses, estes seres que repelem tudo à sua volta, incluindo o crescimento e o desenvolvimento. Sabemos isso! No entanto, são mais os elementos da chamada classe média que afastam os outros por temor de serem confrontados com a sua feia e triste mediocridade visceral do que os elementos do chamado povo: as pessoas simples são mais acolhedoras e hospitaleiras do que esses có-cós embrulhados em trapos com marca ou pseudo-marca! :)
Repeti-me. Vou-me. Bom fds ;)
Sim, isso é verdade! É muito bom ir até ao interior e conhecer a genuidade, em Lx as pessoas pensam q valem muito mais do q aquilo q valem realmente. São uns pobres de espírito.
Ya, Milão também está degradado: falta capital para restaurar o património!
Hummmm... Não sei se termino hoje este post: o tema é muito vasto e exige o afinamento de novas categorias de compreensão! :)
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