terça-feira, 7 de julho de 2009

Prós e Contras: O Exame Final

«A linguagem reflecte os anseios dos oprimidos e a condição da natu-reza; ela liberta os impulsos miméticos. /A filosofia é o esforço consciente para unir todo o nosso conhecimento e penetrar dentro de uma estrutura linguística em que as coisas são chamadas pelos seus nomes correctos. /A filosofia confronta o existente, no seu contexto histórico, com a exigência dos seus princípios conceptuais, a fim de criticar a relação entre ambos e assim transcendê-los. A filosofia tira o seu carácter positivo precisamente da acção recíproca desses dois procedimentos negativos. /A filosofia não deve converter-se em propaganda, mesmo que seja com o melhor dos propósitos. O mundo já tem propaganda mais do que suficiente. /O método da negação, a denúncia de tudo que mutila a espécie humana e impede o seu livre desenvolvimento, repousa na confiança no homem». (Max Horkheimer)
As frases que citei de Horkheimer não só definem o procedimento crítico que tenho utilizado nos comentários que teço sobre os temas abordados no programa "Prós e Contras" moderado por Fátima Campos Ferreira, como também indicam a linha que pretendo seguir ao comentar este último debate da temporada (6 de Julho de 2009) dedicado à avaliação da acção do governo socialista de José Sócrates, no qual participaram, além de Augusto Santos Silva (Ministro dos Assuntos Parlamentares), Nuno Morais Sarmento (PSD), Carlos Carvalhas (PCP), Luís Fazenda (BE) e Nuno Melo (CDS-PP).
Se a tarefa da filosofia é denunciar as situações e os discursos que mutilam a espécie humana e impedem o seu livre desenvolvimento, então devo começar por imputar a propaganda demagógica precisamente aos representantes dos partidos da oposição (PSD, PCP, BE e CDS) que a atribuem erradamente ao governo de José Sócrates: a oposição está completamente histérica e, por isso, não consegue concentrar-se em argumentos objectivos e discuti-los civilizadamente, de modo a clarificar o momento presente que vivemos e a cooperar responsavelmente na busca de novas alternativas e de novos paradigmas. O debate foi praticamente reduzido a uma triste sessão da Assembleia da República. Dado não ter ideias claras e distintas ou projectos de alternativa viáveis, a oposição recorreu a tácticas demagógicas, agressivas e muito malcriadas. Nuno Melo, deputado do CDS, simplesmente não existe, nem sequer num jardim zoológico ou num hospício de alienados mentais, onde dificilmente encontramos alguém que fale de um modo ininteligível, de resto inacessível ao comum dos mortais, incluindo Augusto Santos Silva: Nuno Melo esteve presente e aparentemente falou, mas o que disse foi absolutamente obscuro e destituído de sentido, talvez porque não tenha nada para dizer.
Num debate convertido em luta agressiva pela confiscação da palavra do outro, Augusto Santos Silva procurou mostrar que as reformas dependentes da acção do governo socialista foram cumpridas, embora nem todos os objectivos tenham sido atingidos. A crise financeira mundial colheu de surpresa o governo que, depois de ter vencido a crise orçamental herdada dos governos anteriores do PSD - em coligação com o CDS - com a consolidação das contas públicas, foi obrigado a intervir para consolidar o sistema financeiro, de modo a evitar os efeitos negativos de eventuais erros sistémicos sobre a economia real. Os representantes da oposição protestaram, exaltaram-se e foram excessivamente demagógicos. Fizeram um balanço negativo da governação socialista, mas, em vez de alinhavarem propostas políticas alternativas e uma perspectiva de futuro para Portugal, preferiram atacar o "estilo de comando" e, ao mesmo tempo, "simpático" de José Sócrates (Morais Sarmento) e/ou condenar a regulação (Carlos Carvalhas, Luís Fazenda), o Banco de Portugal e Vítor Constâncio (Nuno Melo), não por razões políticas, mas por mero capricho de vingança. Nuno Melo é apologista da política orçamental mentirosa: o défice deve ser escondido debaixo do tapete. Ora, como resolveu desocultar o que se escondia debaixo do tapete, lutando pela transparência da política orçamental, Vítor Constâncio tornou-se alvo da animosidade do CDS e da sua política de ocultamento. A verdade é uma palavra que não faz parte do vocabulário da Direita portuguesa: o que ela diz ser a verdade é, por definição, uma mentira que visa esconder dos portugueses um esquema menos licito de enriquecimento privado. O discurso da mentira apresentado como discurso da verdade supõe que os portugueses são atrasados mentais que se deixam manipular facilmente. Pelo menos, a avaliar pela destruição da educação levada a cabo pelos governos do PSD, o objectivo é precisamente esse: privar os portugueses do acesso universal à educação, à saúde e à justiça.
O caso da nacionalização do BPN dominou a primeira parte do debate, em detrimento da agenda da moderadora que pretendia introduzir o tema da reforma da educação. Augusto Santos Silva apreendeu bem o paradoxo que moveu a oposição no caso do BPN: a oposição dirige o seu foco contra o regulador e não contra aqueles que mentiram aos clientes e que cometeram actos ilícitos. Curiosamente, as oposições falaram a uma só voz, como se não existissem diferenças ideológicas entre os partidos políticos que as compõem: Luís Fazenda manifestou-se contra a nacionalização do BPN, porque não quer nacionalizar os prejuízos privados, e a oposição de Direita - seguida pela oposição de Esquerda - procurou desviar as atenções dos corruptos para o regulador, de modo a "branquear" a "máfia financeira" (Luís Fazenda). Compreende-se o discurso ideológico anti-Estado de Nuno Melo e de Morais Sarmento: eles sabem que as políticas neoliberais que os seus governos implementaram foram responsáveis pela enorme onda de corrupção nacional e pelo agravamento dos efeitos internos da crise mundial. Responsabilizar o regulador pela situação catastrófica do BPN é um modo de desviar a atenção dos portugueses da verdadeira causa da crise e da corrupção nacional: o neoliberalismo e as suas políticas de privatizações irracionais. Mas o discurso da Esquerda (BE, PCP) não é compreensível de todo, até porque aparentemente deseja reforçar os poderes do Estado e defender o investimento público. Carlos Carvalhas tem toda a razão quando afirma que não se combate a crise com as mesmas políticas que levaram à crise, mas não foi politicamente consequente com essa perspectiva: o seu único objectivo foi minar a confiança dos portugueses nas reformas. O mesmo pode ser dito do discurso de Luís Fazenda. Com o único objectivo de afastar e rasgar a "imagem cor-de-rosa do governo", Luís Fazenda acusou o PS de branquear tudo, incluindo a máfia financeira, mas no caso do BPN preferiu condenar a regulação. Em Portugal, o sector financeiro cresceu cancerosamente ao abrigo da arrogância neoliberal em detrimento do aparelho produtivo. Por causa deste definhamento do aparelho produtivo - indústria e agricultura - e da confiança exagerada no investimento estrangeiro, a economia portuguesa não produz riqueza e emprego. Augusto Santos Silva estabeleceu uma ponte para um diálogo produtivo, ao reconhecer claramente a necessidade urgente de reindustrializar o país, tarefa que o governo iniciou com as apostas na tecnologia, nas energias renováveis e noutros sectores da produção nacional. Porém, as oposições unidas não estavam interessadas em discutir políticas alternativas e em fazer um balanço justo da acção governativa: a sua unidade construída contra a figura de José Sócrates visa destruir por destruir.
O paradoxo que move a oposição unida é um duplo-paradoxo: o paradoxo da Direita e o paradoxo da Esquerda, embora ambos os paradoxos sejam sintomáticos de uma ausência profunda de novas ideias que se traduz na prática política em discursos agressivos contra a pessoa do Primeiro-Ministro. O paradoxo da Direita evidencia-se na falsa construção de um discurso da verdade que se opõe ao suposto discurso da propaganda do governo. Ora, este discurso da verdade do PSD é inteiramente paradoxal: o discurso da verdade que pretende rasgar as políticas socialistas e as reformas da administração pública, da educação, da justiça e da saúde, regressando às políticas neoliberais que conduziram à actual crise económica, é um discurso falso condenado a mentir sempre que diz ser um discurso da verdade. O discurso neoliberal anti-Estado da Direita portuguesa usa e parasita o próprio Estado, como se o seu objectivo exclusivo fosse privatizar o Estado, fragmentando-o em pedaços que entrega à iniciativa privada, aliás a si mesma. Na segunda parte do debate dedicada às reformas da educação, da justiça e da saúde, Morais Sarmento reconheceu os méritos do governo, apontando uma única crítica: o PSD teria ido mais longe privatizando tudo, incluindo a Segurança Social, a televisão pública e a Caixa Geral de Depósitos. A distinção entre dois períodos da actividade governativa, os períodos anterior e posterior à crise mundial, menospreza a crise financeira e económica, o que significa incapacidade de analisar a crise e de elaborar políticas eficazes contra a crise: o PSD quer empobrecer o Estado para beneficiar os seus privados que, sem serem verdadeiramente empresários, enriquecem através do desvio tortuoso das verbas vindas da União Europeia. A Direita portuguesa quer empobrecer e emagrecer o Estado, sem no entanto abdicar do Estado: o seu capitalismo é capitalismo de Estado e, tal como o soviético ou o salazarista, é incapaz de gerar riqueza nacional e de fazer frente aos novos desafios globais. Doravante, a palavra rasgar usada por Manuela Ferreira Leite significa impedir a mudança social qualitativa: o Estado deve ser rasgado em parcelas e estas parcelas - Segurança Social, televisão pública, banca, hospitais, estabelecimentos de ensino, enfim os fundos comunitários - devem ser distribuídas pelos "amigos" dos bens públicos. Rasgar é privatizar, sem levar em conta o interesse nacional. O Estado "social-democrata" gera a sua própria "máfia financeira" que, dispensando a democracia por seis meses (Manuela Ferreira Leite), se auto-supervisiona "em rede" (Morais Sarmento), de modo a escapar à vigilância da regulação.
Os partidos políticos situados à esquerda do PS constituem verdadeiras aberrações ideológicas: o BE e o PCP não se definem por oposição à Direita, mas por oposição ao PS. Eis o seu paradoxo: em vez de combater as políticas neoliberais que produziram a crise mundial, combatem o único partido capaz de travar o neoliberalismo arrogante, abrindo assim as portas do poder político à Direita e ao capitalismo de Estado disfarçado em neoliberalismo, precisamente o neoliberalismo da máfia financeira (Luís Fazenda). Ao abdicar da perspectiva do futuro a longo prazo, o PCP e o BE rejeitam toda e qualquer matriz teórica de esquerda: "A ciência social burguesa, a economia política clássica, ocupa-se apenas com os efeitos sociais imediatamente procurados das acções humanas orientadas para a produção e para a troca. Isto corresponde na perfeição à organização social de que esta ciência é a expressão teórica. Onde quer que os capitalistas individuais produzam e troquem, na procura do lucro imediato, são os resultados mais próximos e mais imediatos que são tomados em consideração" (Engels). Partidos que não têm coragem para esboçar um projecto político global para o país são partidos que não se levam a sério. Tal como os capitalistas, os corruptos bolsistas e a máfia financeira, ocupam-se dos efeitos imediatos, dançando ao som das diversas músicas produzidas por todos os movimentos que protestam nas ruas: dançam com os protestos dos professores, dos polícias, dos magistrados, dos funcionários públicos, dos camionistas, dos farmacêuticos, dos enfermeiros, dos imigrantes e dos médios e pequenos empresários. A sua luta política limita-se a fazer eco das manifestações e dos protestos de rua, defendendo os interesses imediatos dos manifestantes, independentemente de serem razoáveis ou compatíveis com o interesse nacional. O PCP e o BE não lutam pela conquista do poder: não têm uma visão política global da economia, da educação, da justiça ou da saúde; a sua táctica consiste em colar-se às manifestações contra o governo. Praticam a oposição pela oposição e, deste modo, sem projecto político definido, a não ser a saudade de um passado fracassado, conseguem sobreviver sem brilho e sem ideias próprias capazes de moldar um futuro novo. Votar nestes partidos ditos de esquerda é o mesmo que votar na Direita reaccionária portuguesa, porque o seu oportunismo político se presta facilmente a servir os interesses dos partidos da Direita, ajudando-os a conquistar o poder através da dispersão dos votos à esquerda. Porém, as afinidades e as cumplicidades do BE e do PCP com os partidos da Direita vão mais longe: os partidos do protesto não são apenas lacaios da Direita e das suas políticas neoliberais; são estruturalmente partidos da especulação bolsista, isto é, da especulação eleitoralista e populista, que sacrificam o futuro dos portugueses, sobretudo dos mais pobres, humilhados, ofendidos e oprimidos, aos efeitos e aos interesses imediatos de grupos corporativistas que chulam o Estado e os dinheiros públicos: o PCP e o BE bloqueiam todas as reformas e todas as mudanças sociais construtivas, funcionando como partidos que zelam pela perpetuação do sistema dominante: a pobreza e o atraso estrutural ou, na perspectiva de Pacheco Pereira, a escassez de recursos e de cargos que justifica o facto dos portugueses - quais ilhéus de Dobu enfeitiçados pela magia negra - serem refractários à mudança e viverem com medo, desconfiando uns dos outros.
O exame final feito pela oposição unitária e plebiscitária à acção governativa do PS acabou por revelar a ausência de verdadeira alternativa política: o governo socialista passou, a oposição chumbou em todas as frentes das políticas nacionais. A oposição mostrou estar mais preocupada com os seus próprios interesses imediatos do que com o interesse nacional e, como demonstrou Engels, o sistema ou grupo social que procura unicamente o lucro imediato não consegue prever crises. Na sua ânsia de derrotar José Sócrates, a oposição unitária acusa o PS e o regulador daquilo que, ela própria, não conseguiu prever - a crise financeira e económica, optando pela condenação do regulador em vez dos corruptos. No entanto, na segunda parte do debate, os opositores foram forçados a reconhecer muitos méritos das reformas da educação, da justiça e da saúde, levadas a cabo pelo governo socialista. Segundo Morais Sarmento, o PSD faria todas essas reformas e melhor, porque o seu segredo reside na privatização. O vocabulário político do PSD reduz-se à privatização: privatizar a Segurança Social, privatizar a saúde, privatizar o ensino, privatizar a banca, privatizar a comunicação social, enfim, privatizar tudo. Ora, num país dominado pelas desigualdades sociais e pela tal escassez de lugares usurpados pelas mesmas figuras do sistema nacional de opressão, privatizar significa condenar os portugueses à miséria e à pobreza. Privatizar significa impedir os portugueses empobrecidos ou endividados de ter acesso à educação, aos cuidados de saúde e à justiça. Os socialistas que pensam que o PSD de Manuela Ferreira Leite ainda não tem programa de governo enganam-se: a líder do PSD prometeu aos insatisfeitos com as reformas rasgá-las e, como já vimos, rasgar significa privatizar. Não admira que tenha, numa entrevista na SICNotícias, tratado a crise económica mundial como um episódio insignificante, continuando a conjugar abusivamente o verbo privatizar, como se a crise mundial fosse o resultado da acção governativa do PS. O PCP e o BE são cúmplices desta estratégia neoliberal social-democrata: a identificação do PS e do PSD feita por Carlos Carvalhas é profundamente injusta. A cultura política do PS é absolutamente contrária a uma política irracional de privatização.
J Francisco Saraiva de Sousa

12 comentários:

E. A. disse...

Ya, n vi o debate, mas o Nuno Melo sofre de histerismo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, a oposição está muito histérica e isto porque não tem ideias alternativas. Como não há argumentos racionais, recorre-se à agressão e ao insulto! :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ainda bem que o programa vai para férias, regressando em Setembro, porque estou cansado de escutar estas figuras públicas e de procurar algum sumo nas suas ideias confusas! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Está concluído! E já está grande demais: a escolha pertence os portugueses. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ando divertido e encantado com a minha nova pesquisa, apesar de algumas dificuldades, mas vou ver se penso num tema quente para postar! A essência da luso-corrupção já perdeu graça. Conhecemos os corruptos! :(

Unknown disse...

Olá!

Pra continuar na economia politica,
que tal a cimeira do G8 e o fenomeno da globalização? tem de tudo: orgias ministeriais, hiper-media, concentrações de várias oposiçoes mundiais, violência, espectaculo... :)


http://www.youtube.com/watch?v=S6KnJ0k_u7w


0/

Unknown disse...

peço desculpa. Tava com varias abas abertas e a fazer refresh esquecendo q n tinha feito logout tsc tsc


:S

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Sr

Vou ver se faço um post sobre globalização. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, agora podem fazer pesquisa neste blogue: basta colocar uma palavra-chave e clicar, logo a seguir tem os resultados que podem ser alargados, incluindo a web. :)

E. A. disse...

Francisco essa operação já se podia fazer e em qq blog: lá em cima onde diz "search blog". :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, mas agora é mais abrangente. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

a e i o u... merda de país!