O Debate Prós e Contras de hoje (15 de Março) - moderado por Fátima Campos Ferreira - abordou um tema que me agrada especialmente: a busca e a descoberta de novos horizontes para a humanidade ocidental e para a nossa matriz civilizacional num mundo global. O fio condutor deste debate inscreveu-se nas relações complexas entre política, economia e sociedade, no contexto alargado da crise do sistema capitalista que ameaça a própria dominação ocidental. Max Scheler usou a imagem do carro que perdemos de vista depois de ter dado a curva, para demonstrar a sobrevivência da pessoa invisível depois da morte: apesar de deixarmos de o ver, o carro continua a existir, seguindo o seu percurso, mesmo que se tenha precipitado no abismo. Ora, a mesma imagem pode ser utilizada para mostrar que a actual crise financeira e económica lançou o Ocidente numa curva vertiginosa, cujo destino incerto nos assusta e nos angustia, como se estivessemos a ser confrontados com a nossa própria morte. A Filosofia que nasceu no Ocidente recusa dar-se como vencida e não desiste facilmente da tarefa de imaginar uma vida nova para a Humanidade: continuamos a acreditar nas forças criadoras da alma ocidental e nas energias vitais das terras que ilumina. Do outro lado da curva espera-nos o inferno ou o céu: a decisão ainda não nos escapou completamente: o passado glorioso e o desejo de um futuro liberto une-nos e liga-nos à terra do Ocidente - a única Casa do Homem, a nossa Casa Natal, a nossa Pátria da Identidade, pela qual estamos prontos a dar a nossa vida. A crise financeira e económica que se abateu sobre o mundo é, segundo Eduardo Lourenço (Filósofo), «a crise mesma da economia», que abalou de surpresa o epicentro da nossa sociedade e do domínio ocidental no mundo global, pondo em questão o próprio sistema capitalista, sem termos uma alternância visível. A referência a Marx - e Marx foi abundantemente referido neste debate -, que previu o colapso total do capitalismo, fornece uma alternativa política viável, e é nesta perspectiva de exploração de novas figuras da possibilidade que interpreto a frase de José Gil (Filósofo): «a política hoje já não manda nada», não a política-governação, completamente condicionada pela falta de dinheiro e por imperativos económicos e ditada pelos economistas e pelo capital financeiro, mas sim a política-projecto. «Os gurus do nosso destino são efectivamente os economistas» (José Gil). De facto, o próprio Marx chegou mesmo a afirmar que a luta final não vai ser travada entre as classes trabalhadoras e a burguesia, mas entre estas classes e uma nova classe de gestores, precisamente a classe dos gurus que se apoderou de todos os centros de decisão, em nome de uma gestão económica racional, e que gerou, em grande medida, esta crise. Com a emergência desta nova classe dirigente, que usou e abusou do poder político e da capacidade de intervenção do Estado na economia em benefício do seu próprio enriquecimento privado, a política - a imaginação política - foi completamente subordinada à economia: o triunfo do neoliberalismo significa que o Estado ajudou a economia de mercado a colonizar todas as esferas da sociedade, da cultura e do mundo da vida. Aquilo a que chamo a invasão e a colonização da totalidade social pela economia capitalista é completamente distinto da «autonomia da economia» num mundo financeiro globalizado advogada por Eduardo Lourenço. Marx mostrou sabiamente que, no sistema capitalista, a economia não só é a estrutura determinante em última instância, como também assume o papel dominante no processo de reprodução do próprio sistema: o que é novo não é esta autonomia da economia, mas o facto de hoje a economia não ter um exterior. A gestão económica impôs-se a todas as instituições sociais e os seus serviços e bens foram comercializados: tudo é económico ou, pelo menos, susceptível de ser rentabilizado, comercializado, gerido e pensado em função da lógica do lucro. O mundo inteiro foi capturado pela teia da economia de mercado. A captura do mundo, da vida, da natureza, da sociedade e do homem pela economia de mercado num cenário global animou o neoliberalismo até ao estalar da grande crise que revelou a sua falsidade: o mundo está cada vez mais desigual e mais pobre. Ora, a perspectiva que acabo de esboçar de modo sucinto e sumário, a partir das intervenções de José Gil e de Eduardo Lourenço, articula-se perfeitamente com as teses defendidas por António Pires de Lima (Gestor): a actual crise exige uma alteração de paradigma e uma mudança decidida e corajosa de sociedade. Com a Queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo reforçou a sua «legitimidade» e afirmou-se como pensamento único, gerando um consenso político mundial alargado em torno da chamada teologia de mercado, que ameaça seriamente as estruturas democráticas ocidentais: a sociedade unidimensional de Marcuse - a sociedade sem oposição e sem alternativas - consumou-se. A crise colheu-nos de surpresa e desprevenidos: Estamos a viver um fim de ciclo de política ideológica e de regime, como disse Henrique Bicha Castelo (Médico cirurgião), e não temos aparentemente alternativas. É certo que a conjugação dos poderes políticos nacionais ajudaram a moderar significativamente os efeitos nefastos da crise, como lembrou Pires de Lima, mas esta suavização política da crise não deve distrair-nos: a nossa segurança, a nossa tranquilidade, o nosso modelo social, estão a ser questionados externamente pela aceleração da transferência ou da deslocalização do poder económico do Ocidente para a novas economias emergentes que, com excepção do Brasil, não são respeitadas pela sua dignidade democrática. As economias ocidentais, em especial as economias europeias, não sabem criar riqueza para sustentar o nosso modelo social (Pires de Lima). Num mundo global, «a Europa não é ninguém», no sentido de ter deixado de ser um actor político activo nos palcos do mundo: a Europa é um «museu vivo de nós próprios» (Eduardo Lourenço), que perdeu estatuto e capacidade de intervenção nos destinos do mundo. Eduardo Lourenço apresentou esta deslocalização da dominação do Ocidente para as economias emergentes, já captada por Ernest Gellner, como um processo de ajuste de contas dos países que foram outrora dominados pela Europa com a Civilização Ocidental: o Império do Mal - uma referência ao Islão e à China - emerge contra o Ocidente, usando a nossa técnica e os nossos conhecimentos. Pires de Lima afirmou que, enquanto a impotência da Europa for contrabalançada positiva e efectivamente pelo potência americana, nem tudo está perdido: a esperança de recuperação do domínio ocidental deve unir a humanidade dos dois ocidentes, o europeu e o americano. Se tomarmos consciência da nossa posição frágil no mundo, podemos começar a refazer o nosso caminho, rompendo com alguns pressupostos iluministas: a ideia de que o dia de amanhã será «melhor» que o dia de hoje, que alimenta a ideologia económica do crescimento ilimitado, rompeu-se completamente com esta crise, e, com ela, a ideia de uma vida e de um futuro assegurados e garantidos. A ideia de que o futuro não está garantido pode levar novamente a humanidade ocidental a acordar da letargia mental e cognitiva em que vive, a lutar corajosamente contra as adversidades e a sonhar um mundo melhor (Ernst Bloch). Porém, nem todas as possibilidades reais sonhadas pela humanidade ancestral poderão ou deverão ser realizadas: a utopia médica, tal como a captou Ernst Bloch - o sonho de imortalidade de Bicha Castelo - é, no fundo, uma anti-utopia, que está a levar as gerações grisalhas a negar o mundo aos que nascem e aos que poderiam ter nascido se o mundo fosse menos egoísta. O destino do Ocidente joga-se na dialéctica de avançar um passo em frente e de recuar dois ou três passos atrás: a ausência de garantias finais e a abertura permanente do futuro aplicam-se aos direitos adquiridos que, na conjuntura política presente, bloqueiam a mudança social qualitativa. As expectativas metabolicamente reduzidas da humanidade domesticada morreram e, se quisermos reconquistar uma posição de prestígio mundial, devemos fazer o seu luto saudável (Pires de Lima): a vida não pode permanecer eternamente prisioneira na esfera do consumo desenfreado e carente de sentido. Neste debate, ergueram-se duas vozes desgarradas e dissonantes que impugnaram o entendimento obtido em torno das relações entre a economia e a política e dos efeitos sociais e humanos desastrosos da crise: a de Diogo Lucena (Administrador da FCG), em defesa da manutenção da ordem economicamente reduzida estabelecida, e a de Miguel Morgado, em nome de um regresso antidemocrático à ordem do sagrado manipulado. Miguel Morgado baralhou tudo, vacilando entre uma perspectiva demográfica - a necessidade de gerar bebés para garantir o modelo social europeu - e uma perspectiva de responsabilização da democracia pelo marasmo da política ocidental e da Europa. A ausência de nexo no seu pensamento permite descartá-lo e concentrar a atenção nas posições de Diogo Lucena: a crise não mudou o funcionamento da economia de mercado. O que falhou na globalização foi - segundo Lucena - o facto da integração dos mercados não ter sido acompanhada pela integração política mundial: a utopia de Lucena é a utopia de um governo mundial num mundo que escapa cada vez mais ao domínio ocidental. Para Lucena, tudo se resume ao crescimento económico: Portugal enriquece cada ano que passa, superando gradualmente a pobreza, mas está a enriquecer demasiado devagar em relação à Europa, aos USA e às economias emergentes. Pires de Lima defendeu a posição de José Gil, de Eduardo Lourenço e de Bicha Castelo, censurando as bitolas economicistas de Lucena e avançando com a tese do luto das expectativas geradas nos anos 80 e 90. O discurso de José Gil inscreve-se, como afirmou diversas vezes, no discurso de Pires de Lima contra os discursos de Diogo Lucena e de Miguel Morgado. Para José Gil, a questão fundamental é a seguinte: Desenvolvimento para quê? O desenvolvimento das sociedades deve servir o desenvolvimento dos homens concretos e das suas subjectividades. O discurso economicista de Lucena não satisfaz José Gil, porque o desenvolvimento para os homens não pode ser medido por critérios puramente económicos e quantitativos. Ou, dito em linguagem marxista, o crescimento económico (quantitativo) não implica necessariamente desenvolvimento qualitativo das subjectividades. Um dos grandes méritos de Marx reside no facto de ter possibilitado a identificação entre a Acumulação e a História, encarando a última como um vasto processo cumulativo que culmina no mundo moderno: as teses do crescimento indefinido e da limitação do crescimento são meras ideologias que fragilizam a via - autenticamente marxista - que convida a assegurar o desenvolvimento. Como se tornou evidente no decorrer das últimas décadas, o crescimento económico não garante, por si só, o desenvolvimento humano: a fragilidade das vidas sociais das pessoas resultante desta crise (Pires de Lima), a privação do futuro das classes mais pobres (Eduardo Lourenço), a desmotivação derrotista (Henrique Bicha Castelo) e o estreitamento e a limitação dos horizontes das subjectividades, dos desejos e da cultura social (José Gil) mostram claramente que o bem-estar social - material - não é o essencial. É preciso dar um rosto aos números - às estatísticas - para os poder comparar e esse rosto só pode ser o rosto dos homens concretos que sofrem os efeitos mais nefastos desta crise. Entre o discurso economicista e o discurso humanista não há reconciliação possível, como referiu enfaticamente José Gil. Eduardo Lourenço falou da privação do futuro como se isso fosse uma terrível maldade gerada pela actual crise financeira e económica, mas eu vejo nessa privação uma nova oportunidade para tentar definir conceptualmente novos tipos de sociedades, de modo a libertar a imaginação produtiva do encurralamento e do estreitamento de horizontes a que foi sujeitada pelo neoliberalismo. Segundo José Gil, o horizonte das possibilidades limita-se e estreita-se cada vez mais numa sociedade de consensos alargados: o crescimento material, em vez de ter enriquecido e propiciado o desenvolvimento de individualidades criadoras, produziu subjectividades mais pobres, cognitivamente indigentes e mentalmente atrofiadas, incapazes de ousar considerar o campo das possibilidades. Uma vida garantida automaticamente, além de ser uma mera ilusão, como o demonstra a ocorrência de uma catástrofe natural, é uma vida resignada e apática que se perde para si própria no ciclo infindável das trocas metabólicas com a natureza, contribuindo para a degradação da natureza, a destruição dos laços sociais e a desintegração do homem; é, portanto, uma vida não-produtiva que, mergulhada num eterno presente, perdeu o contacto com o passado e se fechou ao futuro. O sistema estabelecido produz em série os sujeitos que precisa para garantir a sua reprodução e a sua dominação: mão-de-obra especializada, consumidores dóceis e utentes resignados, que cumprem sem contestação as regras estabelecidas pelo poder burocrático instituído, elegendo periodicamente num ritual formal os seus representantes. Ivan Illich pensou a convivencialidade como alternativa ao princípio de produtividade que conduz o homem - fechado na sua concha individual - a um estado de insatisfação permanente e de tédio mortal. Embora o conceito de convivencialidade diga respeito ao controle da ferramenta pelo homem integrado na colectividade, a crítica do sistema social que lhe é subjacente ajuda a captar novas perspectivas de futuro, para além da falsa alternativa entre crescimento e anticrescimento: todas as sociedades precisam produzir o que consomem. Romper com a produção é inviabilizar o nosso futuro e entregá-lo às economias emergentes asiáticas: a inversão política implica, num primeiro momento de verdade, o estabelecimento, por acordo político, de um princípio virtuoso de autolimitação, a começar pela recondução da economia ao seu próprio domínio e por aquilo a que Pires de Lima chamou uma nova gestão das expectativas, capaz de gerar riqueza sem inibir o desenvolvimento do homem. A Grande Transformação - a mudança de paradigma - tem o seu início nesta autolimitação: o resto vem por acréscimo. J Francisco Saraiva de Sousa
40 comentários:
Termino amanhã - isto é, hoje, talvez à tarde - o post: agora preciso dormir, serenar os neurónios e acordar bem, para não disparar contra Diogo Lucena e Miguel Morgado. Depois explico esse confronto... :)
O autor que fez um comentário que depois eliminou disse isto:
«Se bem percebi "esse confronto" que prometeu com Miguel Morgado limitou-se a descartar o pensamento de MM considerado "sem nexo". Belo confronto de ideias! O desencanto de Gil pela democracia é aceitável porque participa do entendimento marxista sobre o horizonte imaterial dos possíveis do homem. O do Morgado, como rejeita esta perspectiva sistemica da relação entre infra-estrutura economica e superestrutura politica, é anti democrática. Estou esclarecido...»
Descartei Miguel Morgado, porque o seu pensamento vacilou entre a demografia e a democracia, acabando por responsabilizar a democracia pelo mau desempenho da política ocidental e ameaçando regressar ao tal sagrado manipulado, aquilo que Eduardo Lourenço condenou logo a seguir quando nomeou o império do Mal. Não houve um fio condutor no seu pensamento.
Bem, o post está finalmente concluído. Estou ciente de algumas lacunas, mas procurei não extravazar muito aquilo que foi dito no debate. Porém, as nossas teorias dominantes precisam ser revistas urgentemente e, nalguns casos, substituídas por novas teorias. Gerir a herança não é tarefa nada fácil, mas sem isso não encontraremos novas luzes. :)
A Esquerda deve abdicar da ideia de reconciliação final: deixemos o futuro aberto. O princípio de autolimitação reenvia ao que disse noutro post:
«A utopia que inspira o poder da negação é, neste nosso tempo indigente, a utopia de uma vida não regulamentada, a única utopia social que faz justiça à cidadania responsável e adulta. E esta utopia mínima não é avessa à possibilidade política de implantar uma ditadura pedagógica para libertar o futuro da catástrofe, educando os homens para a liberdade responsável e para a democracia.»
Bam, acho que não tenho tempo para concluir o post sobre Lefebvre, mas logo vejo... :)
Ontem, Paulo Portas, numa entrevista dada a Ana Lourenço, desmistificou muito bem algumas medidas do Plano de Estabilidade e Crescimento: espero que o governo altere alguma coisa no PEC. Confio na enorme competência do Ministro das Finanças. :)
Com que entao o Portas desmitificou mt bem? de certeza q n era o miguel portas?? LOL...
http://www.publico.pt/Local/red-bull-air-race-prova-deve-regressar-ao-rio-douro-e-alternar-com-o-tejo_1427710
Ya, era mesmo o Paulo e não o Miguel Portas: fez uma crítica pertinente ao PEC.
Hummm... Vai alternar mesmo entre o Douro e o Tejo?
Eh, parece q sim. Nem li a noticia, mas ja a vi reproduzida noutros jornais a sair.
Esta tb ta certeira
http://aeiou.expresso.pt/paulo-portas-ja-e-primeiro-ministro-e-usa-o-nome-de-jose-socrates=f571351
Afinal, François Chatelet mudou muito de opinião, porque na sua obra mestra "Logos e Praxis" ainda não tinha abdicado da alienação, que explicita em função da noção de homem como ser sofredor. Uma quantidade de obras apreciáveis sobre Marx que cairam injustamente no esquecimento. É preciso retomar esse diálogo e dar continuidade a essas pesquisas...
Ah, pena a Else estar de férias, porque o tal comentário eliminado está ligado às forças que ofuscam a filosofia em Portugal, fazendo dela serva da religião. Daí o horror manifestado em relação ao Gil. Enfim, para essas pessoas, tudo o que não é tomismo é marxismo. E de facto assim é um pouco. :)
E daí que o Morgado tenha dito mal da teoria do imperialismo de Lenine, aliás uma grande teoria. :)
E estou preparado para fazer uma crítica demolidora do tomismo e do dito personalismo tomista, deixando Deus de lado: o cristianismo nunca produziu uma política e, paradoxalmente, algo que se aproxima disso está em Santo Agostinho que dá com uma mão o que tira com a outra: a preocupação com este mundo terreno, o único que conhecemos. Mas vou estar atento às propostas políticas dos tomistas: as clausuras do mundo, isto é, a apropriação (privada) do mundo e a distribuição "generosa" da pobreza. As políticas do silêncio: «Aceita a pobreza que nós os eleitos (eles) cuidamos da tua triste alma». Pensamentos ridículos que neguei descartando o Morgado e a sua apologia da pobreza!
Ai, ai... a Rolha do PSD não me intimida: agora compreendo a índole do personalismo tomista do PSD-Rolha!
Detesto beatos reaccionários - aduladores do demónio!
Bem, depois de escutar as críticas do PEC feitas pelas oposições, fico sem saber quais são as orientações que propõem para a redução do défice e o crescimento económico.
Eu sou de Esquerda e, por isso, não concordo com algumas medidas, tais como as privatizações num momento de crise ou a discriminação em relação às linhas do TGV no Norte, entre outras.
Eu, se fosse o governo, demitia-me e entregava o poder à oposição, sem pedir eleições antecipadas: deixava-a governar para saber o que efectivamente defendem. Eu não sei o que as oposições defendem positivamente.
Por outro lado, penso que ninguém captou as consequências da crise e da deslocalização do poder para as economias emergentes: a Direita privatiza e conserva o neoliberalismo, a Esquerda não-socialista socializa e defende a conservação dos direitos adquiridos, sem sabermos onde vai buscar o dinheiro para conservar essa economia mágica. O PS anda de facto muito desorientado e isso não é bom, nada bom.
Enfim, Portugal nunca terá um futuro moderno e mais alegre: reina o caos do insulto e a tirânia da opinião. :(
Não há solução - e muito menos solução final - para os problemas que este tipo de sociedade irracional gera continuamente: caminhamos a passo acelerado para a morte. O sistema está necrófilo.
De facto, analisando os problemas estupidamente gerados por esta sociedade irracional, verificamos que a melhor solução seria operar um recuo: o modelo social pode ser visto de outro prisma que exige menos custos e encargos para o Estado. Quanto mais alargam a mentalidade economicista, mais insuportável tornam a vida. Quanto mais querem, menos têm.
Um exemplo: a Europa não gera crianças e abre-se à emigração sem pensar no seu próprio interesse. Não coloca a questão de saber porque razão os europeus não querem filhos! Na economia de mercado alargada, os filhos custam dinheiro e os potenciais pais que têm a possibilidade de uma vida longa e alienada preferem investir no seu egoísmo. Porém, depois de reformados, os velhos solitários ficam caros e não há população activa capaz de lhes pagar as reformas e as despesas de saúde. Mas a dita ciência inventou o viagra para lhes dar prazer... Tudo isto é um círculo vicioso de irracionalidade e de perda de bom-senso. Os grisalhos vão morrer com regalias e deixar o Ocidente entregue a emigrantes não-ocidentais...
O Ocidente investe naquilo que não tem efectivamente futuro: a política ocidental é uma política da e para a morte. A renovação, a inovação, a criatividade, são sacrificadas para prolongar a vida fácil da geriatria que anseia pela sua própria imortalidade.
E ninguém diz ser mais feliz; pelo contrário, andam todos insatisfeitos e deprimidos. A depressão é lucrativa para a indústria farmacêutica. Vamos chegar ao ponto de devorar os restos metabólicos ou mortais uns dos outros. Para garantir este economicismo total, é preciso comercializar tudo: este é o caminho que estamos a seguir - a perda total da dignidade da vida humana, da natureza e da vida em geral.
Recuos conscientes não implicam regresso à barbárie total: os primeiros podem livrar o mundo da barbárie!
De modo espontâneo, não-reflectido, introduzi neste post alguns pares de conceitos trans-históricos, um dos quais é possível-impossível. Deste último resultou uma redefinição da alienação como perda do possível, isto é, como blocagem do possível: a virtualidade bloqueada pressentia-a no discurso de Eduardo Lourenço sobre o capital virtual. Daí que tenha subvertido o seu discurso... :)
Reconheço as dificuldades do meu pensamento e sei que habita nele um elemento originário, mas a verdade, a verdade mesma é que sem abordar a questão económica qualquer proposta filosífica tem pés de barro.
A economia mágica de certa esquerda pseudo-radical reside no facto de ter introduzido elementos diferenciais sem pensar no enquadramento económico que os pode ou não suportar. Uma tal esquerda, tal como o conservadorismo, é simplesmente regressiva.
Acabei de introduzir no post a identificação entre acumulação e história, que colhi d'O Capital: a história como processo de acumulação, o conceito fundamental que alimenta o economicismo e a sua visão quantitativa do crescimento. Pergunto: Quantas concepções da história podemos extrair da obra de Marx? E qual delas pode ser dita marxista? Esta noção de história anda sempre presente mas ainda não foi conscientemente tematizada: ela alimentou não só o neoliberalismo e o liberalismo clássico, como também o comunismo. Ela permite ver os supostos opostos como as duas faces da mesma moeda - a história como acumulação de riqueza.
Como vejo as minhas dificuldades teóricas?
A linguística e o estruturalismo lixaram a noção de história e o seu privilégio, mas eu não quero abdicar da história e da historicidade, porque, para zelar pela herança, identifico o ocidente com a própria história. Esta teimosia gera as dificuldades: é fácil pensar uma filosofia além da história, mas ela não resolve a questão económica. Além disso, não quero superar a filosofia: aposto na abertura. No entanto, ao defender o inacabamento, permito a questão: o inacabamento de quê? Ora, dado saber ser habitado pelo originário, estou a pensar a tal dialéctica do avançar e do recuar. Porém, não desisto da antropologia trans-histórica que me permite renovar o marxismo...
Retomando ainda o debate: Eduardo Lourenço referiu - talvez - o desfasamento da política marxista em relação ao nosso tempo. Mas convém ter em mente este andamento da escassez para a abundância - o princípio americano que no funto realizava o paraíso na terra. Ora, nas últimas décadas que culminam na crise, a pobreza não tem parado de aumentar em todos os lugares do globo, incluíndo a Europa: estamos diante do regresso da escassez que viabiliza uma revolta total contra o sistema. O capitalismo domesticou o homem dando-lhe de comer, mas esta tarefa já não está a ser garantida: desemprego, fome, pobreza, miséria, doenças ... tudo isto regressa. E a sua revolta pode ser urbana! O marxismo não é um dogma: é pensamento em andamento.
A privatização do ensino e da saúde é terrivelmente regressiva e pode vir a ser fatal! Mais: ela poderá vir a justificar a superação à maneira de Nietzsche - como destruição, como morte dos opressores.
Aquilo que secretamente se deseja que aconteça na China pode também acontecer no ocidente: quem brinca com o fogo queima-se e pode morrer queimado. :)
Hoje, na entrevista dada a Judite de Sousa, Paulo Rangel retomou - e bem - o discurso da ruptura. Aliás, o PS e o PSD deviam chegar a um acordo quanto às rupturas a operar na sociedade portuguesa. Mais - descolonização é fundamental! :)
Adicionei um blogue filosófico de S. Paulo - Diário Filosófico do Daniel. A formação de uma comunidade virtual de filosofia está em andamento e é bom verificar que os filósofos estão atentos às novas realidades tecnológicas.
Tenho estado a ver qual o papel da antropologia na teoria de Marx: sei que o seu pensamento se aprofunda sempre, mas há sempre uma concepção do homem que permanece. E é isso que interessa, porque a partir dela podemos analisar o mundo virtual.
O dia está cinzento e triste; no entanto, apesar de banhado pela tristeza do tempo, continuo a projectar a tal antropologia fundamental, a partir de Marx.
1. A dupla-determinação da natureza - a natureza interior 8esotérica)e a natureza exterior (exotérica). Este facto é fundamental, porque permite repensar
2. A dialéctica da necessidade e do desejo: o homem como ser necessitado transforma-se, através das mediações sociais, em homem como ser do desejo. Ora, com esta dialéctica supero H. Arendt: Sim, a política diz respeito ao desejo,
3. Desejo que inscreve o campo dos possíveis.
Apesar das dificuldades teóricas, caminho na direcção do tal marxismo ascético e sou novamente tentado pela contemplação. No entanto, não posso abdicar da praxis, mas não a posso ver como superação da filosofia. A obra de Marx é muito densa e resiste sempre às suas leituras.
Outro problema associado é ir do ético ao estético: a produção do mundo novo. Ela decorre da dialéctica da ideologia e da utopia. Quero resistir ao fetichismo do modernismo e, para isso, reclamo a mibilidade e a abertura totais.
Ah, é evidente que já descartei - sempre descartei - a teoria e a política do proletariado, cuja acção foi uma decepção para a teoria crítica.
Ah, o ascetismo é visto literalmente como mortificação da carne, o que exige uma dialéctica do desejo complexa.
*mobilização :)
A mortificação da carne é fundamental para manter o horizonte aberto e liberto do tédio: a modernidade enquanto culto da abstracção produz tédio mortal. É o período dos fetichismos consumados: o modernismo é fetichismo, a tecnologia é fetichismo, a apropriação do desejo é fetichismo, tudo é fetichismo.
De certo modo, a teoria crítica deu o seu contributo para este fetichismo total, quando deu destaque ao prazer, ao lazer e coisas do género, mas a via do prazer conduz à destruição e ao desconforto total.
O conforto tornou-se desconfortável e a insatisfação que se verifica indica isso, embora as pessoas não saibam dizer isso, por causa da sua pauperização intelectual.
Afinal, o marxismo é uma maiêutica política: a sua função é ajudar o parto de uma nova sociedade - o futuro que a actual sociedade traz no seu ventre. Isto permite reler Marx à luz de Sócrates e Sócrates à luz de Marx. Lutamos por uma nova Atenas! :)
O objectivo deste pensamento é lixar Hannah Arendt e Rorty: fechando um círculo maiêutico. Com Marx, regressamos à Grécia - Marx como o Sócrates dos tempos modernos! Há, portanto, uma ironia dialéctica! Todos os filósofos marxistas são parteiras.
O regresso à Grécia é um regresso da juventude, não da juventude sempre-já envelhecida que esqueceu a história, mas a juventude que luta contra a geriatria instalada: rejuvenescer o Ocidente exige este recuo maiêutico. Somos filósofos da Primavera! :)
Quando falo de juventude, estou a lidar com um fenómeno da natureza, colocando um desafio a Marx: o de converter a sua luta entre proprietários privados e proletários em luta entre forças conservadoras e forças criadoras, entre geriiatria e juventude. Esta contradição é política: a geriatria - incluindo os jovens que nascem já mortos, sem história, condenados à repetição - é a parte conservadora e a juventude é a parte destruidora. Da geriatria emana a acção que conserva a contradição e da juventude a acção que a aniquila. Acabo de usar terminologia filosófica arrancada da Sagrada Família! :)
A superação marxista também pode ser destruição - aniquilamento da ordem existente e da sua meta-física.
O gozo que tudo isto me dá reside no facto de saber que posso captar Marx usando qualquer rede, o que significa que ele incorpora a Herança. Marx é o Ocidente! :)
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