terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prós e Contras: Por dentro da Sociedade

O Prós e Contras de hoje (8 de Novembro) sondou a sociedade civil e as suas associações sociais, de modo a monitorizar o seu comprometimento na luta contra a crise que afunda Portugal no abismo da miséria negra e da fome generalizada. Porém, como seria de esperar, após mais de trinta anos de destruição do sistema de ensino e de educação e de triunfo do cartão de crédito, constatou-se mais uma vez um terrível vazio cognitivo: os portugueses já não sabem pensar, preferindo executar o jogo da mentira e do auto-engano, como se tivessem regredido ao período arcaico quando a linguagem desempenhava uma função mágica. A atrofia do pensamento e a liquidação da realidade como referência última implicam-se reciprocamente: a lingua(gem) dotada de poder mágico, ensinada e promovida pela escola e pelos meios de comunicação social, alienou os portugueses do mundo real. Os portugueses falam muito sem saber do que falam: falam por falar e acreditam que o que dizem pode alterar a realidade que a magia da linguagem sempre-já liquidou.

Os participantes deste debate - não os nomeio para não ser obrigado a identificar os alvos da minha crítica - estão de tal modo alienados da realidade, isto é, da realidade da dissolução do social, que teceram considerações sobre uma eventual economia social, como se esta pudesse vir a ser o motor de um novo tipo de crescimento económico e de desenvolvimento humano: as expressões em negrito foram pronunciadas sem serem definidas conceptualmente e articuladas pelas suas relações internas no quadro de uma teoria capaz de orientar uma praxis de mudança social qualitativa. A atrofia mental e a indigência cognitiva tornaram-se ainda mais evidentes quando alguém pronunciou outra expressão mágica: a economia do dom e da troca. A regressão cognitiva - entenda-se: as pessoas que a manifestam - já não consegue pensar para a frente: ela exige um recuo social e civilizacional. A mente primitiva deseja organizar uma sociedade à sua medida: uma sociedade primitiva organizada em função de três obrigações - dar, receber e retribuir. Os tontos - mental e cognitivamente subnutridos - pensam que podem mudar a situação ao pronunciar a palavra mágica solidariedade: a tarefa de organizar a sopa dos pobres é vista pelos próprios "voluntários" como mais uma plataforma para satisfazer os seus interesses particulares. Em Portugal, aqueles que dizem ser altruístas são profundamente egoístas: as organizações de solidariedade social são usadas para promover a ascensão social dos seus "voluntários" e não para combater realmente a pobreza. Neste sentido, a economia social visa - com o apoio de universidades decadentes - converter a pobreza numa indústria lucrativa e geradora de emprego selectivo: vestindo a pele de cordeiros, os lobos malvados querem ganhar a vida a organizar a distribuição da sopa dos pobres. Não pretendo elaborar um modelo crítico completo da economia social: detectar no seu seio a presença deste espírito oportunista, egoísta e capitalista é suficiente para mostrar que a pobreza não será abolida pela economia social que precisa dela para existir e fazer lucros. O capitalismo tardio quer gerir a pobreza que gera continuamente: o seu objectivo é lucrar com a privação dos outros que foram imoralmente excluídos da esfera pública. A prova disso reside no facto de um "economista" deslumbrado ter demarcado a "sua" actividade - a actividade da empresa onde trabalha - deste espírito de falsa solidariedade social: a solidariedade portuguesa é pura ideologia que justifica a perpetuação da miséria vigente neste país maldito e corrupto. A sociedade civil portuguesa não é suficientemente esclarecida e emancipada para protagonizar um projecto nacional para além da palermice ética: o futuro de Portugal só pode ser construído por uma vanguarda consciente capaz de operar - a partir de cima, isto é, da conquista do poder político e militar - uma ruptura radical com o sistema estabelecido. Saneamento das instituições públicas e privadas é a senha para a mudança social qualitativa.

J Francisco Saraiva de Sousa

9 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O quadro é de

Reginald Marsh: Coney Island, 1936

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Interessante o meu blog ter uma audiência vasta nos USA, Holanda, Alemanha, França, Argentina, Inglaterra e Brasil.

Infelizmente, não posso adicionar todos os serviços que são disponibilizados para promover o blog, porque ficava escravo da vida on-line.

As traduções automáticas facilitam o acesso aos conteúdos, apesar do meu estilo de escrita desencadear erros de tradução. Porém, não posso evitá-lo porque a dialéctica tal como a exerço assim o exige: não fechar os conceitos e entregar-me ao movimento real.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também estou feliz com o facto da Esquerda começar a escutar-me: a minha preocupação fundamental é renovar o pensamento de esquerda e libertá-lo da estupidez paralisante.

Um agradecimento especial à esquerda americana que me descobriu: devemos ser radicais e inconformistas!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E sem esquecer tb os republicanos que me enviam muitas notícias americanas!

É um pouco paradoxal, mas eles captaram o elemento conservador que tento desesperadamente dialectizar, de modo a evitar o naufrágio civilizacional. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O que está em questão é a minha posição em relação a Rousseau, que exerceu um profundo impacto sobre certas filosofias marxistas. O elemento conservador que percorre o meu pensamento é subtilmente anti-Rousseau. Porém, evito o confronto porque vejo na sua tese radical um enorme potencial negativo que pode levar os indivíduos selvagens a revoltar-se contra o sistema estabelecido. A revolta brutal contra o sistema seduz-me, mas não preconizo um regresso à natureza: esse regresso é o horror contra o qual luto sem tréguas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, não tenho respondido aos comentários deixados em posts passados, porque não aprecio o tom grosseiro de alguns deles, aliás um indício de indigência cognitiva. Além disso, o meu estilo não é retórico: odeio argumentos, sobretudo quando apresentados por pessoas cognitivamente vazias, e incapazes de fazer justiça à dialéctica tal como a pratico. Quando analiso um autor, faço-o para me demarcar e seguir o meu rumo... Aliás, se conhecessem Heidegger, já estariam habituados a essa violência hermenêutica, embora a minha esteja atenta à realidade efectiva.

Manuel Rocha disse...

A relação do capitalismo com a pobreza é a mesma que tem vindo a desenvolver com o ambiente: oportunista, como é da sua natureza.
Sobre a pobreza em PT tenho ideia de que quem mais fala dela nunca a viu de perto e por isso tenderá a confundi-la com com exclusão social. O problema não será tanto a falta de recursos quanto a forma como (não) são usados. Na verdade à medida que o pais tem subido nos rankings de todo o género, tb subiram os limiares de pobreza. Veja-se o relatório do INE para a pobreza 2004-2009 e percebe-se que entre os items ponderados para avaliar situações de privação material se encontra a tv a cores, o carro e o telefone ( !!!).
Quanto à solidariedade há quem lhe chame um complexo pequeno burguês do medo às palavras, como caridade. Ou uma prática de quem sente necessidade de se diferenciar pq sem isso a diferença não seria notória.

http://geracaode60.blogspot.com/2010/10/caridade-e-solidariedade-iii.html

É "mauzinho" mas obriga a pensar.

Abraço e anime-se.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Viva Manuel Rocha

Concordo, embora seja um pouco mais radical: a pobreza de Portugal deriva em grande medida da estupidez da população. Além disso, esta estupidez agravou-se nos últimos 15-20 anos: as assimetrias sociais e regionais agravaram-se.

Os dados estatísticos valem o que valem: tudo depende do desenho conceptual e, se este for idiota como é o caso, nem vale a pena consultá-los. A pobreza material - a privação, a dependência da necessidade - é bem visível, mas mais visível é a indigência mental e cognitiva dos portugueses: um povo morto para a vida d espírito. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya, solidariedade e caridade são palavras que deviam designar coisas diferentes... A caridade não resolve o problema da pobreza!