sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O Eclipse da Democracia

Desde a queda do Muro de Berlim, as democracias ocidentais estão a converter-se em oligarquias, dominadas por novas classes políticas que, através de partidos de poder pouco transparentes e profundamente corruptos, açambarcam o poder político, de modo a garantir a salvaguarda dos seus «direitos adquiridos» e dos seus interesses privados, em detrimento dos interesses gerais do povo. Elas governam burocraticamente, abusando de uma linguagem técnica, recheada de estatísticas abusivas e falsas. Manipulam indecentemente o eleitorado e a «opinião pública» e comportam-se como «ordens feudais». O sistema político refeudalizado fecha-se em si mesmo, ignorando e desprezando o seu exterior, como se este fosse uma massa amorfa que pode ser facilmente moldada e manipulada, com a ajuda dos meios de comunicação social.
Abraham Lincoln definiu lapidarmente a democracia como o «governo do povo, pelo povo e para o povo». Isto significa que a democracia é aquela forma de governo na qual o povo não é apenas o sujeito passivo (governado), mas também o sujeito activo (aquele que governa) e visando isto o bem de todo o povo (sujeito-fim).
É habitual distinguir-se entre a democracia directa, aquela em que o povo se governa a si próprio sem intermediários, cujo exemplo mais puro é o da democracia ateniense, e a democracia representativa, aquela na qual se diz que o povo governa no sentido de que é o povo que nomeia periodicamente os seus representantes para que estes desempenhem as funções públicas por si mesmos. No entanto, na democracia representativa, o povo dispõe ou deve dispor de meios para obrigar ao cumprimento da sua «vontade», de modo que os eleitos sejam realmente «representantes».
Mesmo neste sentido mais formal, portanto menos substancial, a democracia representativa não está a funcionar nada bem nos países ocidentais: os eleitos e as forças partidárias que os apoiam fazem promessas eleitorais que não cumprem, nem pretendem cumprir. O objectivo destes novos lideres europeus é simplesmente conquistar o poder e, uma vez conquistado, dar emprego aos quadros dos seus partidos e/ou amigos dos seus círculos. Dada a sua falta de competência e de cultura, consequência de más políticas da educação e do ensino, estes novos lideres carecem necessariamente de imaginação política e, por isso, adoptam políticas burocraticamente definidas para resolver problemas burocraticamente colocados, deixando escapar a essência dos verdadeiros problemas sociais. Embora eleitos por um povo publicitariamente manipulado, eles não governam para o povo, mas para si próprios, impedindo a participação do povo na sua própria governação. Os direitos de cidadania não são mais respeitados e os cidadãos são habilmente desencorajados a participar na esfera pública. Eles, os colarinhos-brancos da economia, do direito e da engenharia, reduzem toda a esfera pública a si próprios. Isto não é democracia em nenhum sentido do termo, mas absolutismo oligárquico, dominado por homens destituídos de formação cultural que ameaçam realmente o espírito que move a Civilização Ocidental.

Estamos a assistir ao eclipse da democracia no Ocidente, em particular nos países que formam a União Europeia. O projecto da União Europeia que sempre foi um projecto filosófico converteu-se num projecto burocrático, tecido por mentes incultas, movidas por interesses obscuros. Os europeus deixaram de acreditar nos seus políticos e na política. No entanto, em vez de se revoltarem contra o sistema de corrupção generalizado, afastam-se da esfera pública, entregando-se ao consumismo compulsivo e reivindicando mais direitos ao consumo. Tal como os políticos, perderam completamente o bom senso e o espírito crítico e, por isso, deixam-se tratar como gado.
Apesar destes sinais preocupantes de eclipse da democracia, o desenvolvimento tecnológico, em particular as novas tecnologias da comunicação e da informação, possibilitam novos tipos de participação política. Assim, por exemplo, na blogosfera, aqueles cidadãos que geralmente evitam a política começam a interessar-se por assuntos públicos, manifestando as suas opiniões e debatendo-as com os outros. A blogosfera é, pois, um novo espaço público virtual, no qual todos podem participar livremente e conversar sobre os problemas que incomodam o mundo, sem serem constragidos. No fundo, a blogosfera como «grande conversa sobre o mundo» permite a repolitização e a consciencialização dos cidadãos, criando uma democracia electrónica, cujo modelo se encontra na democracia ateniense. Esta nova esfera pública repolitizada constitui uma forma de democracia directa e participativa e, como tal, pode ser utilizada para garantir a qualidade da democracia representativa.
(Este post poderá vir a sofrer alterações substanciais ou mesmo ser substituído por novos posts. Por isso, deve ser encarado como um exercício de imaginação política que se clarifica através do diálogo.)
J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

Helena Antunes disse...

Muito bom texto este, excelente mesmo!

De facto, a democracia representativa não está a corresponder aquilo que o povo mais desejaria, o povo não sente que os seus representantes façam o melhor por eles. O político é visto como aquele que promete e não cumpre.
E infelizmente o que temos vindo a assitir é que as pessoas cada vez menos vão votar, pois não vêem credibilidade nos seus polítcos. E isto é muito mau...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também gostei do seu texto sobre terrorismo. Afinal, estamos a trabalhar para alterar o sistema.

Helena Antunes disse...

O texto sobre terrorismo foi escrito por um amigo meu formado em Relações Internacionais. O tema foi também por ele escolhido o qual achei da maior pertinência.

Abraço!