terça-feira, 7 de junho de 2011

Prós e Contras: Vontade de Vencer

Infelizmente, hoje (6 de Junho) o debate moderado por Mário Crespo na SICNotícias distraiu-me e, quando mudei de canal para assistir ao Prós e Contras, fui confrontado com a figura de Fernando Ruas que desencadeia em mim o movimento quase-instintivo de afastamento até alcançar a distância suficiente para não escutar a sua voz irritante. E, como tinha sido criticado por umas moléculas pseudo-esquerdidas - isto é, "pensionistas" que sugaram o Estado Social sem lhe dar nada em troca - da Universidade do Porto, resolvi contra-atacá-las. Porém, enquanto fazia esta guerra privada, comecei a escutar outras vozes não-autárquicas, o que me levou a prestar mais atenção ao debate moderado por Fátima Campos Ferreira. Além do painel do autarca Fernando Ruas, do qual faziam parte Poças Martins (Águas do Porto), António Arnaut (Serviço Nacional de Saúde) e Ribeiro Mendes (Segurança Social), havia outro painel de pessoas ligadas à economia: António Nogueira Leite, Campos e Cunha, Luís Nazaré e Carlos Carvalhas. Da intervenção deste segundo painel retenho o conceito de economia de rendas avançado por Nogueira Leite. Como é evidente, a crítica do que é torna-me todo ouvidos e este conceito de Nogueira Leite tem um grande potencial crítico. Porém, o debate não permitiu o seu desenvolvimento e explanação, o que me deixou triste, até porque gosto de aprender novos modos de ver o mundo, em vez de permitir que me aluguem os ouvidos com debates sobre o sexo dos anjos. O potencial crítico do conceito de economia de rendas reside na sua capacidade de denunciar uma situação existente que, em Portugal, tem sido quase uma constante ao longo da sua história: a articulação entre o elemento capitalista e o elemento feudal num só conceito possibilita definir o atraso estrutural e histórico de Portugal e, ao mesmo tempo, apreender as forças de bloqueio que travam a sua descolagem. A economia de rendas que agrava constantemente as desigualdades sociais e regionais e a corrupção caminham de mãos dadas: a perspectiva de Guerra Junqueiro sobre o papel do Estado português e sobre a história de Portugal como uma sucessão contínua de biografias - a marcha triunfal dos carrascos portugueses! - adquire uma outra força teórica e política quando articulada com o conceito de economia de rendas. Mas o potencial crítico do conceito de economia de rendas vai mais longe: a crítica da economia de rendas aponta na direcção da sua superação histórica: ela critica o mal-existente em nome do que ainda não é mas que devia ser. A crítica económica converte-se assim em crítica política.

A cautela e a preocupação profunda demonstradas pelos participantes, pelo menos pelos participantes mais responsáveis, não me permitem avançar muito mais no comentário económico: partilho a prudência e o distanciamento crítico de Nogueira Leite, Campos e Cunha e Luís Nazaré, bem como algumas preocupações de Carlos Carvalhas. A brilhante ideia de Fátima Campos Ferreira de constituir dois painéis teve em vista evidenciar as contradições da sociedade portuguesa: o painel a que deu rosto Fernando Ruas não quer mudar nada. A culpa pelo mal-existente está sempre no departamento ao lado, mas nunca no seu próprio departamento: as Autarquias e as empresas municipais, a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde não podem, segundo o partido dos instalados, sofrer mudanças qualitativas. Quando mencionei a minha pequena guerra privada, fi-lo para evidenciar um estado de alucinação nacional que é transversal a todos os partidos políticos. Independentemente de serem de Esquerda ou de Direita, os portugueses acreditam na existência de uma economia mágica, capaz de financiar indefinidamente os seus miseráveis universos privados de consumo. O facto dos portugueses abraçarem o pensamento mágico - um fenómeno cognitivamente regressivo - revela desde logo o fracasso total das políticas da educação e da cultura, e este fracasso tornou-se particularmente visível na participação dos jovens da plateia: a sua única preocupação é conservar uma situação que lhes garanta a capacidade infinita de devorar o mundo. É preciso compreender que estes jovens foram endoutrinados e formatados no e pelo pensamento único: a sua capacidade crítica foi completamente atrofiada e tolhida, até porque nunca adquiriram na universidade conteúdos objectivos de conhecimento. Na minha pequena guerra privada, quando a dada altura falei dos anos 60, as minhas "colegas" - supostamente socialistas que votaram no PCP - interpelaram-me dizendo que não conhecia os anos 60 porque não os tinha vivido ou presenciado: o "conhecimento" é reduzido àquilo que cada um de nós pode observar durante o seu breve ciclo vital: quer dizer que tanto os portugueses mais jovens como os portugueses mais velhos, incluindo aqueles que ensinam nas universidades, reduzem todo o "conhecimento" ao conhecimento pessoal, como se vivessem num eterno presente queimado no ciclo infindável de trocas metabólicas com a natureza e com outros homens, ciclo esse subsidiado e garantido pelo Estado-Papá. O neoliberalismo conseguiu atrofiar a consciência histórica: a recusa da esfera da possibilidade na esfera da necessidade visa apresentar a ordem social estabelecida como uma ordem natural. A consciência reificada não é apenas um traço dos indivíduos de Direita: a Esquerda estabelecida sofre dessa mesma enfermidade quando justifica a suposta ordem natural através da ideologia dos Direitos Humanos, fechando assim as portas à mudança social qualitativa. O Estado Social, pelo menos tal como está amplamente definido, é um cancro que invadiu o mundo ocidental. A sua defesa em nome da velha ideologia burguesa dos Direitos Humanos é filosófica e politicamente insuportável. Se no passado heróico da burguesia ascendente a ideologia dos Direitos Humanos foi revolucionária, ela é hoje conservadora e reaccionária: vidas garantidas pelo Estado são vidas improdutivas e inutéis que, após terem abolido o trabalho e o esforço do seu pobre vocabulário, se entregam sofregamente ao labor e à missão de devorar o mundo. Ao assumir a ideologia do adversário de classe, a Esquerda torna-se conservadora e reaccionária, sacrificando a "emancipação" para garantir as regalias sociais ou os chamados direitos adquiridos daqueles grisalhos incompetentes - e dos seus descendentes através do sistema da cunha - que emergiram com o 25 de Abril. Embora esteja comprometido na luta pela conservação do Serviço Nacional de Saúde, com abertura a melhoramentos qualitativos pontuais, não concordo com a defesa que dele fez António Arnaut, excepto na ideia de que a saúde não deve ser tratada como uma "mercadoria". Defender hoje os Direitos Humanos como fundamento da política é defender o status quo - o Grande Hotel do Conforto instalado à beira do abismo (Georg Lukács) - e os seus pensionistas privilegiados que nunca arriscaram a vida por uma causa nobre: sacrificar o futuro de Portugal para manter o conforto destes pensionistas improdutivos é hoje um crime. Uma certa dose racional de angústia liberal não faz mal a Portugal. As contradições da sociedade portuguesa não são contradições dialécticas, o que quer dizer que, num país fechado à mudança qualitativa, precisamos ser um pouco "bin-boys" e usar a força do poder para libertar Portugal desses portugueses que usam os Direitos Humanos para justificar e perpetuar os seus privilégios à custa da miséria da esmagadora maioria dos portugueses. As medidas neoliberais mais radicais do memorando da troika - o nosso programa de governo super-visionado - deviam incidir exclusivamente sobre esta ampla casta de portugueses que mergulhou Portugal no abismo. Não há nada mais injusto do que distribuir de modo equitativo os sacrifícios! E, no entanto, a ideologia dos Direitos Humanos procura justificar esta injustiça! Afinal, direitos humanos de quem? Dos instalados e - facto paradoxal! - dos seus animais domésticos, evidentemente! Os instalados estéreis preferem salvar um cão abandonado do que uma criança órfã, tal é a dimensão do seu egoísmo agressivo! Entre o explorador e o explorado, o rico e o pobre, o empregado e o desempregado, o instalado e o desinstalado, o velho e o novo, o opressor e o oprimido, não há beijo possível - nem sequer com a mediação do Vinho do Porto! Desmamar os instalados: eis o lema da Grande Política em Portugal! (Photo: Um cartaz do Vinho do Porto, Ribeira, OPorto.)

J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou com dores de cabeça: vou tomar um café.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, já deu para perceber que começo a ser coagido pela minha nova filosofia da história. Porém, a minha familiaridade com o paradigma teórico anterior exerce ainda resistência, mas começo a seguir o meu próprio caminho numa linguagem ainda vacilante, pelo menos nalguns momentos.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou surpreendido: pela primeira vez, tenho a audiência espanhola em 3º lugar e, desta vez, à frente dos USA.