sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Uma questão do avaliador consigo mesmo ou...

Marginal do Porto
... Da actividade paranormal de mamãs-coruja

Na minha Escola, a Avaliação docente revelou a existência de uma comunidade científica, pedagógica e cultural que eu desconhecia totalmente, mas o problema será meu, que já faço parte da mobília, ficando muito feliz, pois (aqui integrado) posso aprender muito. Como disse um dia Agustina, «a cidade em que vivemos é a que pior conhecemos». As línguas da sogra (que más as há sempre) dizem que se distribuiu a excelência por todos, mas agora já sou eu a dizer: num concurso entre relatores mamãs-coruja a ver qual deles dizia melhor da sua «linda» cria. Outros colegas usaram (por outras palavras) metáforas de um banquete de leões famintos, outros (por outras) de um concurso de Cantares provincianos, em que ganham sempre os filhos da terra, outros (ainda por mais outras) de um torneio de chicos espertos, jogando ao burro.

Pesoalmente, gostaria mais de ver citado o poema de Mário Cesariny

"Pastelaria":


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.

Decerto haverá outras Escolas de excelência, como a minha, em que notas de 9,5 (num tecto de 10) fizeram cair em Bom o avaliando, o que nos deveria a todos entristecer, pois trata-se de um «professor de referência» (na minha escola, há cerca de 50 professores desta categoria ímpar, mais os outros que não tiveram aulas assistidas, entendida aquela restritivamente num jogo de pares, de mim para ti). Uma vez mais, admito que o problema seja meu, pois não acredito freudianamente na excelência da classe (como se sabe para Freud, havia três impossibilidades: a de Pai, e os outros iguais: professor e presidente, salvo erro). Acho que todos nós somos humanos e nos devemos sempre cultivar, estabelecendo obras novas e abertas com os alunos, que nos vão sendo diferentes. Embora cada vez mais o meu maior prazer vá de mim para com os livros que a mim tornam. Coisas da idade...

Esta avaliação, no terreno, revelou aquilo que há de mais profundamente nosso, nesta adaptação livre do grego, da fábula da águia e da coruja de Esopo. Dispensando a águia, esta avaliação relevar-se-ia uma questão do relator consigo mesmo, dependente do seu livre arbítrio de mamã-coruja, de uma cegueira da razão (total, nalguns casos de avaliação em 10 ou valor aproximado, assim se demitindo de avaliar). Uma demissão seguida de outra, já que a comissão de avaliação de desempenho também se demitira do seu papel, sem fazer o trabalho de casa: não regulamentou a montante, apenas podendo, a jusante, cumprir uma espécie de lava-mãos de Pilatos, no Evangelho de S. Mateus.

Justiça cega, sem orientação no meio do caos que permitiu instalado.

Vitorino Almeida Ventura (Professor e autor do texto que publico a seu pedido.)

5 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Texto excelente! É preciso criticar o sistema que nos nega a vida! :)

vitorino almeida ventura disse...

Ainda bem que gostaste, Francisco.

A avaliação, que deveria ser feita por 2 entidades, acabou por centrar-se, com a demissão das 2, na bondade do avaliador, o mesmo é dizer: no seu fundamentalismo islâmico.

VAV

Post Scriptum: onde se lê «Outros colegas usaram (por outra palavras)» de via ler-se «Outros colegas usaram (por outras palavras)» e onde se lê «já que comissão de avaliação de desempenho» devia ler-se «já que a comissão de avaliação de desempenho».

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vitorino

Disseram-me no facebook que nos Açores a avaliação foi suspensa e que, para todos efeitos, não é igual à do continente, graças ao César! Confesso que não estou a par do assunto: acho que os professores não se devem demitir da sua verdadeira missão.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pois, esse fundamentalismo islâmico estraga tudo... E como vamos combatê-lo? A crise pode ser uma janela de oportunidade - para melhor a qualidade do nosso ensino de cima a baixo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

melhorar*

PS: Já corrigi... :)