terça-feira, 1 de março de 2011

Prós e Contras: À Procura de Soluções

«Conquanto seja verdade que as pessoas devem libertar-se da sua servidão, também é verdade que elas devem libertar-se primeiro do que foi feito delas na sociedade em que vivem. Essa libertação primordial não pode ser "espontânea", porquanto essa espontaneidade expressaria apenas os valores e as metas derivados do sistema estabelecido. Auto-libertação é auto-educação mas, como tal, pressupõe a educação por outros. Numa sociedade onde o acesso desigual à informação e ao saber faz parte da estrutura social, a distinção e o antagonismo entre educadores e aqueles a ser educados são inevitáveis. Os que são educados têm a obrigação de usar os seus conhecimentos para ajudar homens e mulheres a consciencializar e a desfrutar as suas capacidades verdadeiramente humanas. Toda a educação autêntica é educação política e, numa sociedade de classes, a educação política é impensável sem liderança, educada e testada na teoria e na prática da oposição radical. A função dessa liderança é "traduzir" o protesto espontâneo em acção organizada que tenha probabilidade de se desenvolver e de transcender as necessidades e as aspirações imediatas, no sentido da reconstrução radical da sociedade (portuguesa): transformação da espontaneidade imediata (dos jovens portugueses) em espontaneidade organizada (contra o poder pseudo-democrático vigente em Portugal e no resto do Ocidente)». (Herbert Marcuse) (HELMUT NEWTON IS AN ARTISTIC PHOTOGRAPHER!)

Quando comecei a ver o debate Prós e Contras de hoje (28 de Fevereiro), fiquei profundamente irritado com a escolha dos participantes do palco: figuras envelhecidas mental e cognitivamente - tais como Ferreira Machado (UNL), Alberto da Ponte (gestor da Central das Cervejas), Isabel Stilwell (jornalista), Tiago Rodrigues (dramaturgo) e Vítor Ferreira (sociólogo) - não se enquadram no espírito de revolta contra o sistema estabelecido que move a geração à rasca. Os verdadeiros rebeldes - os jovens, os estudantes universitários, os representantes das Associações Académicas e das Associações Juvenis, as gerações sacrificadas e perdidas de todos os tempos - ficaram em segundo plano, entregues à plateia formada pelos jovens e pelos desempregados "qualificados" que, no dia 12 de Março, irão dar corpo e alma à Manifestação contra a geriatria instalada que comprometeu o seu futuro para garantir a segurança quase eterna da sua triste e egoísta vida de alienados mentais. O fetichismo da arma que intimida a agressividade fálica do dominador e do opressor - patente nesta fotografia de Helmut Newton - ajuda a definir e a orientar o espírito de indignação e de revolta que se apoderou - como disse o representante da Associação Académica do Porto - de todo um país à rasca há diversas décadas: quer dizer que a Manifestação do dia 12 de Março deve aglutinar e reunir todos os insatisfeitos com o sistema vigente que lhes negou uma vida digna. O facto da plateia e dos representantes das Associações Académicas de Coimbra e do Porto terem censurado as intervenções mais conservadoras dos participantes satisfeitos com o sistema - Ferreira Machado e Isabel Stilwell, por exemplo - revela que estes jovens portugueses rebeldes compreenderam o sentido das revoltas juvenis árabes: a luta contra a ordem social vigente é uma luta persistente contra o Estado de Direito à Corrupção de uma minoria cleptocrática. A democracia não pode ser usada para inibir a luta daqueles que não se conformam com a incompetência, a irresponsabilidade, a corrupção e a cleptocracia reinantes em Portugal: os jovens devem estar armados para enfrentar e conduzir uma luta sem tréguas contra o sistema que os explora, os oprime e os menoriza. A demagogia - a conversa da treta de Tiago Rodrigues, por exemplo - não altera o curso do mundo: a construção de um mundo melhor conquista-se na e pela luta de vida ou de morte contra o sistema estabelecido que garantiu os interesses dos instalados grisalhos - sobretudo dos funcionários públicos - à custa da precariedade das gerações mais novas e de todos aqueles que recusaram sujar as mãos, vender o corpo sexuado e corromper a alma, para conquistar um lugar ao sol social. Conforme demonstrou Freud, a civilização começou quando os filhos resolveram assassinar o Pai Primordial que os privava do acesso ao prazer: o tema da revolta contra o pai é hoje extremamente actual numa Europa cada vez mais envelhecida e sem perspectiva de futuro. Mas não basta eliminar os Mubarak's deste mundo para alterar substancial e qualitativamente o mundo. Para escapar ao círculo vicioso da corrupção, é preciso ter um projecto alternativo de sociedade: a espontaneidade imediata dos jovens rebeldes deve transformar-se em movimento organizado, dotado de liderança forte e capaz de derrubar o status quo que converte as categorias de verdadeiro e de falso, de bom e de mau, de belo e de feio, em categorias da economia política, usadas pelos economistas neoliberais - os amigos dos modelos do equilíbrio que eliminam as lutas sociais dos homens e os próprios homens como agentes de transformação social qualitativa - para definir o valor mercantil dos homens e das coisas. O discurso cinzento de Ferreira Machado reflecte esta tirania da economia política - e dos gestores públicos ou privados - que funcionaliza e instrumentaliza os próprios homens em termos do seu valor mercantil. É contra esta colonização do mundo da vida pela economia de mercado que os jovens europeus devem lutar, e esta luta é já uma luta política.

O texto de Marcuse que aparece em epígrafe foi escolhido para destacar o meu total desacordo com as análises realizadas pelas figuras centrais - as do palco, as do sistema vigente, as do pensamento único - sobre a situação de precariedade das gerações mais novas e das gerações anteriores sacrificadas. Ao constatar as divergências políticas existentes entre os jovens, Fátima Campos Ferreira colocou inadvertidamente o dedo na ferida. A clivagem primordial não é tanto entre aqueles que aceitaram oportunisticamente o paternalismo culpado das figuras centrais - os jovens reaccionários que se identificam visceralmente com os opressores, sendo portanto candidatos a futuros opressores - e aqueles que se rebelaram energicamente contra esse mesmo paternalismo castrador, mas sobretudo entre aqueles que ainda não se libertaram dos valores e das metas do sistema estabelecido, sendo portanto presas fáceis do pensamento único ou unidimensional, e aqueles que, já libertos dessa prisão através da auto-educação política para a liberdade, estão preparados para transcender a sociedade estabelecida e construir uma nova sociedade sem repetir os mesmos erros da geração grisalha maldita. Por causa destas e de outras clivagens, os teóricos radicais não confiam muito no potencial libertador e revolucionário dos movimentos espontâneos de protesto. Os discursos da socialização optimista (Vítor Ferreira), da geração mimada (Alberto da Ponte) ou dos pais terem frustrado pouco os seus filhos (Isabel Stilwell), educando-os no facilitismo gratificador que atrofia os órgãos mentais e cognitivos, são prisioneiros da tirania do pensamento único, precisamente aquele pensamento totalitário que atrofiou a imaginação produtiva que sonha mundos melhores, como se a sociedade capitalista fosse uma fatalidade natural sem alternativas históricas possíveis. Embora não sejam completamente falsos, podendo vir a revelar momentos de verdade da totalidade social em movimento quando inseridos noutra matriz teórica, estes discursos são profundamente conservadores, no duplo-sentido de não serem capazes de transcender a ordem social estabelecida que condena todos à precariedade do recibo verde e à pobreza envergonhada e de reduzirem a espontaneidade dos jovens a uma mera luta reivindicativa. Penso que a desconfiança dos teóricos radicais incide basicamente sobre o escasso valor libertador das lutas reivindicativas: aqueles que se limitam a reivindicar um mero lugar na sociedade estabelecida, como foi o caso de Tiago Rodrigues neste debate, aceitam não só a estruturação dessa sociedade que os condena à servidão, como também aquilo que ela fez e faz deles, meros valores ou zombies mercantis colocados ao serviço de uma economia que sacrifica tudo e todos no altar sagrado do lucro e da eficiência da gestão económica do mundo. Capitalismo, por um lado, e dignidade humana e vida sem angústia, por outro, são coisas incompatíveis, como demonstra a experiência histórica desde a crise de 1929. Para se libertarem da escravidão, os jovens devem primeiro libertar-se do opressor interiorizado e perder o medo que tolhe a mente rebelde: esta libertação primordial exige, como afirmou Marcuse, auto-educação política que pressupõe a educação por outros. Ora, é neste terreno da educação por outros e da qualidade dessa educação que os estudantes universitários devem encetar a crítica radical do modelo de Bolonha, o coveiro do espírito universitário. Quando na plateia soaram vozes a chamar "mentiroso" a Ferreira Machado, os jovens rebeldes mostraram desconfiar da qualidade da educação administrada pela maior parte dos professores universitários que lançam os seus alunos na mobilidade infinita sem garantias em nome de um ensino generalista, do ajustamento entre universidades e empresas e da mobilização global do capital. Eles aconselham os seus alunos - para os filhos há a cunha! - a fazer aquilo que eles próprios nunca fizeram: chegar aos 40 anos - sobretudo os bolseiros - sem nunca terem tido um emprego seguro que lhes permitisse - sem a ajuda dos pais - planear a sua vida futura. Nessa altura, os velhotes sem vergonha na cara dirão que já são demasiado velhos para trabalhar: sacrificar a vida dos outros é o seu lema favorito de vida. A escalada dos diversos ciclos universitários é uma espécie de adiamento indefinido da vida: a colecção de títulos universitários de valor duvidoso é pura perda de tempo e, quando as pessoas tomam consciência disso, já é demasiado tarde para viver a vida. Em Portugal, por causa de razões especificamente nacionais, as pessoas de mérito de todas as gerações são privadas da vida: os jovens de todas as gerações do país à rasca devem escolher entre a luta reivindicativa que não altera nada e a luta política que visa a reconstrução radical da sociedade portuguesa. A decisão cabe aos jovens e aos portugueses! A teoria crítica pode orientar a praxis de transformação do mundo, mas - infelizmente - não pode fazer aquilo que compete aos homens auto-libertos fazer: organizarem-se sob uma liderança forte para operar efectivamente o salto qualitativo. Deixo-vos com este enunciado clássico do marxismo revolucionário: a esmagadora - e obscena - riqueza do capitalismo provocará o seu próprio colapso. De resto, uma miragem para a esmagadora maioria dos homens que vivem presos à esfera da necessidade.

J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Prometo não aperfeiçoar mais este comentário! :)

Bruno Silva Matos disse...

não concordo com a parte do Dramaturgo que penso ter defendido bastante bem esta geração e criticado de forma justa e bastante pertinente o modo como as coisas vão

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Talvez tenha sido um pouco duro com o dramaturgo! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Helmut Newton is an artistic photographer!

HELMUT NEWTON IS AN ARTISTIC PHOTOGRAPHER!

HELMUT NEWTON IS AN ARTISTIC PHOTOGRAPHER!

HELMUT NEWTON IS AN ARTISTIC PHOTOGRAPHER!

DANIEL BRUMANO disse...

Bacana sua crítica. Este texto de Marcuse que citou foi tirado de qual obra?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Revolta e Contra-Revolução.