terça-feira, 4 de outubro de 2011

Prós e Contras: A Reforma do Poder Local

«À pergunta liminar - se o ensino deve ser filosófico - respondo enfaticamente que sim. Em meu juízo, a ideia de que dissocio educação e filosofia só pode ocorrer aos indivíduos, ou pouco atentos, ou que consideram esta última sob um aspecto demasiado abstracto, não na sua parte mais humana, onde a actividade filosófica - da mais viva origem e do mais largo interesse - implica com necessidades sociais e é uma teoria da educação. /A filosofia, estritamente, só se origina no momento em que a crise da Cidade acarreta a crise da Educação...» (António Sérgio)


Prós e Contras debateu (3 de Outubro) a reforma do poder local, tendo como convidados principais Miguel Relvas (Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares) e Fernando Ruas (Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses), além de um vasto leque de representantes do poder municipal. Como seria de esperar - afinal estamos em Portugal! -, o poder local falou praticamente a uma só voz, opondo-se à reforma do poder local. A primeira impressão deste debate diz-me que o poder local parece funcionar como uma rede de dependências que se serve da solidariedade social para justificar o injustificável. Um só exemplo: um Presidente de Junta de Freguesia contou que hoje um indivíduo de 35 anos foi ter com ele para lhe dizer que tinha tentado suicidar-se e ele, como bom-samaritano que é, em vez de contactar alguém que lhe pudesse arranjar um emprego, reconduziu-o a um psiquiatra. Eis um exemplo de como alguns presidentes de juntas resolvem os problemas das populações da sua freguesia. Outro bom exemplo é aquele em que constroem piscinas ou pavilhões multiusos numa freguesia ou num município do interior envelhecido e desertificado. Oh, estou a ser duro: coitadinhos dos velhinhos e do meio rural que abandonou a agricultura para viver da solidariedade nacional. E o que pensar das inúmeras rotundas construídas nas pequenas e médias cidades do interior? Há uma ideia que não deve ser esquecida quando se luta pelo desenvolvimento do país: as zonas ou regiões mais avançadas de Portugal não podem ser sacrificadas para socorrer as zonas ou regiões improdutivas e parasitárias. Convém aceitar de uma vez por todas o carácter desigual do desenvolvimento no contexto do capitalismo: privar as zonas ricas do dinheiro para o distribuir pelos improdutivos empobrece o próprio país, tirando-lhe toda a competitividade. O regime de solidariedade nacional mergulhou-nos no abismo e o problema da pobreza, em vez de ser resolvido, agravou-se. As dificuldades sentidas no Norte - a região mais produtiva de Portugal - resultaram dessa política fraudulenta de empobrecer o Norte para enriquecer falsa e fraudulentamente o Sul que, pelas características endógenas das suas populações, carece de vocação para o desenvolvimento. Vejam o caso da região autónoma da Madeira: o betão de Alberto João Jardim trouxe riqueza ao país? Não: o que trouxe foi endividamento e pobreza. Os três poderes - o central, o regional e o local - não contribuíram para o desenvolvimento nacional: solidariedade social não é desenvolvimento cultural e económico. E, no entanto, os madeirenses votam constantemente em Alberto João Jardim: deve ser "bom" viver à custa dos outros! Os portugueses não pensam em termos nacionais e, por isso, não conseguem dar uma resposta adequada aos desafios da globalização. As poucas plataformas de desenvolvimento existentes em Portugal foram - nas últimas décadas - desmanteladas para alimentar a improdutividade nacional: a inveja patológica dos portugueses reproduz a própria pobreza que se tornou evidente quando as torneiras de financiamento externo se fecharam. Associado à inveja patológica, desenvolve-se o espírito de imitação tão típico dos portugueses: o resultado é a indiferenciação. A monotonia das paisagens lança-nos fatalmente na indiferenciação e na miséria material e mental.


O problema nº. 1 de Portugal é fundamentalmente um problema de desenvolvimento: primeiro, de desenvolvimento cultural das suas populações e, segundo, de desenvolvimento económico. Estas duas facetas do desenvolvimento implicam-se reciprocamente. Em Portugal, o que trava o desenvolvimento económico são os próprios portugueses. A tese que tenho estado a defender pode ser enunciada do seguinte modo: era mais fácil transformar qualitativamente Portugal antes de 25 de Abril do que depois de 25 de Abril. Visto a esta distância e à luz da actual situação de crise nacional, o 25 de Abril foi uma catástrofe nacional. Hoje, graças à pseudo-educação que temos, os portugueses funcionam como empata-mudanças: o seu arcaísmo mental é de tal modo assustador e medonho que os reformadores só podem fazer reformas contra os portugueses, de resto bem personificados na triste figura de Alberto João Jardim. Não adianta tentar neutralizar-me, alegando que a minha tese branqueia o fascismo: conheço bem o atraso gerado pela ditadura do Toni, mas o que lamento mais é o facto do regime pós-25 de Abril nos ter lançado no abismo, como se a democracia não pudesse germinar em solo português. E, de facto, a democracia deixa de funcionar quando se converte em regime social. O ministro parece estar ciente de que as reformas estruturais não podem ser implementadas com a ajuda dos portugueses: o Livro Verde merece ser meditado e discutido publicamente. Os autarcas disseram concordar com os seus princípios gerais, mas nenhum deles foi favorável à agregação ou fusão de freguesias. Em nome do princípio das assimetrias regionais e, claro!, da solidariedade nacional, defenderam que essa agregação deve ser levada a cabo nas grandes cidades, Porto e Lisboa, cujos representantes locais não estiveram presentes neste debate. Em suma, lá onde existe um excesso de freguesias, precisamente no interior do país, eles não as querem reduzir; pelo contrário, exigem mais dinheiro para prestar serviços de solidariedade social às suas populações, como se os portugueses dos grandes centros urbanos fossem imensamente ricos para sustentar todo um país improdutivo que quer continuar a viver acima das suas possibilidades. É preciso mudar de vida, disse o ministro, mas ninguém quer mudar de vida. Afinal, a vida fácil é preferível à vida de trabalho! Os portugueses aprenderam a viver sem ter trabalho e não querem abdicar desse estilo de vida parasitário que nos arruinou a todos. Luís Filipe Menezes fez uma proposta mais ousada: a fusão dos municípios do Porto e de Gaia. Não se trata aqui de uma agregação de freguesias, mas sim de uma fusão de municípios, tendo em vista construir a maior cidade da Península Ibérica, o Grande Porto. Esta fusão - se fosse realizada já amanhã de manhã - criaria uma enorme plataforma de desenvolvimento do Norte e a nós o que nos interessa é gerar riqueza. É por isso que concordo com o autarca de Viana do Castelo quando, em vez da fusão de freguesias, propôs a discussão do projecto de regionalização, uma reforma estrutural radical capaz de promover o desenvolvimento nacional continental. Neste aspecto, os autarcas têm razão: a Reforma do Estado não precisa passar pela reforma do poder local. Aliás, a reforma do Estado para ser bem feita precisa estar articulada organicamente com um projecto de desenvolvimento nacional, sem o qual nunca poderá ser uma reforma estrutural. As reformas estruturais só fazem sentido à luz de um grande projecto de desenvolvimento nacional efectivo que não sacrifique o Norte para alimentar um país improdutivo e parasitário. É isto que este governo de Passos Coelho não compreende: a sua obsessão pela figura do "bom aluno", submisso aos ditames irracionais da troika, não nos vai livrar do atraso estrutural; pelo contrário, poderá vir a ter como resultado final a catástrofe-ocaso de Portugal. O governo de Passos Coelho não tem um projecto de desenvolvimento cultural e económico para justificar os terríveis sacrifícios que está a impor tiranicamente aos portugueses, privando-os do direito à revolta. O ministro deseja que o PS se comprometa com as políticas de austeridade do seu governo. Francamente, Senhor Ministro, como pode exigir ao PS aquilo que o seu partido não lhe deu quando era governo? O PS está na oposição e é como partido da oposição firme e dura que se deve comportar. O elogio ministerial da obra de autarcas do PSD - as autarquias mais corruptas que conhecemos são do PSD! - revela a incapacidade deste partido de assumir a sua responsabilidade pela crise nacional. Ontem não havia crise externa, a responsabilidade era toda de José Sócrates, hoje que o PSD é poder quer silenciar-nos para que os mercados externos não nos ouçam. A ausência de ideias e de crítica é fatal para o futuro de Portugal. E, neste aspecto, penso que os portugueses - apesar de tudo! - não querem ser novamente amordaçados.


J Francisco Saraiva de Sousa

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Está em construção! Estou com sono!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Está concluído - cansei de pensar! :))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Que giro! Só agora vi com olhos de ver que os metralhas vestem uma camisola laranja. Coincidência inteligente! :)

Antonio Almeida Felizes disse...

Caro J Francisco Saraiva de Sousa,

Dada a temática abordada, tomei a liberdade de publicar parte deste seu "post", com o respectivo link, e autor no
.
Regionalização
.

Cumprimentos

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Caro António Almeida Felizes

Obrigado por partilhar este texto! Já tinha visto e apreciei - a luta pela regionalização. :)