terça-feira, 22 de março de 2011

Prós e Contras: O Destino das Cidades

«Em Garden Cities of Tomorrow, Howard reintroduziu no urbanismo o antigo conceito grego do limite natural de crescimento de qualquer organismo ou organização, restabelecendo, ao mesmo tempo, a medida humana da nova imagem da cidade. Para chegar a isso, introduziu também o uso grego, que fora reformulado em termos novos por Robert Owen e Edward Wakerfield, de colonização por meio de comunidades plenamente equipadas, desde o início, para levar a cabo todas as funções urbanas. Ao congestionamento de massa e sem propósito da grande metrópole, com os seus cortiços, a sua poluição industrial e as suas jornadas cada vez mais longas para o trabalho, Howard opôs um tipo de cidade mais orgânico: uma cidade limitada, desde o princípio, em número de habitantes e densidade de habitações, numa área limitada, organizada para realizar todas as funções essenciais de uma comunidade urbana, negócios, indústria, administração, educação; equipada também com um número suficiente de parques públicos e jardins privados, a fim de guardar a saúde e manter a suavidade de todo o ambiente». (Lewis Mumford)

Fátima Campos Ferreira trouxe o debate Prós e Contras (21 de Março) até à Cidade do Porto, tendo escolhido como palco o lindo Teatro Rivoli: António Costa (Presidente da Câmara Municipal de Lisboa) e Rui Rio (Presidente da Câmara Municipal do Porto) conversaram sobre o destino das duas metrópoles portuguesas e, na segunda parte, sobre a crise política iminente. Na iminência de uma grave e preocupante crise política, promovida pela gula da Direita irresponsável que sacrifica o interesse nacional ao interesse partidário e pessoal, a escolha de dois políticos de quadrantes ideológicos diferentes - que, apesar disso, partilham ideias estruturantes - é susceptível de uma leitura política: mostrar o descontentamento e a desconfiança em relação aos principais protagonistas da crise política iminente e, ao mesmo tempo, apresentar novos protagonistas políticos capazes de interpretar correctamente o interesse nacional. De certo modo, o sentido desta leitura vai ao encontro do principal desejo dos portugueses: o desejo secreto - nem sempre bem expresso e bem tematizado - de se livrarem de José Sócrates, Passos Coelho e Paulo Portas, bem como das «alcateias» que os rodeiam. Quando definiu os dois problemas que Portugal precisa de resolver - o endividamento externo e a credibilidade política, Rui Rio reconheceu que os portugueses desconfiam da capacidade do actual regime político - uma democracia paralisada pelos interesses corporativistas - para levar a cabo as mudanças estruturais necessárias ao desenvolvimento integrado do país. Embora tenha tentado exorcizar a imagem do político como potencial corrupto, Rui Rio usou uma outra terminologia para reforçar a mesma ideia: a captura do poder político pelos interesses privados organizados implica necessariamente a existência de corrupção. O regime democrático português é medíocre, corrupto e cleptocrático e, enquanto nada for feito para pôr termo a esta situação de roubo legitimado, Portugal está condenado à miséria. António Costa usou uma bela imagem que aponta no sentido da responsabilização política dos agentes políticos que tudo fazem para promover a crise política: ao contrário das catástrofes naturais, as crises políticas são evitáveis. Apesar de ser um adepto da economia de mercado, António Costa revela aqui a sua dívida para com a filosofia marxista da história: a ordem social é histórica, no sentido de poder ser transformada qualitativamente pela praxis consciente, livre e responsável dos homens. Quando define a passagem da «pré-história» para a história como um salto qualitativo do reino da necessidade para o reino da liberdade, Marx não só afirma que são os homens que fazem a história em determinadas circunstâncias por eles não escolhidas, como também aponta para a possibilidade real da história ser feita com consciência, tendo em vista a construção de um mundo melhor. A Direita reifica - naturaliza - a história, porque não deseja mudar a ordem social vigente, moldada em função dos interesses das classes favorecidas que representa na arena política. O consenso estrutural desejado por António Costa e por Rui Rio é, face a esta circunstância política antagónica, utópico: o programa neoliberal de privatizações do PSD - e a sede irracional de poder que move os seus militantes e dirigentes - é absolutamente avesso a qualquer tentativa de mudança qualitativa da sociedade portuguesa. O BPN constitui a cristalização mais evidente da praxis política congelada do PSD. O discurso fatalista do PSD é contrário à construção de uma sociedade desenvolvida em Portugal: o fatalismo do PSD visa manter e conservar a sociedade tal como foi moldada nas últimas décadas pelos interesses privados organizados que negam o futuro aos portugueses. António Costa tem toda a razão quando afirma que o PSD pretende chumbar as novas medidas de austeridade - PEC 4 - propostas pelo governo, sem as discutir racionalmente no parlamento e propor novas medidas alternativas, para desencadear eleições legislativas antecipadas, e, no caso de as vencer, impor medidas idênticas ou medidas mais radicais ditadas pelo FMI: o que move o PSD não é o interesse nacional, mas a sede do poder. A praxis política do PSD revela a podridão do regime democrático vigente: o partido sem projecto alternativo ambiciona ser poder, não para interpretar o interesse nacional, mas para distribuir cargos pela sua clientela oportunista. A crise política assim gerada vai fazer com que as agências de rating penalizem cada vez mais Portugal. O consenso estruturante defendido por Rui Rio e António Costa deve ser alcançado pelos dirigentes políticos, competentes e sérios, que saibam interpretar o verdadeiro interesse nacional, independentemente da lógica partidária. O desenho da reforma administrativa depende do modelo de regionalização que se pretende implementar em Portugal (António Costa). A vida política portuguesa precisa de um saneamento global e a comunicação social deve ser responsabilizada pela sua degradação: a terapia linguística ensaiada por António Costa revela a morbidade do discurso jornalístico que reduz a política a um mero jogo de intrigas. Ou em linguagem do contrato social: em vez de promover o consenso ou o pacto de regime, a comunicação social portuguesa incentiva o estado de guerra de todos contra todos. A teoria democrática deve repensar o papel da comunicação social se não quiser ser surpreendida pela sua prática totalitária.

Servi-me do texto em epígrafe de Lewis Mumford para evidenciar que a teoria da cidade é, na sua essência, filosofia da história: «Cada civilização histórica, como há muito tempo mostrou Patrick Geddes, começa com um núcleo urbano vivo, a polis, e termina num cemitério comum de cinzas e ossos, uma Necrópolis, ou cidade dos mortos: ruínas chamuscadas pelo fogo, edifícios aluídos, oficinas vazias, montões de lixo sem significação, a população massacrada ou conduzida à escravidão». A desertificação dos centros históricos pode ser vista como uma consequência - ou manifestação - da pós-história: as cidades e as suas instituições firmaram um compromisso com o homem pós-histórico - essa criatura mental e cognitivamente indigente que devora o mundo como se fosse o último homem a habitar a Terra, que, em nome do controlo e do automatismo, ameaça penhorar todos os atributos da vida e da condição humana. A tarefa de descobrir uma nova forma para a cidade exige a ruptura com esse compromisso: a reabilitação dos centros históricos e o seu repovoamento abrem as portas à recriação histórica e cultural do Porto e de Lisboa. Porém, em Portugal, o abandono das centralidades históricas do Porto e de Lisboa reflecte um outro fenómeno psicológico de base que os fundos estruturais da União Europeia e o endividamento externo permitiram desabrochar em pleno num contexto de promiscuidade entre o poder político e o poder económico, como se os portugueses fossem sempre-já homens pós-históricos: o carácter saloio ou provinciano do português leva-o a assimilar o «moderno» em detrimento do histórico para afastar magicamente da consciência o seu primitivismo mental e cognitivo. O ódio nacional pela história reflecte o desprezo que o português nutre por si próprio e pelas suas criações: o saloio que não quer ser saloio veste a pele da modernidade que importa do exterior para esconder dos outros e de si próprio a sua profunda indigência interior. Por causa deste seu traço psicológico de base, provavelmente de origem neuro-genética, o português é levado a preferir a mentira à verdade: a fantasia modernista e futurista de Portugal é a grande responsável pela criação contínua da mentira organizada que somos no presente e que fomos no passado. O saloio é uma figura intemporal de todos os tempos que procura usufruir aquilo que não produz e que não conhece: a frivolidade do seu estilo de vida leva-o a exibir exteriormente aquilo que não tem interiormente. O saloio é um vazio existencial que passa pelo mundo sem lhe acrescentar mais-valia ontológica: o ódio que nutre pela história faz dele um apátrida, não tanto por não ter uma pátria, mas sobretudo por não sentir orgulho pela sua pátria e pela sua história. Por detrás da embalagem e dos adornos que exibe para os outros, não há nele nenhum vestígio de humanidade, a não ser um mero animal que se amedronta facilmente com a presença de animais hierarquicamente superiores. Para evitar um desenvolvimento teórico abstracto, vou exemplificar com duas situações sem no entanto pretender criticar os seus protagonistas: João Cepeda (Time Out) nasceu no Porto - a sua terra natal - mas vive em Lisboa há cerca de 20 anos. A sua relação com o Porto é uma relação estranha: enquanto aqui viveu nunca tinha reparado na beleza da Cidade Invicta que trocou por Lisboa. Só depois de ser atraído pelo alheio e de se tornar um estranho no Porto foi capaz de reconhecer que é agradável passear pelas ruas e praças da Invicta. A desvalorização da sua terra natal e a sobrevalização da terra alheia são traços típicos do saloio que, no fundo, tem vergonha de si próprio. Assim, por exemplo, o saloio vai a Paris e fica maravilhado com a cidade, mas o que o maravilha em Paris é aquilo que despreza nas cidades portuguesas: o seu património histórico e cultural. Quando Fátima Campos Ferreira confrontou Rui Rio com o destino do Cinema Batalha, este descartou-se da sua responsabilidade pelo património alegando que se trata de propriedade privada: quer dizer que, se os seus proprietários resolveram fazer o mesmo que foi feito no Cinema Águia d'Ouro, ficaremos apenas com as fachadas do edifício, privado da memória grandiosa da sua funcionalidade e do seu estilo arquitectónico. Ao lavar as mãos, Rui Rio negou a sua própria obra: requalificar o centro histórico do Porto e zelar pela sua memória. Porém, a perspectiva histórica da cidade revolta-se contra Rui Rio quando este condena a modernização da cidade: a conservação da memória da cidade - a reabilitação e a animação vital do seu núcleo histórico e identitário - não pode fechar-se à sua modernização permanente. A dialéctica entre o desenvolvimento e o crescimento das cidades é muito mais subtil do que a versão conservadora apresentada por Rui Rio: a noção de cidade-museu vivo fecha-se ao futuro e não se coaduna com a perspectiva urbana avançada por António Costa: Lisboa e Porto como activos de Portugal e como centros metropolitanos portadores de uma estratégia de desenvolvimento nacional e de afirmação da imagem nacional num mundo cada vez mais global. Se os portuenses e os lisboetas tivessem negado o crescimento das suas cidades no passado, não teríamos hoje um património - uma identidade histórica e citadina - a conservar: as cidades sempre souberam conciliar o antigo e o novo, de modo a não perder a batalha do futuro. É certo que os turistas estrangeiros procuram preferencialmente no Porto o seu núcleo histórico, aquele que lhe permite afirmar a sua identidade única no mundo, como disse Rui Rio, mas sem um desenvolvimento integrado de toda a cidade não podemos fomentar e garantir esse turismo cultural: a construção do metro do Porto, o alargamento do aeroporto, a criação de novos hotéis e de novos espaços de lazer, a Casa da Música, a Casa de Serralves e o Estádio do Dragão são estruturas modernas que reforçam a centralidade histórica do Porto, sem as quais a cidade não seria atractiva. A reabilitação do centro histórico do Porto - uma tarefa urgente! - não pode ser realizada à custa da sua modernização: o antigo e o novo devem ser articulados de modo a não fechar a cidade ao futuro. Com esta crítica, não pretendo denegrir a obra interessante de Rui Rio na requalificação do centro histórico, mas condenar a mentalidade de hiena das figuras labregas - os homens-chouriço - da cidade do Porto que, destituídas de inteligência e de cultura, pretendem negar o futuro aos portuenses, opondo-se à modernização da cidade e à construção de edifícios ousados. Estas figuras grotescas que pretendem gerir a identidade portuense - dando-lhe visibilidade pública - são a vergonha da Cidade Invicta. Quem não conhece no seu local de trabalho ou na sua área de acção um destes labregos que, pela sua redundância, não deixam os autarcas eleitos gerir de modo racional o desenvolvimento das cidades, como disse António Costa? A reforma do modelo autárquico proposta por António Costa e Rui Rio pode ajudar-nos a eliminar os labregos que bloqueiam o desenvolvimento de Portugal. Emídio Gomes - pró-reitor da Universidade do Porto - fez o elogio merecido da Universidade do Porto - a maior e a mais prestigiada Universidade de Portugal - que comemora hoje 100 anos (22 de Março), mas não disse que nela habitam muitos labregos que se identificam organicamente com os cargos que desempenham para abusar do poder e esconder a sua mediocridade. (A FLUP é um antro de idiotas!) Fátima Campos Ferreira devia realizar um outro debate dedicado exclusivamente à Universidade do Porto e ao seu centenário: os portugueses devem perder o medo, libertar-se da subserviência e ter coragem para denunciar os vícios e os esquemas escuros das suas instituições, porque os labregos que as dominam sabem gerir esse medo em proveito próprio e garantir assim a sua perpetuação nos cargos de decisão. O futuro de Portugal depende desta coragem de ser: a revolução mental de Portugal é a única revolução que nos pode abrir as portas do futuro neste tempo de crise que nos mergulha na bancarrota. (Além dos convidados referidos, participaram neste debate - Arlindo Cunha, Fernando Santo, Oliveira Fernandes e Tiago Farias.)

J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Se o PSD chumbar o pec 4, os socialistas devem unir-se e quebrar o psd nas eleições. Entretanto, o ps deve negar qualquer acordo prévio: o psd deve provar o seu próprio veneno e o ps deve servi-lo a frio.

A Luta continua... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O PSD quis a guerra e é a guerra que vai ter: o ps renovado pode derrubar o psd e decepá-lo. :)

A Guerra fortalece o espírito! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eu sou todinho ocidental mas no caso da Líbia já estou cansado do jogo sujo dos aliados: os USA, a Inglaterra, a França e a Itália deviam ser alvos de ataques, porque são efectivamente terroristas. Não há escolha possível entre os dirigentes da Líbia e os destes países!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Agora, depois do chumbo do pec 4, resta-nos lutar contra a direita ladra e reaccionária - a direita que quer roubar o pouco que temos.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eis os disparates do PSD: para conquistar o voto dos professores quer suspender a avaliação. Por outro lado, quer subir os impostos e o iva. Repararem: ontem votou contra o pec 4 por causa dos impostos. Porém, o pec 4 n subia o iva - o imposto mais injusto.

O PSD não está preparado para governar - não tem ideias, apenas ambição particular pelo poder. Muita fome de poder, e incompetência total.

Se o povo não for esperto e penalizar nas urnas a gula dos impreparados, vai merecer o triste destino que aí vem...

Ontem Passos Coelho era contra os impostos, hoje é a favor da subida dos impostos e do IVA. A subida do IVA vai levar as pessoas a passar fome e a andar rotas, sem roupas, e descalças... Além disso, a privatização da saúde vai deixá-las doentes: o PSD joga com a morte para gerir a segurança social.

O PSD quer assassinar os portugueses... com fome, com nudez, com miséria e sem cuidados médicos e sem educação: quer um povo ignorante e submisso aos esquemas do tipo BPN.

E já quer privatizar a RTP1! Antes da crise queria privatizar a Caixa Geral de Depósitos.

Votar no PSD é votar na miséria consentida.