quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A Castidade das Mulheres

Num dos seus ensaios, Montaigne insurge-se contra a violência que se faz contra a castidade das mulheres e, dirigindo-se a «um sábio autor (parisiense) desta época» (século XVI), escreve:
«Aborrece-me que ele não tenha sabido, para acrescentar às suas histórias (muito machistas), da tirada que me contaram em Toulouse, de uma mulher que passara pelas mãos de alguns soldados: "Deus seja louvado, dizia ela, que, pelo menos uma vez na vida, eu me fartei sem pecado!"».
Entende-se a perspectiva dessa mulher se pensarmos que, naquele tempo, as mulheres eram muito oprimidas em termos de expressão sexual e que eram obrigadas a manter-se castas até ao casamento: fornicar antes era pecado, sobretudo quando desejado conscientemente por elas. Contudo, esta mulher tinha sido violada pelos soldados e, dado não ter sido um acto provocado por ela, saciou os seus desejos sexuais sem pecado.
Neste caso, os vilãos são os homens, esses seres que se entusiasmam com a perspectiva da violação e que gostam de controlar e dominar sexualmente as mulheres. De facto, há uma teoria da supressão da sexualidade feminina, segundo a qual esta supressão é um padrão de influência cultural através do qual as raparigas e as mulheres são induzidas a evitar sentir desejo sexual e a refrear ou reduzir o seu comportamento sexual. No âmbito desta teoria destacam-se duas hipóteses ou duas versões da teoria da supressão: a teoria do controle masculino e a teoria do controle feminino. A primeira afirma que os homens têm sido a principal fonte de tal influência, enquanto a segunda defende que as mulheres são a principal fonte da supressão da sexualidade feminina.
Montaigne parece adoptar a primeira teoria, a do controle masculino, considerando que os homens estão interessados em suprimir a sexualidade feminina, talvez porque temem ser traídos pelas suas mulheres (os seus "cornudos") e virem a cuidar e garantir o sustento de filhos que não são seus (os bastardos). Esta teoria defende que os homens suprimem a sexualidade feminina, com o objectivo de controlar as mulheres, garantir paz e ordem na sociedade e reduzir o risco de infidelidade das esposas. Contudo, diversos estudos contemporâneos concluem que a evidência empírica favorece a teoria do controle feminino: as próprias mulheres cooperam entre si para restringir a sexualidade umas das outras, de modo a garantir que a troca de sexo por outros recursos fornecidos pelos homens possa ocorrer de um modo favorável às mulheres. É curioso observar que Marx e Engels já tinham observado que a prostituição era a forma mais explícita de troca que caracteriza as relações de género em geral. Aliás, eles descreveram o casamento como «prostituição legalizada», na qual as mulheres trocam sexo pelo dinheiro dos seus maridos, embora de uma maneira mais subtil do que na prostituição propriamente dita.
J Francisco Saraiva de Sousa

31 comentários:

E. A. disse...

"as próprias mulheres cooperam entre si para restringir a sexualidade umas das outras, de modo a garantir que a troca de sexo por outros recursos fornecidos pelos homens possa ocorrer de um modo favorável às mulheres."

Que recursos fornecidos pelos homens as mulheres esperam em troca de sexo? É a minha pergunta para o Francisco, porque o conceito de "prostituição legalizada" que apresenta é anacrónico e insuficiente, pelo menos para a mulher ocidental, que se sustém economicamente a si mesma e muitas das vezes à família inteira.

Se me apresentasse o argumento de Freud (outro senhor que confessava mesmo não entender as mulheres) ainda assentia em parte: ele diz que a mulher permanece em família por causa das suas crias que são sentidas como propriedade sua, visto terem saído de dentro de si.
Agora, se for outro tipo de recurso, remete à disposição das sociedades tribais: um pouco, para não dizer muito desfasado. Aliás, acho que caminhamos para um tempo em que os homens se devem sentir muito deprimidos porque não precisamos deles para nada. Nem de dinheiro, nem de falo. Só mesmo a necessidade universal de procriação.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hum... Olá Aveugle.Papillon
É uma teoria datada de 2002 e que conta com o apoio das feministas, Aliás, as mulheres fazem parte desse grupo de pesquisa americano.
Não tem razão quando diz que as mulheres não precisam dos homens: estes investem mais no sexo do que as mulheres. Os homens pagam para ter sexo. As mulheres ainda não estão prontas a pagar para ter sexo, embora já haja prostituição masculina, pelo menos turística.
Este é um argumento de peso. Outros são de natureza intercultural e filogenética.
Nem de falo? Não me parece... Dinheiro? Basta ir à noite a determinadas artérias da city e vemos muitas mulheres à procuram de clientes, algumas das quais são transsexuais.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas, seguindo a sua ordem de argumentação, os homens também não precisam das mulheres, dito de uma forma linerar e sem ideologia. Pense nisso...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso, quem é mais desfavorável em relação à prostituição feminina? Os homens? Não. As Mulheres? SIM. Estes resultados foram obtidos de diversas entrevistas realizadas em vários países: as mulheres condenam mais a prostituição do que os homens e reagem muito mal às infidelidades afectivas. Os homens é mais em relação à infidelidade sexual. As mulheres não querem partilhar os seus maridos e temem que eles façam filhos noutras em prejuízo dos seus.

E. A. disse...

Um argumnto de peso é o facto que as mulheres não pagam para ter sexo? Mas claro que não pagam! Não precisam! Basta ser minimamente atraente, entrar num talho à noite (vulgo: discoteca) e tem sexo de graça, se assim o entender! Pode não ser de qualidade, como supostamente um profissional do sexo dará, mas é de graça.

E depois: fala-me de prostitutas? Mas eu não falava de prostitutas, falava de mim e da maior parte das mulheres que não são prostitutas. Estas, naturalmente, precisam dos homens e assim será para sempre.

Sim, claro que os homens não precisam das mulheres. É uma co-implicação...

Eu não "condeno" a prostituição. Parece uma palavra moralista. Apenas lamento as que vejo na rua, porque não se deveriam prostar daquela maneira. E quanto às de luxo, gostam demasiado de dinheiro...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Então, aceita uma das linhas de argumentação da teoria da supressão da sexualidade feminina.
É difícil refutá-la sem testes empíricos, porque os que foram realizados são-lhe favoráveis.
Não fique amuada com a linguagem. Em ciência e na filosofia não podemos ser submissos "ao piliticamente correcto", porque corremos o risco de perder a liberdade de pensar e começar a mentir e omitir, como já se faz. :)) (Não gostou do pretexto/Montaigne deste post?)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O problema do sexo-disco é outra linha de argumentação. Mas, mesmo aí, as mulheres apreciam aqueles homens prontos a arcar com as despesas, o que é explicado pela teoria.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A mulher referida por Montaigne precisou ser violada por soldados para ficar saciada sem pecado. Hoje, vai-se aos talhos da noite e às festas de espuma e ... e..., todos sabemos. Leu o meu post sobre "Porque não te calas?" (Prós e Contras): nem usam "cuecas"...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Esqueci-me de dizer que esta teoria se baseia num modelo económico racional. Daí a referência a Marx e à perspectiva das relações de género como "troca" (conceito económico).
Cabe à filosofia atenta criticar esses modelos: é a sua função. Contudo, como já vimos, a filosofia que cá se faz está "alienada".

E. A. disse...

Não fiquei amuada. E, se não reparou ainda, não sou politicamente correcta. A filosofia não se baseia apenas em testes empíricos. Há muitas hipóteses inverificáveis, daí que sobejam sempre, as últimas indagações para a filosofia, às quais a ciência não chega.

O que é "sexo-disco"?
Os homens gostam de pagar o jantar e as mulheres gostam que eles paguem, porque isso pressupõe já uma definição de papéis no âmbito sexual: a mulher mais frágil e vulnerável, e o homem mais forte e afoito. Isso agrada a ambas as partes. A mulher gosta de se sentir protegida e o homem de liderar o acontecimento.

Não li o seu post. Já leio. Mas de qualquer maneira acho que estes comportamentos das mulheres são despropositados, porque a mulher cede à sexualidade mecanizada e estúpida. O jogo da sensualidade e do enamoramento perde-se na consumação fácil.

Se é assim, todas as relações afectivas são trocas ou transacções e quem detém a medida do justo? Elas não são "racionadas" nem "racionais".

Helena Antunes disse...

No que concerne à legalização da prostituição, o Vítor do blogue Mal Maior chegou a escrever um texto interessante:

http://malmaior.blogspot.com/2007/09/pela-ordem-dos-trabalhadores-do-sexo.html

Lá, dei a minha opinião acerca do assunto, assim aproveito e transcrevo para aqui o meu comentário.

Antes de mais devo dizer que, por um lado, a legalização da prostituição sempre foi um tema que me deixou algo reticente. Do meu ponto de vista, era como legitimar um comportamnento desviante. Contudo, não podemos ver a situação como tal, e tal como tu sou cada vez mais da opinião de que se devia proceder a uma legalização da prostituição.
Deixa-me também que te diga que achei pertinente o uso da expressão "trabalhadores do sexo". Nós sociólogos somos "adeptos" da expressão trabalhadores sexuais em deterimento de prostitutas.

A prostituição constitui ainda hoje um tabu de preconceitos e estereótipos, o que continua a interpelar a sociedade e os própros indivíduos. Tem a ver com com hábitos e estilos de vida de uma determinada franja da população e, por tal, é socialmente condicionada.
Muitas das prostitutas de rua, sabemos que são mulheres maioritariamente originárias de grupos sociais desfavorecidos, com pertenças familiares desestruturadas e problemáticas. Vivem em condições de vida promíscuas. É um grupo da população extremamente marginalizado.

A legalização deste tipo de trabalho seria importante, por um lado, para proteger estas mulheres da violência de que são vítimas, não só por parte dos que do serviço delas usufruem que muitas vezes as mal tratam, mas sobretudo por parte da sociedade. É óbvio que por parte da sociedade assistimos a dois tipos de vioência:
- a violência incoberta: virar a cara quando passamos por elas na rua; desprezo
- a violência aberta: insultos verbais; violência física
Elas trabalham muitas vezes em contextos violentos o que faz com que o estigma social seja ainda mais forte.

Por outro lado, além de combater a violência e a criminalidade seria importantíssimo promover a saúde pública. Muitas vezes esta população tem relações sexuais desprotegidas contaminando-se e contaminado os seus clientes. Não raro, alguns clientes pagarem mais exigindo relações sexuais sem preservativo. Daí assistirmos a elevadas taxas de HIV/SIDA em trabalhadoras sexuais e seus clientes.

Se todos estes problemas fossem tratados como laborais, já haviam soluções à vista. Daí que a legalização deste tipo de trabalho seria benéfica para combater a violência e para combater a contaminação da saúde pública. Pois sabemos que a prostituição continuará a ser um fenómeno social não irradicado.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado Helena e Aveugle.Papillon
A expressão "trabalhadores(as) do sexo" é muito usada em estudos epidemiológicos e de medicina sexual e HIV, sobretudo para designar um estilo de vida sexualmente promíscuo que, evidentemente, favorece o contágio e as DST.
Papillon: "sexo-disco" foi a expressão que usei para sintetizar aquilo que tinha dito num comentário anterior: nos "talhos" o sexo é fácil. Daí disco-sexo.
Aquilo que diz confirma a hipótese do controle feminino da supressão da sexualidade feminina. Qualquer teoria biológica leva em conta a filogénese, isto é, a nossa herança ancestral. Os comportamentos que refere são programações filogenéticas, que podem ser social ou culturalmente "enfeitados", mas o padrão permanece o mesmo entre culturas, o que quer dizer que não são culturalmente determinados (sobredeterminados, sim).
Quanto à legalização da prostituição, é um assunto complexo. E, penso, que a maior parte das trabalhadoras do sexo não querem ser "profissionais" e "pagar para o Estado". Mas a higiene é fundamental.
(Estava a trabalhar...)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aveugle.Papillon
A afectividade é um atributo em que as mulheres ultrapassam de longe os homens.
Sim, pode ser vista como uma troca. A "medida do justo" resulta da própria troca, da relação e do perfil psicológico dos envolvidos. E da negociação...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que ninguém deve tentar intrometer-se nesses assuntos da vida privada...

E. A. disse...

Ok, então se eu confirmo a hipótese da supressão da sexualidade feminina, mas também da masculina! Porque acho essa ideia de "higiene é fundamental" terrível: quer dizer, o que interessa é que estejam lavadinhas e sem doenças! Corpos assépticos em almas apodrecidas!
Os homens devem ser educados para (se forem heterosexuais) amarem as mulheres na sua beleza e integridade, e não como um objecto de prazer! Se há um comportamento determinado, podemos superá-lo, ou não? Não é aqui que reside a grandeza humana?
Essa hipótese da legalização da prostituição não é uma solução, por mais benefícios que traga.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não usei o termo "prostituição" em sentido negativo e muito menos como estigma social, embora ele exista. A substituição deste termo por "trabalho sexual" não altera nada, talvez a hipocrisia do discurso oficial. "trabalhadores do sexo" começou a ser usado para designar os homens gay, travestis ou transsexuais que se prostituem. Depois, num ou noutro estudo, foi alargado às mulheres, mas sem substituir o termo clássico.
Quanto a Marx e Engels, suponho que a teoria deles está mais próxima da hipótese do controle masculino, mas as mulheres investigadoras e feministas dividem-se nesta questão. Pessoalmente, prefiro trabalhar com um modelo evolucionista e cientificamente mais "duro" (hard science). Mas não é totalmente incompatível com a teoria que referi imparcial e objectivamente, sem avançar com todos os seus dados abonatórios.

E. A. disse...

Mas qual vida privada? Obviamente que a minha pergunta era retórica, sem resposta à partida; precisamente porque a analogia está errada: relações afectivas não são à semelhança das trocas comerciais.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aveugle.Papillon
Não fui eu que abordei o assunto da legalização e da higiene, mas a minha amiga Helena.
Quando falei de higiene, referia-me fundamentalmente à prevenção de DST.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hummm... "Almas apodrecidas em corpos lavadinhos"! Bela expressão! Talvez fosse melhor dizer "mentes perturbadas" e, nesse caso, iriamos analisar o problema com outro prisma, mais biomédico. Sim, existem trabalhadores do sexo com diversa sintomatologia e compulsão sexual. Concordo consigo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Critique o modelo económico usado. E exponha a sua própria teoria. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Protecção é um dos recursos que os homens fornecem às mulheres em troca de sexo garantido. Até as prostitutas precisam dos proxenetas ou chulos para serem protegidas. Os mesmos esquemas em situações diferentes! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que superar a nossa animalidade tira a "pica". as nossas capacidades de transcender também têm limites. A nossa grandeza também está enraizada na nossa animalidade e no nosso acervo de instintos.

E. A. disse...

Caro Francisco,

Estamos a discutir hipóteses, não seja dogmático e não evoque com tanta frequência o argumento de autoridade. À medida que exponho a minha opinião, também é uma forma de eu pensar sobre isso e tê-lo a si ou a outros a fazer-me pensar. E se eu proporcionar isso a alguém, ainda melhor. Se já tem tudo por adquirido, isso sim tira-me a "pica".

Há muitas mulheres que não precisam de proxenetas; aliás quase todas as prostitutas de luxo são independentes.

Quando falei em superar a animalidade, não queria dizer recusar os instintos, mas não ceder cegamente a eles. Obviamente que há limites, o que fazemos deles é o que nos distingue. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto. Não sou dogmático e, se não quisesse pensar e partilhar, não estava a blogar. Sei isso, porque já tinhamos falado e encontrado alguns consensos.
:)

E. A. disse...

Quero fazer um breve apontamento em seguimento à discussão:

Ainda há bocado falava com um amigo sobre a quase obsessão que as mulheres (ou quase todas) têm pelos filhos ou para terem filhos, em detrimento dos seus maridos; e por isso se separou. :)

Isto regressando ao argumento freudiano na constituição da família. Acho que os homens até se podem casar para ter sexo sempre garantido, mas as mulheres não o fazem primordialmente por sustentabilidade económica, mas porque querem ser mães. Parece-me ser esta a hipótese que intuo por mais verdadeira. Mas se estiver farto, não tem que responder.

Vou dormir.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também vou dormir. Bons sonhos!

E. A. disse...

Eu sei que não quer saber, mas por causa da minha conversa com o meu amigo, sonhei com bebés! Por acaso, um bebé que não gostava de mim :(((
Enfim... também eu sinto o formigueiro da maternidade.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Giro! As mulheres são maternais. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Segundo Freud, o sonho é a realização de um desejo e o seu foi muito maternal. A maternidade não está excluída da hipótese em questão: Daí o controle que visa garantir o recurso dos pais pelos cuidados com as crias, sem desperdiçarem esperma e recursos noutras. :)

E. A. disse...

Recursos: afectivos e materiais, porque o esperma podem desperdiçar sempre! Os óvulos são muito mais preciosos porque raros. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto. Os machos desperdiçam esperma.