«De Marx a Durkheim, passando por Comte e Freud, todos de uma maneira certamente compreensível, manifestaram o seu entusiasmo pela atitude que conceptualmente supera a contradição. Através dela, reinvestiram a matriz religiosa, ou melhor, fideísta, que, em função da sua visão finalista, esquece a incoerência do presente, a imperfeição da estrutura mundana. Ao trágico, de que a contradição é o indício mais seguro, preferiram o drama, quer dizer o que se desenrola com mais ou menos pathos, mas que chega inevitavelmente a uma solução ou a uma resolução. Mas com o fim deste período activista, com o esgotamento do produtivismo e do progressismo, não é surpreendente que o entusiasmo científico já não sirva de receita. Se retomarmos a expressão de P. Sorokin a saturação de um valor cultural é contagiosa, e pouco a pouco ela contamina tudo o que lhe está próximo ou a que está ligada. Existe assim uma lógica da experiência que pode atacar com eficácia o fideísmo cientista. No seu tempo, tal crítica era obra de marginais ou de profetas, e a obra de Nietzsche, por exemplo, está aí para no-lo provar, mas agora é de todos os lados que a lassidão se exprime. Isto leva-nos a reconhecer que observamos regularmente na história mitos mobilizadores que se arruínam no ponto mais alto da sua glória para dar lugar a outros que se julgavam completamente vencidos. Parece que isto sucede também nos nossos dias, em que a monovalência de um valor em via de mundialização se pulveriza e dá o lugar ao politeísmo. O conceptual duro e rigoroso esbate-se diante da noção mole e polissémica». (Michel Maffesoli) Michel Maffesoli é um intelectual errante, mais precisamente um vagabundo, que retomou a hipótese da organicidade da vida social no contexto da improdutividade francesa: o resultado final desta a-propriação francesa da fenomenologia da vida quotidiana de Alfred Schutz e da filosofia da vida de Georg Simmel é uma Filosofia do Sexo, isto é, uma Filosofia da Promiscuidade, no sentido de redescobrir o social nos subterrâneos do sexo e dos contactos invasivos dos corpos. Estou a dar tanga, é certo, mas nem por isso estou a ser menos rigoroso: a banalização da economia da fruição e do desperdício, sem produção, seduz os homens metabolicamente reduzidos, porque faz da sua vida uma festa orgiástica. Para a religião dionisíaca - e Dionísio é a figura que Maffesoli opõe a Prometeu -, o homem que persiste no amor carnal, sem se casar, não comete pecado, mas o homem que, sob o ímpeto desse amor, contrai núpcias, comete um erro abominável. O casamento constitui pecado, porque privatiza o sexo, que é público: os cultos dionisíacos culminam em uniões sexuais colectivas, sem discernimento de espécie alguma. A sociologia da orgia de Maffesoli desvia a atenção das estruturas da produção, troca e circulação de coisas para a ebulição da festa, onde Dionísio opera a passagem da natureza para a cultura: a concepção prometeica da socialidade promovida pela modernidade é substituída pela concepção dionísica da socialidade. Maffesoli destaca a natureza carnal, passional e orgiástica das manifestações colectivas comunitárias, que, na sua perspectiva, garantem a sobrevivência da vida social: a actividade sexual é a «expressão privilegiada do desejo colectivo. O Eros solidifica e estrutura a socialidade; leva ainda o indivíduo a transcender-se a si próprio e a dissolver-se num conjunto mais vasto. É neste sentido que a sociologia é, antes de mais nada, o estudo da sexualidade». É possível elaborar uma sociologia da orgia, mas Maffesoli vai mais longe quando vê nela uma teoria mais geral da socialidade subterrânea que caracteriza a vida quotidiana. Maffesoli usa a sua teoria do orgiasmo social para criticar a modernidade, o seu produtivismo e o seu utilitarismo: «O tempo do produtivismo mostra-se, para dizer em poucas palavras, linear e progressista. Trata-se sempre de conquistar um amanhã promissor ou de atingir "mundos dissimulados" que encerram a "verdade" do nosso mundo. O orgiasmo, ao contrário, que é a um só tempo contenção e excesso, assim como dispêndio, perde-se no presente, esgota-se no instante. Assim, não opera sobre um futuro hipotético ou sobre um passado duvidoso. A fascinação passional é sempre pontual, ainda que esta pontualidade possa repetir-se num ciclo sem fim. Ao término da sua "instrução amorosa", a crermos em Platão, numa argumentação do Banquete, todo aquele que aí tenha ficado "terá a súbita visão de uma beleza cuja natureza é maravilhosa". É justamente este instante que se encontra na base da experiência do místico ou do libertino. O amor sem limites, em todas as suas formas, actualiza-se sempre, sem se preocupar com o amanhã, ainda que este mesmo amanhã lhe seja concedido. Uma paixão que se esgota no instante, na realização, pelo próprio facto de integrar a morte, assumi-la, e pelo facto de afrontar o destino, é uma repetida afirmação da eternidade. Como Nietzsche o declarou, de maneira paroxística, "a alegria, porém, não deseja herdeiros nem filhos - a alegria quer a si própria, quer a eternidade, a repetição das mesmas coisas; ela quer que tudo isso permaneça eternamente igual"». O contraste entre estas duas concepções do tempo - o linear e o cíclico, o judaico-cristão e o pagão - é suficiente para evidenciar o tipo de resistência que Maffesoli opõe ao energetismo moderno: a volúpia íntima (Proudhon) que não é apenas um feito das almas de elite, mas também a expressão da nobreza popular que «sabe, por meio de artifícios ou por duplicidade, resistir às injunções energéticas e aos imperativos da normatividade. E é justamente por não ser heróica, frontal, que tal resistência pode perdurar. Há prazer, há volúpia, há fruição na languidez - e isto constitui o mais seguro dos escudos de protecção contra o energetismo invasor». À modernidade e às suas derivações ou racionalizações (Pareto) que operam no linearismo do tempo, Maffesoli opõe o resíduo popular do erotismo e do corpo amoroso: o corpo amoroso reivindica um tempo rítmico que permite, sem qualquer preocupação de eficácia ou necessidade de esforço, a conjugação, a ligação e a distribuição aleatória das situações quotidianas. O mundo eterno da volúpia, do prazer e da fruição remete para o quietismo existencial, de modo a proteger-se e a defender-se do fantasma produtivo e da economia: «A perda e a morte são, portanto, sentidas como momentos da vida cíclica e, mesmo vividas tragicamente, inscrevem-se na conjugação eterna da globalidade». Maffesoli pensa a centralidade subterrânea - o vínculo social entre aqueles que «são o mundo» (Fernando Pessoa) - fora das duas grandes categorias da Modernidade: a História e a Crítica: «A História, com a sua direcção segura, é considerada como uma sequência de estágios que se superam sucessivamente. A crítica é propriamente o que permite essas superações. Ora, como se sabe, as armas da crítica e a explicação da História são, justamente, o próprio da intelligentsia esclarecida. A vivência, por sua vez, nada deve a esse historicismo, na medida em que integra maneiras de ser arcaicas (archai) que, de modo recorrente, retornam à frente da cena. As paixões, as emoções, os afectos contam-se entre elas, cujo retorno em massa pode ser constatado em todos os domínios» da vida quotidiana. Maffesoli descarta assim a crítica da vida quotidiana de Henri Lefebvre: o seu objectivo é fazer a apologia do hedonismo relativo que supõe impregnar a vida corrente do povo, esquecendo que o mundo continua a ser governado pelas elites, enquanto as tribos vibram em uníssono nos diferentes aspectos da vida social. A vibração libidinal e fusional do povo é a maior aliada do status quo: os que governam já não precisam de derivações para legitimar o seu domínio, bastando alimentar os resíduos libidinais e gastronómicos daqueles que são o mundo. A praxis erótica comunal é o novo ópio do povo. O retorno do arcaico e do infra-humano - a natureza de animal hipersexual e devorador - exige um outro tipo de pensamento: em vez da dialéctica e da crítica, Maffesoli propõe um pensamento afirmativo, pluralista, presenteísta e relativista, que reconhece no mundo dos fenómenos o único mundo que é possível. A pós-modernidade preconizada por Maffesoli é um retrocesso histórico, um recuo até à pré-modernidade. A sociologia do quotidiano de Maffesoli é uma sociosofia (P. Tacussel): um saber erótico - libido sciendi - que, opondo-se à razão abstracta e à sua libido dominandi, ama o mundo que descreve, integrando e compreendendo a mística do estar-junto. Em termos filosóficos, Maffesoli propõe um neovitalismo da afirmação colectiva da história vivida no dia-a-dia, absolutamente distinto da Lebensphilosophie em que diz inspirar-se: a ênfase é deslocada do indivíduo e da sua subjectividade para o colectivo vivido, isto é, para a socialidade subterrânea. Os filósofos da Escola de Frankfurt estavam preocupados com o destino do indivíduo na civilização técnica moderna: aquilo que eles analisaram - os mecanismos e os perigos da massificação, da violência manifesta, do retorno do mito e da irrupção da paixão - como indícios da decadência do capitalismo traduz, segundo Maffesoli, uma outra maneira das sociedades se dizerem e se sentirem. Maffesoli é assim levado a substituir a sociologia crítica por uma abordagem afirmativa: «O "tom de anteontem" - o do racionalismo abstracto - já não convém, num momento em que a aparência, o senso comum ou a vivência retomam uma importância que a modernidade lhes havia negado. E, ainda que seja sob a forma de constatação, importa assumir intelectualmente a afirmação da existência, o "sim" à vida». Maffesoli estabelece um vínculo entre o vitalismo e a comunidade, de modo a dar ênfase ao ressurgimento comunitário e ao triunfo do tribalismo com os diversos mimetismos ou conformismos que lhe são corolários: o neovitalismo comunitário rompe com a modernidade entendida como a conexão estreita entre o individualismo, o racionalismo e o dogmatismo. A nossa época não é a época do individualismo ou do narcisismo, mas sim a época do tribalismo que opera a ligação entre a comunidade, a vivência e o vitalismo: a estetização ou a erotização da existência exalta o sentimento comum, o desejo de vibrar junto, em todas as esferas da vida social. Ao experimentar con-juntamente emoções comuns, as tribos que emergem na vida contemporânea incorporam o mundo e são incorporadas ao mundo, tornando-se um corpo global, um corpo social animado, construído a partir da união dos contrários. Através desta aliança entre o material e o espiritual, o sensível e o inteligível, as tribos vibrantes realizam a aspiração arcaica ao divino social (Durkheim): «o corpo social repousa, antes de mais nada, sobre a colocação dos corpos individuais em relação, e, igualmente, sobre o facto de que essa colocação dos corpos em relação segrega uma aura específica, um imaginário específico que é o cimento essencial de toda a vida social». A doutrina erótica de Maffesoli encontra na experiência ou vivência comum o seu ingrediente fundamental: a abertura ao outro é a invasão de si pelo outro, a relativização e o esquecimento de si. Maffesoli rompe com o individualismo moderno, colocando no lugar do indivíduo isolado a pessoa integrada num corpo social - a máscara etrusca - que a conforta e a ultrapassa: o desapossamento do eu pontual num conjunto mais amplo permite a estruturação de um si inscrito na duração, isto é, na afirmação exuberante da vida, como expressão da energia libidinal através da qual a exacerbação do próprio corpo conforta o corpo colectivo. O neovitalismo de Maffesoli conserva o irracionalismo da anterior filosofia da vida, decretando a falência da razão e franqueando o limite que a separa do mito, mas, quando substitui a fuga para a interioridade pela fuga para a exterioridade do corpo social no carnaval festivo da vida quotidiana, consuma plenamente a sua tendência reaccionária, promovendo o neofascismo através do elogio da organização social da Máfia italiana. A crítica integral do pensamento orgânico de Maffesoli pode e deve ser exercida como uma propedêutica ao espírito reaccionário que habita diversas correntes da filosofia contemporânea: o abandono da crítica implica sempre um retrocesso ao reino do mito e à sociedade fechada. J Francisco Saraiva de Sousa
6 comentários:
O neovitalismo pós-moderno de Maffesoli é lixo: além de desvirtuar os vitalismos, é pura masturbação teórica. Até uma trabalhadora do sexo fica desiludida com o orgiasmo social de Maffesoli: a orgia tira-lhe clientes e rendimentos.
Ora, um tal pensamento libertário não é de Esquerda: é um pensamento afirmativo, politeísta, relativista, que deixa escapar a política: a lógica dos afectos e das emoções não explica nada.
Estou aterrorizado com Maffessoli: sexo, orgia, bebida, comida... que horror de nómada! O homem é um vazio de pensamento que adultera o orfismo. Ele não diz como produz os bens que quer consumir. Criticar os excessos do produtivismo é uma coisa; opor-lhe um saber estético é um disparate. Ele abdica do passado e do futuro e evapora-se num eterno presente de excesso: não produz crianças. O mundo de Maffesoli é um mundo envelhecido, sem energia natural, a não ser a do viagra.
O neovitalismo pós-moderno de Maffesoli rompe com o vitalismo tal como o conhecemos: já não se centra no indivíduo e na sua subjectividade, mas orienta-se para o vivido colectivo - a socialidade é orgiasmo confusional e infra-humana. O humanismo deste tolo reclama o infra-humano - aquilo que chamo metabolismo reduzido. Em vez de criticar a vida quotidiana, afirma a história colectiva vivida no dia-a-dia. Elogia a sujidade! Este sacana tem a ousadia de afirmar que a Escola de Frankfurt se enganou quando tomou esses indícios como patológicos - sinais de uma época decadente. Pior, retoma de Bloch o núcleo obscuro, como se isso fosse orgiasmo. Maffesoli é um badalhoco! Porco, ordinário, e outros nomes mais...
A socialidade secreta é a socialidade do sexo colectivo: comunhão carnal do individual e do colectivo corporal. Aliás, o álcool ajuda a criar essa fusão: não há indivíduo mas máscara etrusca - fusão. Uma sociologia da orgia generalizada é promiscuidade.
A vida no filosofia da vida nunca foi a vida biológica, mas Maffesoli retoma a noção de resíduos de Pareto para introduzir os instintos - esquecendo as derivações. É um irracionalista porco e ordinário!
Os franceses são decadentes! Que merda de pensamento!
O post está finalmente concluído. :)
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