sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Xenofobia: Um Conceito Científico?

A noção de xenofobia não tem qualquer estatuto epistemológico. Apesar de ser usado frequentemente, o seu conceito ainda não foi elaborado e, por isso, é usado em diversos contextos, articulando-se quase sempre com o racismo e o nacionalismo. É curioso observar que tanto o CID-10 como o DSM-IV-R omitem esta fobia ou «aversão aos estrangeiros». Isto significa que este tipo de medo dos estrangeiros ainda não foi classificado como uma perturbação mental e, deste modo, não aparece classificada nessas obras entre as restantes fobias, ou, pelo menos, constitui uma reacção não considerada preocupante em termos de saúde mental.
As fobias são medos irracionais e persistentes de um objecto, actividade ou situação específica. Alguns destes medos carecem de justificação na realidade, outros são maiores do que seria justificável. As fobias foram classificadas em três grupos, em função do tipo de situação que provoca medo:
1. Agorafobia. O seu principal sintoma é o medo de estar em ambientes públicos, dos quais seria difícil de escapar, se o indivíduo se tornasse subitamente ansioso. É, portanto, um medo de ficar com medo, geralmente associado a um medo de ficar sozinho num espaço público, sem ter outra pessoa a quem recorrer. As pessoas que sofrem de agorafobia fazem tudo para evitar o contacto com grandes grupos de pessoas e, por isso, preferem ficar confinadas nas suas casas e sair muito pouco. A maioria dos pacientes com agorafobia é do sexo feminino e inicia-se geralmente no começo da vida adulta.
2. Fobia Social. A fobia social resulta também de uma evitação de grupos, mas, ao contrário da agorafobia, que se originava de um medo vago de perder o controle, a fobia social origina-se de um medo de ser criticado. A pessoa que sofre de fobia social tem um medo irracional de se comportar de forma constrangedora e, deste modo, ser criticada pelas outras pessoas presentes. Ela evita o contacto com pessoas para evitar a crítica. Aqui reside a sua fonte de ansiedade. As fobias sociais são igualmente comuns nos homens e na mulheres e tendem a iniciar-se na adolescência.
3. Fobia Específica. Uma fobia específica envolve um medo irracional em relação a um objecto ou situação diferente de multidões (agorafobia) e de crítica pessoal (fobia social). Surgem geralmente na infância ou muito cedo na vida adulta e, quando não tratadas, podem persistir. Alguns exemplos de fobias específicas são os seguintes: acrofobia (medo de lugares altos), algofobia (medo das dores), astrafobia (mede de tempestades), claustrofobia (medo de lugares pequenos), hematofobia (medo do sangue), monofobia (medo de ficar sozinho), misofobia (medo de contaminação), nictofobia (medo do escuro), oclofobia (medo de multidões), sifilofobia (medo da sífilis) e zoofobia (medo dos animais).
Poderemos introduzir a homofobia ou a xenofobia no seio da categoria das fobias específicas? É certo que podemos tentar, elaborando uma proposta nesse sentido, recolhendo assinaturas de psiquiatras célebres e aguardando a resposta da comissão, mas, mesmo que o conseguíssemos - e eu divido seriamente disso -, seríamos confrontados com a tarefa de enquadrar estas duas fobias nos modelos biológicos das fobias que estão a ser estudados. Assim, por exemplo, em relação à homofobia, termo cunhado por Weinberg (1972), Herek (2000) propõe a sua substituição pelo conceito de prejuízo ou preconceito sexual, que define as atitudes negativas em relação a um indivíduo por causa da sua orientação sexual. Isto significa que um indivíduo homossexual é alvo da condenação social, não por causa do medo de estar com ele fechados num quarto sentido pelos outros, mas por causa de um preconceito sexual que discrimina todos aqueles cujos comportamentos não estejam em consonância com as normas heterosexistas. Deste modo, descarta-se o termo homofobia, até porque ele é ambíguo: levando em conta o grego ou o latim, a homofobia aparece com dois significados, um deles fala de «medo do homem», o outro, do «medo do mesmo».
Não poderemos dizer o mesmo em relação à xenofobia? E defini-la como um preconceito contra o estrangeiro? Ora, independentemente da raça, um estrangeiro é sempre visto, como disse Georg Simmel, como um «estranho», visto como «um supranumerário num grupo onde todas as posições económicas estão já ocupadas» e, embora faça parte do grupo, vindo não se sabe donde, «ele é prática e teoricamente mais livre, examina as relações com menos preconceitos, os critérios que lhes aplica são mais gerais e mais objectivos; não está obrigado nos seus actos a respeitar a tradição, a piedade ou os precedentes». É, por isso, que é visto como um estranho, simultaneamente próximo, porque faz parte do grupo, e distante, por é muito mais livre e objectivo, dado não estar afectivamente ligado à tradição nativa.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Helena Antunes disse...

"O racismo cultural (xenofobia) apresenta-se como um «racismo sem raça», um racismo «neonacionalista» e, não raro, etnocêntrico, procurando justificar as suas práticas de discriminação com a superioridade cultural ou a necessidade de defesa da própria cultura contra as ameaças «exteriores», sobretudo não americanas ou europeias."

"...as minorias étnicas (...) continuam cada vez mais a sentir-se discriminadas ou mesmo excluídas, o que as incita não só a reforçar os seus laços de pertença, identidade e solidariedade, como a manifestar a sua revolta e a iniciar um processo de politização, organização e mobilização face às investidas racistas."

Carlos Silva

O último relatório sobre racismo e xenofobia na União Europeia indica que cinco membros (Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Chipre) não disponibilizaram dados sobre delitos relacionados com actos de racismo em 2006, e que outros oito países comunicaram um aumento daqueles crimes entre 2005 e 2006 (França, Alemanha, Dinamarca, Irlanda, Polónia, Eslováquia, Finlândia e Reino Unido). "Persistem sinais preocupantes de maus-tratos pela polícia e pelas forças de segurança contra os imigrantes e pessoas que procuram asilo e o crescente racismo é uma praga social na Europa", diz o relatório.

Fonte: Jornal de Notícias de 2 de Setembro de 2007

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado Helena.